CONGRESSO NACIONAL

Reforma Tributária: Combate às desigualdades está em pauta na Câmara

Grupo de Trabalho ouvirá entidades e pesquisadores sobre o tema, entre eles a Oxfam, que propõe a taxação de grandes fortunas como meio de financiar justiça social

Favela da Providência, no centro do Rio de Janeiro.Créditos: Daniel Garcia Neto via Wikimedia Commons
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O Grupo de Trabalho formado na Câmara dos Deputados para discutir a reforma tributária vai debater o combate às desigualdades na manhã da próxima quinta-feira (20).

A audiência começa às 9h e vai discutir o Projeto de Lei Complementar 68/24, que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS). Dado o tema e os convidados, a conversa também deve girar em torno da taxação de grandes fortunas, um dos pontos da reforma e da instituição dos novos impostos.

O colegiado foi instalado no último mês e tem 60 dias para concluir os trabalhos. Fazem parte os deputados federais Claudio Cajado (PP-BA), Reginaldo Lopes (PT-MG), Hildo Rocha (MDB-MA), Joaquim Passarinho (PL-PA), Augusto Coutinho (Republicanos-PE), Moses Rodrigues (União-CE) e Luiz Gastão (PSD-CE).

São 19 convidadas já confirmadas para o debate. Entre elas está Viviana Santiago, diretora executiva da Oxfam Brasil, que elabora um trabalho importante nesse sentido. Em janeiro, por exemplo, a entidade lançou o relatório "Desigualdade S.A. - Como o poder corporativo divide nosso mundo e a necessidade de uma nova era da ação pública”.

O principal dado trazido pelo relatório é de que a riqueza dos cinco maiores bilionários do mundo dobrou desde 2020, enquanto a de 60% da população global – cerca de 5 bilhões de pessoas – diminuiu nesse mesmo período. No Brasil, 4 dos 5 bilionários brasileiros mais ricos aumentaram em 51% sua riqueza no mesmo período enquanto 129 milhões de brasileiros ficaram mais pobres.

"O G20, atualmente sob a liderança do Brasil, deve defender um novo acordo internacional para aumentar os impostos sobre a renda e o patrimônio dos indivíduos mais ricos do mundo", diz o relatório, cobrando uma iniciativa de Lula para a taxação das grandes fortunas como forma de reduzir a desigualdade no mundo.

Segundo o relatório, houve redução de impostos cobrados das grandes corporações nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A Oxfam ainda cita o Brasil como exemplo de país que não cobra impostos dos lucros transferidos para acionistas das grandes empresas.

"A redução dos impostos cobrados de empresas ocorreu juntamente com uma tributação muito baixa dos tipos de rendimentos que elas pagam aos seus acionistas. Nos países da OCDE, a alíquota marginal máxima média sobre dividendos diminuiu muito desde 1980, de 61% para 42%, e em alguns países, como o Brasil, eles simplesmente não são tributados. Além disso, a renda recebida com a venda de ações em empresas é tributada, em média, em apenas 18% em 123 países, muito abaixo das alíquotas mais elevadas aplicadas à renda do trabalho (cerca de 31% nas maiores economias do mundo)", diz o estudo.

Existência de bilionários é perigo para a democracia

Em dado momento, o relatório fala abertamente que “fica nítido que a propriedade de ações e participações, em termos econômicos, reflete uma plutocracia e não uma democracia”. A palavra em questão, “plutocracia”, significa justamente o ‘governo daqueles que têm grana’.

“Tem um argumento de ordem moral, de que a gente não pode ter algumas pessoas com tanto e outras com tão pouco; um de ordem jurídica que, no caso do Brasil, por exemplo, a Constituição prevê que é uma das diretrizes da República reduzir desigualdade; e um de ordem política, no sentido de que, pra onde se olha, e os dados do relatório ressaltam isso, vemos aumento da desigualdade e da concentração de renda. Trata-se de um movimento que não só ele não se abrandou com o contexto da pandemia, como se intensificou no período, assim como agora nesse momento pós-pandêmico. Enquanto isso, no outro extremo da humanidade, vemos os reflexos em mais de 90 % da população”, explicou Jefferson Nascimento à Fórum à época do lançamento do relatório.

Jefferson Nascimento, coordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil

“Quando vemos esse cenário, ele em parte explica o crescimento de candidaturas e de políticos de extrema direita em todo o mundo, embalados por questionamentos da própria estrutura e ordem democrática em diversos países. Temos parcelas grandes da população que são afetadas pelas desigualdades, pela concentração de renda, e enxergam como única alternativa ir no sentido de discursos radicais à extrema direita. Nesse sentido, há riscos mais diretos à democracia”, completou.

Lucros das empresas crescem enquanto salários diminuem

O lucro empresarial de diretores e acionistas cresceu 14 vezes mais do que os salários dos trabalhadores entre 2020 e 2023, segundo a Oxfam. Em relatório divulgado em primeiro de maio passado, foram analisados 31 países, que, juntos, representam 81% do PIB global. De acordo com o estudo, enquanto os pagamentos totais de dividendos aumentaram 45%, o salário dos trabalhadores aumentou apenas 3%. 

A Oxfam também calculou, com base nos dados do Wealth-X, que o 1% mais rico, que atualmente detém 43% de todos os ativos financeiros globais, recebeu em média US$ 9.000 em dividendos em 2023. Isso corresponde a oito meses de trabalho e salário para um trabalhador comum.

“Milhões de pessoas têm empregos que as mantêm em um ritmo de trabalho intenso, mas que não garantem recursos suficientes para alimentação, remédios e outros itens básicos. Os super-ricos não ganham suas mega-fortunas ‘trabalhando’ – eles tiram esse dinheiro das pessoas que trabalham", afirmou o diretor executivo interino da Oxfam International, Amitabh Behar.

O relatório ainda ressalta que, apesar do cenário já ser preocupante, ele tende a piorar, pois a tendência é que o lucro empresarial continue crescendo e gerando efeitos sobre a desigualdade social. De acordo com o Janus Henderson Global Dividend Index, índice que analisa as 1.200 maiores empresas do mundo, os lucros totais das empresas estão à beira de ultrapassar o recorde histórico de US$ 1,66 trilhão do ano passado.

Outros dados destacados pelo relatório com base em informações divulgadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que aproximadamente 1 em cada 5 trabalhadores no mundo ganha um salário abaixo da linha de pobreza e que 66% dos trabalhadores em países de baixa renda recebem salários de miséria.

“Nenhuma empresa deveria estar pagando aos acionistas ricos a menos que esteja remunerando todos os seus trabalhadores com um salário digno. Os governos devem limitar os pagamentos aos acionistas, apoiar os sindicatos e estabelecer leis que garantam salários dignos. Deveríamos estar recompensando o trabalho, não a riqueza”, acrescentou Behar.

Sobre o Brasil, o coordenador de Justiça Rural de Desenvolvimento da Oxfam Brasil, Gustavo Ferroni, ressaltou que, apesar da grande maioria da população trabalhar, não é possível garantir uma vida digna com a renda do trabalho.

"Cerca de 60% da população ganha até um salário-mínimo. Apenas 30% dos trabalhadores de carteira assinada ganham mais que dois salários-mínimos. Não é possível diminuir de maneira significativa a desigualdade sem que a renda do trabalho melhore”, disse.

Prêmio Nobel de Economia, defende reforma tributária com taxação de grandes fortunas no Brasil

Joseph Stiglitz, economista, professor da Columbia University nos EUA e Prêmio Nobel de Economia, defendeu em 12 de setembro de 2023 que o Brasil faça logo a Reforma Tributária a fim de corrigir injustiças históricas que penalizam os mais pobres e facilitam demasiadamente a vida dos super-ricos no país. O apelo por um sistema tributário mais justo e eficiente veio após sua fala no seminário Tributação e desigualdades no Sul Global: Diálogos sobre Justiça Fiscal, organizado pela Oxfam Brasil e pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

Joseph Stiglitz, professor da Columbia University (EUA) e Prêmio Nobel de Economia.Créditos: World Economic Forum/Wikimedia Commons

Ele aponta que será necessária a receita proveniente dos ricaços, sobretudo tendo em vista o incerto cenário internacional e a urgência para uma transição energética e ecológica que só poderá ser feita com recursos geridos pelos estados e pelas sociedades.

“Acho que é muito importante que a Reforma Tributária seja feita rapidamente, com urgência. A economia global não apresentará um contexto favorável. As coisas estão mais lentas na China, na Europa… Você precisa de receitas agora por conta da transição verde e do clima. Há uma urgência para que se tenha essa receita. Se não se fizer essa reforma, a pressão para ter política macroeconômicas retraídas será muito forte e vocês serão prejudicados duplamente pelo crescimento lento e pela falta de políticas públicas”, explicou.

Após alertar sobre a possibilidade do retorno das políticas de austeridades que marcaram, sobretudo, os governos Temer e Bolsonaro, Stiglitz elogia, nesse sentido, a reforma tributária proposta pelo Governo Lula e aponta que é a única forma para evitar essas questões econômicas adversas que estão vindo de fora.

“O Brasil é um pouco diferente dos mercados emergentes porque a receita é próxima da média da OCDE, até um pouco mais. Mas os super-ricos não estão pagando a parte justa da tributação. E se foram taxados, vai acabar com um sistema de tributação que coleta pouco. Em todo caso, o fracasso brasileiro não está na arrecadação mas na forma como é feita. Há provisões para os super-ricos que os permite guardar dinheiro sem pagar tributos. O efeito de tudo isso é que os super-ricos não estão pagando de forma justa. O sistema é regressivo, não é igualitário e vocês estão pagando mais do que deveriam”, explica.

Confira a lista convidados confirmados ao debate na Câmara

  • Viviana Santiago, Diretora Executiva da OXFAM Brasil;
  • Tathiane Piscitelli, Doutora em Direito pela USP e Coordenadora do Grupo de Pesquisa de Tributação e Gênero da Fundação Getúlio Vargas;
  • Jacqueline Mayer, Doutora e Mestra na área de concentração Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP;
  • Eliane Barbosa, Doutora em Administração pela FGV-EAESP e Coordenadora do Grupo de Trabalho Tributação Justa, Reparação Histórica;
  • Isabelle Resende, Mestra em Direito Tributário e Professora da Pós-Graduação Lato Senso do IEC PUC Minas;
  • Karoline Marinho, Doutora em Direito Tributário pela UFPE e Coordenadora da Pós-Graduação em Direito Tributário da UFRN;
  • Vanessa Canado, Advogada e Coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper;
  • Kassia Reis, Diretora Jurídica América Latina da Natura;
  • Fernanda Pacobahyba, Presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE;
  • Melissa Guimarães Castello, Presidente da Fundação Escola Superior de Direito Tributário - FESDT;
  • Zeina Latif, Mestra e Doutora em Economia pela USP;
  • Talita Pimenta Félix, Mestra e Doutora em Direito Tributário pela PUC-SP e Coordenadora Executiva do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas;
  • Gabriela Conca, Advogada e Mestra em Direito pela Harvard Law School;
  • Ana Carolina Carpinetti, Advogada e Mestra em Direito Tributário pela PUC-SP;
  • Susy Gomes Hoffmann, Doutora e Mestra em Direito Tributário pela PUC-SP;
  • Lise Tupiassu, Doutora em Direito pela Université Toulouse 1 Capitole e Mestra em Direito Tributário pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne;
  • Carolina Lima Gonçalves, Doutoranda em Ciência Política pelo IPOL-UnB e em Direitos Humanos pela UFG e Coordenadora de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil;
  • Débora Freire Cardoso, Doutora em Economia, Pesquisadora do CEDEPLAR/UFMG e Subsecretária de Política Fiscal da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda;
  • Larissa Longo, Advogada e Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper.