OFENSIVA

Campos Neto é detonado após entrevista avassaladora de Lula e deve ser convocado na Câmara

Presidente do Banco Central é acusado de atuação política por manter taxa de juros elevada; TCU pode investigar suposto conluio da instituição com bancos e operadoras do mercado financeiro

Roberto Campos Neto na Câmara dos Deputados.Créditos: Lula Marques/Agência Brasil
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Após a ofensiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que em entrevista à CBN, emissora de rádio do grupo Globo, subiu o tom contra Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central se tornou foco de críticas na Câmara dos Deputados e foi detonado por parlamentares petistas nesta terça-feira (18). 

Em resposta à ação orquestrada da mídia hereditária contra a política econômica de seu governo, Lula cobrou postura crítica deste setor da imprensa a Campos Neto, que segundo o mandatário "trabalha muito mais para prejudicar o país que para ajudar", fazendo referência à astronômica taxa de juros (Selic) de 10,5% e que será redefinida ou mantida nesta quarta-feira (19) após reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. 

"Nós só temos uma coisa desajustada nesse momento: é o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. O presidente do Banco Central que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar o país do que para ajudar o país, porque não tem explicação a taxa de juros do jeito que está", disparou Lula. 

A ofensiva do chefe do Executivo contra Campos Neto teve repercussão imediata e, ao longo do dia, parlamentares do PT se revezaram no plenário da Câmara para endossar as críticas ao presidente do Banco Central, que já figura como potencial candidato à presidência da República em 2026. 

"Ele [Campos Neto] segue mantendo as mesmas ideias de favorecer o mercado financeiro, prejudicando o governo Lula e a economia brasileira (...) O presidente do BC, com autonomia, deveria se comportar, mas ele segue fazendo com que a economia não possa ter condições de crescer pelas condições de juros. Ele tem como ouvido principal o famoso Boletim Focus, que é um boletim onde se escuta o mercado financeiro, os agentes do mercado financeiro. E, mais grave, esse boletim erra constantemente, sempre para o lado errado”, disse o deputado Carlos Zarattini (PT-SP). 

Já  deputada Ana Paula Lima (PT-SC) e o deputado Helder Salomão (PT-ES) destacaram que os rentistas e especuladores do mercado financeiro no Brasil apostam que, na reunião do Copom desta quarta-feira, não haverá anúncio de redução da taxa de juros.

“Eu espero que não se confirme essa aposta, porque nós ainda estamos com uma taxa de juros altíssima de 10,5%, a segunda taxa mais alta do planeta. O Banco Central, infelizmente, foi capturado por interesses privados”, lamentou Helder Salomão.

"E por que eles [Banco Central] fazem isso? Para proteger uns poucos, deixando o povo sofrendo com o desemprego e os salários baixos. Isso é inaceitável. O Banco Central deveria estar trabalhando para o bem de todos, não somente para os especuladores e para os rentistas no nosso país”, disse, por sua vez, Ana Paulo. 

Convocação na Câmara 

Aproveitando a ofensiva de Lula contra Campos Neto e em meio às críticas, o deputado Merlong Solano (PT-PI) apresentou requerimento de convocação do presidente do Banco Central para prestar esclarecimentos à Comissão de Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) do Congresso Nacional.

O parlamentar quer que Campos Neto faça uma "avaliação do cumprimento dos objetivos e metas das políticas monetárias, creditícia e cambial, e seus impactos na economia, bem como ofereça explicações sobre sua atuação política e possíveis conflitos de interesse". 

“Sua relação próxima com o setor financeiro e suas aspirações políticas podem levantar preocupações sobre conflitos de interesse, especialmente dada sua visão de Estado mínimo que favoreça a iniciativa privada, conforme expresso em uma homenagem recebida na Assembleia Legislativa de São Paulo”, destacou Solano. 

“Roberto Campos Neto expressou interesse em se envolver futuramente na política, indicando que aceitaria ser ministro da Fazenda se o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas decidisse concorrer à presidência", diz trecho do requerimento de convocação, que será submetido à votação da CMO. 

Campos Neto na mira do TCU 

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) entrou com uma representação na última sexta-feira (14) para apurar possível conluio entre o Banco Central e seu presidente Roberto Campos Neto com bancos e operadoras do mercado financeiro. O objetivo seria manipular a taxa básica de juros (Selic) definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom).

A representação é assinada pelo subprocurador geral Lucas Furtado e foca no Boletim Focus, uma publicação do Banco Central que reúne expectativas periódicas do mercado, geralmente coletadas até a sexta-feira anterior à sua divulgação.

Furtado aponta que a definição da Selic leva em consideração essas publicações que, por sua vez, seriam influenciadas pelos interesses de instituições privadas (leia-se: lucros). Para o subprocurador a prática pode abrir um precedente para a manipulação dos índices econômicos do país, como a Selic, em detrimento do interesse público.

“Ora, se a taxa básica que conduzirá relações financeiras no país é definida levando em consideração previsões dos próprios agentes que irão reger tais relações, vejo que se pode estar diante de uma gama de possibilidades de manipulação de índices por essas instituições”, diz Furtado na representação.

O documento aponta para os sucessivos aumentos na Selic ao longo do mandato de Campos Neto, entre 2018 e 2023. A partir de agosto de 2023, já com Lula no poder, a taxa básica de juros começou a cair.

“Vejo que se pode estar diante de fatos que podem comprovar que a definição da taxa básica de juros do país em níveis estratosféricos não possui efeito de controlar a inflação, conforme alega o BC, mas sim o de quebrar o país, enriquecendo alguns aplicadores do mercado”, disse o subprocurador.

Lula compara Campos Neto a Sergio Moro

Na entrevista em que revelou o conluio entre setores da mídia, capitaneados pela Globo, e os representantes do neoliberalismo que aderiram ao fascismo bolsonarista, Lula elevou o tom contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, comparando o papel dele com o de Sergio Moro como "paladino da justiça", que tem o "rabo preso" e trabalha para prejudicar o país.

Após dizer, logo no início da entrevista à CBN, que o presidente do BC "tem lado", Lula citou a festa realizada pelo governador de São Paulo Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) para homenagear Campos Neto e fez a comparação com o ex-juiz da Lava Jato, que hoje perambula pelas margens do Senado Federal.

Indagado por Milton Jung se acredita que Tarcísio tem mais influência nas decisões de Campos Neto no Banco Central do que ele, o presidente foi direto ao ponto.

"Sinceramente, tem mais do que eu", disse Lula. "Porque não é que ele encontrou o Tarcísio em uma festa. A festa foi do Tarcísio para ele, uma homenagem que o governo de São Paulo fez para ele. Certamente porque o governador de São Paulo está achando maravilhosa uma taxa de juros de 10,5%".

Em seguida, Lula falou sobre o convite que Tarcísio teria feito a Campos Neto para ser seu ministro da Fazenda, caso seja eleito presidente em 2016 pela chamada "terceira via", apoiado pela Globo. E a resposta positiva do presidente do BC.

"Quando ele se autolança a um cargo, eu fico imaginando: nós vamos repetir o Moro? O presidente do Banco Central está disposto a fazer o mesmo papel que o Moro fez? O paladino da Justiça com rabo preso a compromissos políticos?", indagou Lula, fazendo a comparação com o ex-juiz, que foi cultuado pela mídia durante o lawfare da Lava Jato.

Lula explicou então qual o perfil que buscará para substituir Campos Neto no Banco Central.

"O presidente do BC tem que ser uma figura séria, responsável e imune aos nervosismos momentâneos do 'mercado'. Ele tem que dirigir a política monetária desse país levando em conta que a gente precisa controlar a inflação e crescer".