A declaração audaciosa de Jair Bolsonaro (PL) à CNN Brasil, de que cogita indicar sua esposa, Michelle, como candidata à Presidência em 2026, para que ela então o nomeie ministro-chefe da Casa Civil, sugerindo que de lá ele governaria o país, já traz repercussões mesmo fora da bolha da extrema direita. No entanto, a coisa não é tão simples quanto quis fazer parecer o ex-presidente condenado à inelegibilidade e que num futuro muito próximo tem grandes chances de estar atrás das grades.
A Fórum foi ouvir juristas consagrados sobre a legalidade de tal estratégia, que inequivocamente seria uma tentativa de fazer com que Bolsonaro, inelegível e enrolado até o pescoço com a Justiça, chegasse novamente ao poder por meio de uma manobra familiar.
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“A atual jurisprudência do STF vai contra a pretensão de Bolsonaro. Veja o caso da nomeação de [Alexandre] Ramagem e do próprio caso de Lula envolvendo a presidenta Dilma Rousseff, em 2016. No caso Bolsonaro, na hipótese por ele aventada, ocorre algo ainda mais grave. Além de marido, ele, se condenado, não poderia. Se ainda réu, sem julgamento, supondo que seja apenas denunciado, também não poderia. Trata da discussão da moralidade administrativa, como no caso Ramagem”, afirma Lenio Streck, um dos juristas mais renomados do Brasil, que é também professor e procurador aposentado, um dos autores mais citados em votos de ministros de tribunais superiores do país.
Quem também comentou a “nova estratégia” do ex-presidente foi o jurista e advogado Fernando Augusto Fernandes, um criminalista que tem atuado em alguns dos casos de maior repercussão no Brasil. Para ele, a hipótese não teria chance de se concretizar, salientando que todo esse malabarismo do antigo ocupante do Palácio do Planalto é porque ele sabe que será condenado e irá para a cadeia em breve.
“[Sendo apenas] Réu poderia, mas o STF analisaria o impedimento não pelo fato de ele ser réu, mas porque há um desvio claro na nomeação, para que ele, ao fim e ao cabo, exerça de fato a Presidência. Agora, a entrevista revela, do ponto de vista político, uma alucinação, como se fosse hereditária a sucessão sem levar em conta seus próprios aliados nos governos dos estados, por exemplo. Bolsonaro quer dizer que está vivo, perto do seu “enterro”. Judicialmente sua nomeação seria um desvio de finalidade inconstitucional pela motivação. Ele não estaria impedido por ser réu, mas tudo indica, e ele sabe, que será condenado. Sua saída me parece que é tentar eleger alguém que tenda a lhe dar uma graça, mas isso vai esbarrar na mesma inconstitucionalidade de seu decreto que tentou salvar o ex-deputado Daniel da Silveira”, explica Fernandes.
Quem também foi ouvido pela Fórum foi Pedro Serrano, respeitado jurista e advogado que é ex-procurador do Estado de São Paulo, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP e pós-doutor em Ciências Histórico-Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Ele apenas discorda dos colegas na hipótese de Bolsonaro chegar ao final da eleição de 2026 sendo apenas réu, sem receber uma condenação e sem estar preso.
“Entendo que se Bolsonaro estiver preso ou condenado a uma pena que o impeça de assumir cargos públicos, ele não poderá assumir [o cargo de ministro-chefe da Casa Civil]. Agora, caso ainda seja apenas réu, pode assumir sim. E isso é algo que já defendi na época em que Lula foi impedido de assumir o mesmo cargo no governo Dilma... Nesse caso, não há desvio [de finalidade] a meu ver, pois o cargo é político, de ampla escolha na nomeação”, opina Serrano.
É essencial lembrar que Jair Bolsonaro é indiciado pela Polícia Federal no inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023 e deve ser denunciado e se tornar réu no STF nas próximas semanas. Especialistas dizem que seriam praticamente nulas as chances de ele não ser condenado, visto a robustez das provas existentes. Ele é também indiciado pelo crime de falsificação de documento e inserção de dados falsos em sistemas públicos de informação e investigado por roubar joias que seriam do acervo da Presidência da República.