O discurso inflamado de Jair Bolsonaro no ato do dia 7 de setembro de 2021, na avenida Paulista, no qual afirmou que não cumpriria mais as decisões do ministro Alexandre de Moraes, não foi um episódio isolado. Documentos da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) indicam que essa ofensiva contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Justiça Eleitoral foi meticulosamente planejada, com participação ativa do então diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem.
A construção da narrativa contra o STF
Mensagens e documentos trocados entre Ramagem e Bolsonaro mostram que a estratégia de ataques ao STF foi estruturada com antecedência. Um dos documentos analisados, intitulado "Bom dia Presidente.docx", indicava a necessidade de massificar os ataques ao Supremo e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o objetivo de desacreditar o sistema eleitoral.
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Essa estratégia foi executada à risca no evento de 7 de setembro, quando Bolsonaro declarou:
"Ou esse ministro [Alexandre de Moraes] se enquadra ou ele pede para sair. Não se pode admitir que uma pessoa apenas, um homem apenas turve a nossa liberdade."
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Além da retórica agressiva, Bolsonaro afirmou que não cumpriria mais decisões judiciais de Moraes, levantando alertas de juristas sobre a possível prática de crime de responsabilidade.
Os discursos de Bolsonaro já vinham sendo construídos há meses com o apoio de aliados estratégicos, entre eles Ramagem, que tinha papel fundamental na elaboração da retórica contra o sistema eleitoral. O uso da narrativa de fraude como ferramenta de mobilização de base visava gerar um clima de instabilidade institucional.
Ramagem e a formulação do discurso de Bolsonaro
As mensagens de Ramagem revelam que ele preparava documentos para embasar as falas públicas de Bolsonaro. No arquivo "Presidente TSE informa.docx", criado e modificado pelo e-mail aramagem@yahoo.com, Ramagem sugeria que Bolsonaro reforçasse a tese de que as eleições de 2018 foram fraudadas e que ele teria vencido no primeiro turno. O documento afirmava:
"A prova da vulnerabilidade já foi feita em 2018, antes das eleições. Resta somente trazê-la novamente e constantemente."
Essa linha de argumentação foi seguida por Bolsonaro durante seus discursos e lives, consolidando a estratégia de descredibilização das urnas eletrônicas. Outros documentos revelam que o ex-diretor da Abin recomendava que Bolsonaro insistisse na tese da insegurança eleitoral de maneira incessante, garantindo que sua base política assimilasse essa ideia como uma verdade absoluta.
Além disso, Ramagem sugeria que Bolsonaro reforçasse a ideia de que o STF estava interferindo no Executivo e impedindo sua governabilidade. Essa estratégia era complementada por ataques a ministros específicos, como Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, com o objetivo de desestabilizar as decisões do TSE.
O plano para descumprir decisões judiciais
As mensagens trocadas entre Ramagem e Bolsonaro também revelam a construção de um esquema para ignorar e deslegitimar decisões do STF. Em um e-mail enviado por Ramagem a Bolsonaro com o título "Plano para controle da narrativa e alinhamento institucional", o então chefe da Abin propunha:
- O uso da Advocacia-Geral da União (AGU) para justificar o descumprimento de decisões judiciais;
- A instrução para que a Polícia Federal ignorasse mandados expedidos pelo STF;
- Pressão sobre o Ministério da Justiça para adotar medidas que impedissem investigações contra o governo.
O plano para não cumprir ordens judiciais foi articulado antes de 29 de julho de 2021, data em que Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo reforçando a estratégia de insurreição. Além disso, um dos documentos mencionados, encontrado nos arquivos digitais de Alexandre Ramagem, contém metadados de criação em 5 de maio de 2020 e última modificação em 21 de março de 2023, sugerindo que essa estratégia estava sendo debatida e refinada ao longo do tempo.
No e-mail, Ramagem escreve:
"As unidades da PF responsáveis pela execução de mandados não estão diretamente ligadas às determinações dos inquéritos. Necessitam apenas de respaldo legal (pareceres) e comando hierárquico para cumprir ou não as medidas do STF manifestamente contrárias à lei."
Esse trecho sugere uma tentativa deliberada de obstrução da Justiça, ao buscar respaldo institucional para ignorar determinações do STF. O documento fortalece a tese de que havia um plano estruturado dentro do governo para desacatar ordens judiciais e impedir ações da Polícia Federal contra aliados de Bolsonaro.
As revelações da investigação mostram que o discurso de Bolsonaro em 7 de setembro de 2021 não foi um ato isolado, mas sim parte de uma estratégia previamente elaborada para desacreditar o sistema eleitoral e justificar um possível descumprimento de decisões judiciais. Com o suporte de Alexandre Ramagem, Bolsonaro seguiu um roteiro que visava radicalizar sua base e minar a confiança nas instituições democráticas.