SÃO PAULO

Câmeras na PM: Tarcísio afronta governo Lula e é intimado a prestar esclarecimentos ao STF

Luís Roberto Barroso determinou que governador se manifeste em até 72h sobre controle de câmeras corporais por PMs

Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo.Créditos: Marcelo S. Camargo/Governo do Estado de SP
Escrito en POLÍTICA el

O governo de São Paulo tem um prazo de 72 horas para se manifestar sobre uma ação que questiona o novo edital para a contratação de 12 mil câmeras corporais para a Polícia Militar (PM) do estado. O edital foi lançado na semana passada pela gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e tem várias controvérsias. A determinação foi dada nesta quarta-feira (29) pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso.

"Intimem-se, pelo meio mais expedito à disposição do juízo, o Estado de São Paulo, a Procuradoria-Geral da República e o Ministério Público do Estado de São Paulo, a fim de que se manifestem sobre o pedido de 72h”, declarou o presidente do STF. A informação é da GloboNews. 

Na segunda-feira (27), a Corte foi acionada com um apelo da Defensoria Pública de São Paulo (DPESP) para reavaliar o edital de licitação de câmeras. O pedido foi apresentado pelos defensores públicos do núcleo especializado em cidadania e direitos humanos. No documento, eles expressaram suas preocupações sobre as alterações propostas e alertaram sobre a possível degradação do programa.

De acordo com a DPESP, o documento de compra é um "retrocesso na política que, ao invés de gravar de forma automática e ininterrupta, passa a depender de acionamento humano e arbitrário por parte do agente policial, o que faz com que, na prática, o programa tal qual concebido deixe de existir".

Divulgada nesta terça-feira (28), a portaria do Ministério da Justiça também estabeleceu as diretrizes para o uso dos equipamentos pelas forças de segurança do país. Segundo a determinação de Barroso, as informações fornecidas devem cobrir os seguintes aspectos:

  • A adequação do modelo de contratação proposto às diretrizes estabelecidas pela Portaria nº 648/2024 do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública;
  • Redução dos prazos de armazenamento das imagens em relação aos anteriormente praticados;
  • Necessidade de que as gravações sejam feitas de forma ininterrupta, com a guarda das imagens de maneira íntegra, independentemente de acionamento pelo policial ou pelo gestor;
  • A existência de política pública que priorize a alocação das câmaras corporais para as unidades da Polícia Militar que realizam operações.

Tarcísio dá controle das câmeras aos PMs

O governo Tarcísio lançou um novo edital para a aquisição de 12 mil câmeras para a Polícia Militar no último dia 23 de maio. No entanto, o documento sofreu grandes alterações quanto ao sistema atualmente em vigor e na forma como a gravação é realizada por PMs. 

Câmera corporal em farda de policial militar de São Paulo. Crédito: Divulgação

Uma reportagem da Fórum ainda mostrou que a compra de novas câmeras pelo governo de São Paulo não garantiria aos equipamentos a mesma autonomia que as câmeras corporais atuais. A gravação contínua e automática, sem margem de escolha para o policial, é defendida por especialistas em segurança pública como medida crucial para garantir a transparência e a responsabilidade na abordagem policial. 

O que dizem os especialistas

A Fórum entrevistou Aline Passos, advogada e doutora em sociologia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), e Acácio Augusto, cientista político e coordenador do Lasintec (Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento) da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp).

Ambos os pesquisadores apontam que mais do que a própria câmera ou qualquer outra tecnologia que venha a regular a atividade policial, a raiz da violência da corporação é política e está apegada às próprias estruturas das polícias. 

“Pelo que vi, os policiais agora controlam essas imagens, como era de se esperar, podendo fazer com que muitas sequer cheguem a ser produzidas. Acho de uma inocência quase estúpida achar que câmera em fardamento muda como o Ministério Público e o Judiciário funcionam em casos de violência policial. Há séculos, policiais são absolvidos por legítima defesa, mesmo com provas irrefutáveis, como tiros na nuca e outras evidências. Não é a tecnologia em jogo que determina o discurso. Não é a tecnologia em jogo que muda o fato de que o poder de decisão sobre esses casos está nas mãos de pessoas que, no fundo (ou no raso), acreditam que bandido bom é bandido morto, mesmo que não pronunciem isso de forma sensacionalista”, destacou ela.

Acácio Augusto diz que esse tipo de introdução de tecnologia de monitoramento, na verdade, é uma tendência geral para todos os lados, inclusive para a polícia. Seguramente, de alguma forma, em algum momento, haverá esse tipo de controle, seja com imagem, seja com georreferenciamento. Sobre a possibilidade de diminuir a letalidade policial, ele vai numa linha parecida à de Aline Passos e sugere que nossas políticas de segurança pública são tão desastrosas e violentas que, se analisadas sob os mesmos critérios de outras áreas como saúde e educação, naturalmente haveria um desfinanciamento por parte do Estado.

“Se fossem aplicados na segurança os critérios de avaliação de política pública que são aplicados para saúde e educação, nós teríamos cortes gigantescos. Além disso, para fazer uma metáfora futebolística, ela é igual o VAR, e só vai introduzir uma camada a mais de disputa e um elemento a mais de disputa sobre a constituição da verdade em torno de um fato criminal. E a gente sabe que a última palavra em torno de um fato criminal acaba sendo a polícia, que é quem faz a detenção no início e que mais tarde dará o depoimento que mais conta no tribunal”, afirma o pesquisador.

Segundo Augusto, o maior problema está na organização da polícia paulista.

“A grande questão aí não é se tem câmera ou não tem, quem que vai ter domínio sobre as câmeras e qual vai ser o efeito ou não dessas bodycams imediatamente em relação à violência policial. A grande questão é a própria estrutura da polícia, a organização, a forma militar como ela está organizada e com o agravante dessa tentativa de manter o controle das câmeras na mão dos comandos da PM, que é isso que o Derrite e o Tarcísio estão fazendo agora, só reforça que o grande problema é como a polícia está organizada, não só na sua forma militar, mas, sobretudo, nesse momento, comandada por um ex-capitão da PM, que foi integrante do 14º Batalhão de Osasco, que é, sabidamente, o batalhão mais matador de São Paulo.".

Leia a entrevista completa.