A aliança das big techs Meta, X, OpenAI, Google, Uber, Apple, e dos super-ricos com o novo governo republicano de Donald Trump nos EUA já configura o que vem sendo chamado de populismo empresarial, termo cunhado pela jornalista venezuelana Luz Mely Reyes. Os interesses das plataformas, antes velados, tornaram-se evidentes com a quebra da "neutralidade" e da “civilidade” que diziam manter ao anunciarem o apoio explícito ao governo neofascista desde as campanhas eleitorais estadunidenses, como mostrou uma reportagem da Fórum.
A cientista social e política Rosemary Segurado, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC), afirmou em entrevista à Fórum que esse alinhamento das empresas foi acontecendo aos poucos até chegar na imagem emblemática da posse de Trump que consolida as relações anti-Estado das big techs com o governo republicano, além do gesto nazista de Elon Musk, que deixou o mundo perplexo. Segundo ela, há uma nova concentração de poder.
'Vai se intensificar'
“A eleição de Trump nos coloca num outro patamar e é por isso que ele tem dado essas declarações, que são de isolamento, ignorando completamente a Europa. E se nós formos pensar do ponto de vista das big techs, a Europa vem tentando e fazendo processos regulatórios que vão na contramão do que esses milionários das big techs querem. É uma nova concentração de poder, da informação e da desinformação, que vai se intensificar ainda mais daqui pra frente”, observa Segurado.
A análise vai na mesma linha exposta pelo professor de Relações Internacionais Reginaldo Nasser, que em entrevista ao Fórum Onze e Meia na última terça-feira (14) afirmou que o gesto de Musk, por exemplo, foi claramente uma saudação nazista, com o intuito de mobilização e intensificação dos extremos, chamando atenção, contudo, de que não se tratou, necessariamente, de um fascismo importado pelo bilionário, mas sim de algo que vem da própria história dos EUA.
“Às vezes isso aparece para eles como uma ideologia importada, já no século XX, mas o que eles fizeram no século XIX com os indígenas e com os negros não tem nada a ver com o fascismo e nazismo. A política de expansão do final do século XIX que os Estados Unidos fez pela América Latina e toda a história de guerra e intervenções não é algo importado. Então eu acho que é mais grave ainda"
Trump afirmou pouco antes da posse que queria anexar o Canadá e que o Golfo do México deveria se chamar “Golfo da América”. Essa semana, ele descartou a América Latina dizendo que os países do continente “dependem” dos EUA. O republicano expôs seus planos perversos de deportação de imigrantes afirmando que a América seria "grande novamente". Rose Segurado acredita que Trump à frente da extrema direita global pode moldar a extrema direita brasileira nas eleições de 2026.
“De fato, esse crescimento da direita e da extrema direita nas eleições municipais do Brasil acende uma preocupação muito grande. Hoje, a eleição do Trump fortalece esses movimentos e é evidente que o caráter, o lugar que o Brasil ocupa nesse movimento de extrema direita é um lugar muito importante. A eleição do Bolsonaro já foi isso, já teve uma colaboração”, diz.
Direita fortalecida
Rose Segurado lembra dos escândalos da Cambridge Analytica. “Steve Bannon é uma figura importante dentro desse movimento, apareceu aqui [no Brasil] em 2018, apareceu lado a lado com a família Bolsonaro. Então, eu acho que é um lugar estratégico para eles. Depois da eleição de 2018, nós tivemos eleição na América Latina em países, como na Argentina, que elegeu o Milei; em El Salvador, com o Bukele... Então, é um movimento que precisa ser visto com atenção”, afirma a professora.
“A preocupação com as eleições de 2026 já está colocada, inclusive para o campo progressista, quem será o candidato, se será efetivamente Lula ou se será alguma outra figura (...) Eles [a extrema direita] vão aproveitar esse momento para consolidar essa posição na América Latina e no Brasil”
O Congresso Nacional vem agindo para impedir a aprovação de pautas essenciais ao campo progressista, enquanto prioriza agendas ultraconservadoras, o que pode culminar em tentativas de desestabilização do governo Lula até o ano que vem. “É um momento preocupante, mesmo estando ainda há mais de um ano da eleição presidencial”.
Desinformação na economia é arma da extrema direita
As fake news dos bolsonaristas sobre taxação do Pix já é uma dessas preocupações, que desgastou o governo Lula a ponto de levá-lo a um recuo de uma medida já anunciada. A viralização de vídeos falsos e o pânico gerado na população com a economia no país é a estratégia mais utilizada pela extrema direita para fomentar polarização política nas redes. Todos os brasileiros usam Pix, logo a desinformação atingiria a maior parte da população.
“O governo cometeu erros muito estratégicos ao comunicar essas alterações, não deixou claro, dando margem para que a direita, obviamente, criasse desinformação. A importância do Pix para os brasileiros é um dos aspectos que faz com que tenha tido tanta repercussão, tanto alcance. Além disso, nós não podemos negar que provavelmente também tenha havido uma ação algorítmica que fez com que houvesse mais de 200 milhões de visualizações”, explica.
“Não tem muito como demonstrar isso porque não há regulação. Então, não se sabe como os algoritmos atuam exatamente. Sabemos que há uma lógica, que eles influenciam (...) e que as postagens da extrema direita acabam sendo beneficiadas e ganhando muita repercussão por conta desta lógica”
De acordo com a cientista política, a falta de uma estratégia robusta para lidar com as redes sociais não apenas prejudica a comunicação do governo, mas também abala a confiança popular. “Isso já é apontado por muitos estudiosos mas, claro, em momentos como esse verificamos o tipo de estrago que isso pode fazer, e é óbvio que afeta a confiança no governo, porque falar em criação de mais impostos é uma coisa muito negativa, e não era isso de que se tratava essa alteração do Pix, Mas o governo perdeu essa batalha informacional, muito também pela sua incapacidade de entender os movimentos de rede”, acrescenta.
Mal a crise do Pix começou a perder força e o governo Lula passou a ser alvo de novas ondas de fake news nas redes sociais, que agora giram em torno da falsa ideia de alterar o formato da data de validade de alimentos, que está sendo explorada pela oposição.
Uma das soluções apontadas por Rose para combater as narrativas falsas é a retomada da discussão do PL 2630, conhecido como PL das Fake News, que ainda enfrenta barreiras no Congresso Nacional, cuja composição é majoritariamente de direita que se coloca de maneira contrária à regulação das plataformas, buscando se amparar em torno da questão da “liberdade de expressão”. “Acho que o esforço seria um movimento, uma pressão da sociedade civil, amplo, para fazer com que a aprovação do projeto efetivamente pudesse acontecer”, completa a especialista.