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Bolsonaro desmascarado: Cientista político fala sobre fim do “mito honesto”

Indiciado pela PF pelo furto de joias da Presidência e com seus podres expostos no inquérito, agora público, analista explica se isso deve impactar na imagem do ex-mandatário

Jair Bolsonaro, com a esposa Michelle, na CPAC 2024, em SC.Créditos: Alan Pedro/Folhapress
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A real face da figura política de Jair Bolsonaro (PL) nunca foi algo oculto, pelo menos para quem acompanha há décadas a trajetória do então deputado federal insignificante que desde sempre foi acusado de trambiques e cambalachos na vida pública, como esquemas em abastecimento de veículos oficiais, loteamento de cargos em seus gabinetes e rachadinhas com salários dos servidores. Em entrevistas, ele dizia “sonego mesmo, tudo que puder”, e já como presidente assumiu abertamente que trocaria o comando da Polícia Federal se ela passasse a investigar seus filhos por atos ilícitos.

Pois foi essa mesma Polícia Federal que agora indiciou Bolsonaro, o acusando de chefiar um grande esquema criminoso que desviava joias, relógios e artigos caríssimos do acervo da Presidência da República para vendê-los no exterior, uma roubalheira que teria auferido lucros de até R$ 6,8 milhões, conforme o inquérito encaminhado ao Supremo Tribunal Federal na última semana. Para piorar tudo para o lado do “capitão”, a íntegra da investigação teve seu sigilo judicial levantado pelo ministro Alexandre de Moraes, tornando-se pública e escancarando os mais absurdos atos e patifarias que o antigo chefe de Estado teria protagonizado na afobação de conseguir juntar muito dinheiro se desfazendo de objetos de luxo que não eram dele, após ser derrotado nas urnas por Lula (PT) e perceber que seria despejado em breve do Palácio da Alvorada.

Para saber como esses novos fatos impactam diretamente no “mito da honestidade” repetido a exaustão por Bolsonaro desde que se candidatou a presidente pela primeira vez, em 2018, e que serve de bordão e fé cega para seus fanáticos seguidores, a Fórum entrevistou o cientista político Rafael Moreira, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Santa Cecília, em Santos, uma das maiores e mais importantes do litoral de São Paulo.

Moreira admite que os últimos capítulos tornados públicos em relação aos escândalos de corrupção envolvendo Jair Bolsonaro realmente jogam uma pá de cal sobre a construção dessa imagem do “mito honesto”, mas crê que para seus eleitores, radicalizados ao extremo e sem qualquer intenção de saber a verdade, tais fatos não mudam nada.

“Há uma definição de um jornalista estadunidense falando sobre a candidatura do Donald Trump que eu acho que, em boa medida, serve também para a figura pública do Jair Bolsonaro. Ele diz que Trump se transformou numa “figura Teflon”, ou seja, naquilo que nada cola em relação ao seu eleitorado. Sem dúvida essa definição é muito boa para o Bolsonaro, muito boa mesmo. Para quem tem o mínimo de acesso à informação, que tem o mínimo de reflexão crítica, que de alguma forma acompanha os noticiários, e que sempre soube desde o início que ele estava envolvido em casos de ‘picaretagem’, digamos assim, até porque a trajetória anterior dele à Presidência já mostrava isso havia muito tempo, enfim, para nós, nós temos noção disso. No entanto, ele conseguiu fazer com que uma parte do eleitorado dele, dos cidadãos que o apoiam, fazer com que, mesmo com tudo que sai de informação, com tudo que exista de provas, não usem isso para embasar a opinião que eles têm em relação ao Bolsonaro como figura pública”, começa explicando o acadêmico.

Como exemplo para o entendimento que tem do fenômeno, o cientista político usa os exemplos de dois ex-ditadores sul-americanos: Augusto Pinochet, do Chile, e Alberto Fujimori, do Peru. O primeiro, descobriu-se anos depois de sua saída do poder, mantinha quilos e quilos de ouro, roubados durante sua ditadura, num banco em Hong Kong, enquanto o segundo foi condenado por desviar milhões de dólares que eram usados para subornar autoridades do Estado. Os dois sempre se jactaram por supostamente serem “honestos e incorruptíveis”. O problema é que muita gente acredita nisso até hoje nas duas nações andinas.

“Há dados que mostram que pessoas, por exemplo, no Chile, até hoje veem Pinochet como uma figura boa para a história do país delas, honesto, assim como há no Peru muita gente que acha o Fujimori uma figura ‘ok’ da história política peruana. Isso realmente mostra que, para uma boa parte do eleitorado, essa ideia do ‘Teflon’ vai ficar permanentemente existindo, independentemente de o sujeito estar preso ou não, ser condenado ou não. Ou seja, para boa parte dessas pessoas, não fará diferença alguma se Bolsonaro estará preso ou não, se há provas ou não contra Bolsonaro. Ele tem uma espécie de ‘mérito’ que foi o de conseguir construir uma narrativa contra qualquer tipo de crítica que surja direcionada a ele. Ele responde de bate-pronto e com aquilo que a gente já sabe. Se o poder Judiciário o indicia, ele já tem na ponta da língua ‘ah, no Judiciário são todos comunistas’, enfim, respostas simplistas e sem nexo, que para essa fatia que fez dele essa figura Teflon, vai fazer sentido. Essas pessoas não têm capacidade de reflexão crítica, jamais vão conseguir fazer uma leitura e uma reflexão mais profundas sobre qualquer fato, seja sobre o indiciamento de um presidente da República, seja sobre mudanças climáticas, seja em relação a qualquer coisa”, acrescenta Moreira.

Para o cientista político, o fenômeno de fidelidade criado em torno de Bolsonaro, que foge do racional, é algo que condenação alguma, ou prova alguma, eliminará. Ele arrisca dizer que é uma “devoção” que seguirá até quando o ex-presidente nem estiver mais vivo.

“Ele conseguiu criar uma base eleitoral que o segue de maneira absolutamente cega. Essas pessoas vão segui-lo até o final da vida dele, inclusive até o final da vida dessas pessoas também, já que mesmo se ele tiver morrido, esses seguidores permanecerão depois disso, repetindo o de sempre, que ele é inocente, ‘tentaram o incriminar porque ele queria limpar o Brasil’, enfim, toda uma retórica que a gente sabe que é uma furada, uma piada, mas que para esses setores do eleitorado dele nunca vai ser. É um eleitorado que busca reflexões simplistas, que busca respostas simples para situações muito complexas”, concluiu.