O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), abastecia Jair Bolsonaro com orientações golpistas, entre elas sugestões de como atacar as urnas eletrônicas e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), com o intuito de evitar ou reverter uma derrota do ex-presidente nas eleições de 2022.
A descoberta foi feita pela Polícia Federal (PF) no âmbito das do inquérito que investigada a chamada 'Abin paralela'. Ramagem, segundo a PF, teria sido o responsável por montar um esquema de espionagem ilegal dentro da Abin, durante o governo Bolsonaro, supostamente utilizada para espionar autoridades, desafetos políticos e até mesmo aliados do ex-presidente, com o intuito de protegê-lo (e proteger seus familiares) de eventuais reveses políticos e jurídicos.
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Ao analisar o e-mail de Ramagem, a partir de quebra de sigilo autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, PF encontrou arquivos de texto com essas orientações golpistas a Bolsonaro. Segundo o jornal O Globo, que teve acesso ao relatório da investigação em que constam trechos desses documentos, um deles traz uma "estratégia" para encampar a narrativa falaciosa de "vulnerabilidade" das urnas eletrônicas.
"Por tudo que tenho pesquisado, mantenho total certeza de que houve fraude nas eleições de 2018, com vitória do sr. (presidente Bolsonaro) no primeiro turno. Todavia, ocorrida na alteração de votos", diz um trecho do texto, que prossegue com sugestões para que Bolsonaro adote um discurso no sentido de minar a confiança no sistema eleitoral brasileiro. O próprio Ramagem chega a falar em "ataque" às urnas.
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"O argumento na anulação de votos não teria esse alcance todo. Entendo que argumento de anulação de votos não seja uma boa linha de ataque às urnas. Na realidade, a urna já se encontra em total descrédito perante a população. Deve-se enaltecer essa questão já consolidada subjetivamente (...) A prova da vulnerabilidade já foi feita em 2018, antes das eleições. Resta somente trazê-la novamente e constantemente", dispara Ramagem no documento.
"Atitude belicosa"
Em outro documento dirigido a Bolsonaro encontrado no e-mail de Ramagem, o ex-diretor da Abin faz uma orientação mais explícita de postura golpista para o ex-presidente. Ele sugere que Bolsonaro adote uma "atitude belicosa" no contexto das eleições – isto é, que aja de maneira mais hostil e violenta.
"Bom dia, presidente. O Sr. mais do que ninguém conhece o sistema e sabe que não houve apenas quebra de paradigma na sua eleição, mas ruptura com esquema dos poderes (...) nenhuma crise conseguiu enfraquecer sua base e não aparenta haver políticos à altura de vencê-lo em 2022. Portanto, parece que a batalha maior será agora, requerendo atitude belicosa com estratégia", escreve.
Em outro texto, Ramagem afirma que há um movimento de "golpe" no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o ex-presidente e faz ataques a ministros da Corte.
O que disse Ramagem
Alexandre Ramagem prestou depoimento à Polícia Federal (PF) por quase 7 horas no dia 17 de julho. O bolsonarista chegou à sede da corporação no Rio de Janeiro às 15h15 e só deixou o local às 22h, sem falar com a imprensa.
Aos investigadores, segundo reportagem publicada pelo jornal O Globo, Ramagem teria dito que escrevia textos "para comunicação de fatos de possível interesse" de Bolsonaro, mas teria afirmado que "não se lembrava" se essas orientações foram passadas adiante. Além disso, o ex-diretor da Abin disse que costumava escrever "textos de fontes abertas".
Nova versão sobre grampo
Pouco antes de prestar depoimento à PF nesta quarta-feira (17), Ramagem mudou a versão sobre o motivo de ter feito um grampo da reunião com Jair Bolsonaro, Augusto Heleno, ex-chefe do GSI, e duas advogadas de Flávio Bolsonaro.
No encontro no Palácio do Planalto, segundo a PF, Bolsonaro realizou tráfico de influência ao colocar a Abin, comandada por Ramagem, a serviço da defesa do filho no caso de corrupção que ficou conhecido como "rachadinhas".
A gravação da reunião, que comprovaria, segundo a PF, a interferência do ex-presidente, foi feita pelo ex-chefe da Abin e causou irritação em Bolsonaro.
Em vídeo nas redes, Ramagem afirmou que "a gravação da reunião de agosto de 2020 não foi clandestina" e que o grampo foi realizado devido a uma informação recebida sobre uma pessoa que participaria da reunião e que teria contato com o governador do Rio de Janeiro na época".
"Havia a preocupação de que essa pessoa pudesse apresentar uma proposta nada republicana??, disse Ramagem, sobre o representante do então governador fluminense Wilson Witzel, ex-aliado de Bolsonaro, que teve o mandato cassado em 2021.
O grampo
O ministro Alexandre de Moraes (STF) retirou nesta segunda-feira (15) o sigilo sobre o áudio gravado escondido por Alexandre Ramagem (PL-RJ), então chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em 25 de agosto de 2020, em reunião com Jair Bolsonaro (PL), o general Augusto Heleno (então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional – GSI) e uma advogada que defendia os interesses do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente.
Na longa conversa, cuja gravação contou com um 1 hora e 8 minutos, esteve em pauta uma forma de interferir diretamente nas investigações que apuravam a suposta prática de rachadinha no antigo gabinete de Flávio na Alerj, quando ele era deputado estadual. Os auditores da Receita Federal que atuavam no caso eram os alvos da trama costurada no encontro.
O teor da gravação confirma informações preliminares de fontes ligadas à investigação que apontavam que a conversa deixaria inequívoca a ação do então chefe de Estado para interferir no andamento da apuração eventualmente criminosa que recai sobre seu filho primogênito, o que configuraria um crime grave.
Fontes da Fórum na PF, que não estão envolvidas no inquérito, mas que mantêm contato com os investigadores do caso, chamaram a gravação de “a bomba da República”, porque, segundo elas, colocaria o ex-presidente em situação ainda mais complicada diante da Justiça.
"Ressalto, ainda, que, a eventual divulgação parcial – ou mesmo manipulação – de trechos da Informação de Polícia Judiciária nº2404151/2024 (fls. 334-381), bem como da gravação nela referida, tem potencial de geração de inúmeras notícias incompletas ou fraudulentas em prejuízo à correta informação à sociedade", diz o despacho do ministro como argumento para levantar o sigilo da gravação.
Num trecho crítico da conversa, aos 48 minutos, após tratarem longamente de um caminho para descobrirem quem são os auditores da Receita Federal que chegaram a relatórios contra o senador Flávio Bolsonaro, e como o fizeram, o então presidente da República diz diretamente no diálogo para procurar o chefe do Dataprev, Gustavo Canuto, que foi ministro do Desenvolvimento Regional no governo Bolsonaro. A sugestão é para uma finalidade obviamente ilegal.
Já o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), alerta que a ação não pode “vazar”, naturalmente por se tratar de uma atitude criminosa. Bolsonaro então responde que Heleno pode confiar em chefe do Dataprev: "Meu ministro".
Um minuto antes, Bolsonaro demonstrava temor em ser gravado: “A gente nunca sabe se tem alguém gravando alguma coisa. Não estamos buscando o favorecimento de ninguém”, disse.