TRAGÉDIA NO SUL

EXCLUSIVO: Por 7 anos prefeitos de Porto Alegre ignoraram pedido de vereadora que evitaria tragédia

Hoje deputada estadual, Sofia Cavedon (PT) insistiu para que exercícios com Sistema de Proteção Contra Cheias fossem realizados, visando impedir catástrofe. Ninguém deu ouvidos

Créditos: Gilvan Rocha/Agência Brasil
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Uma indicação apresentada por uma vereadora da Câmara Municipal de Porto Alegre em 2017, com a aprovação da comissão responsável pelos assuntos relacionados às águas e mecanismos de contenção de cheias na capital gaúcha, e levada ao então prefeito daquele período, foi ignorada por todos esses anos e poderia ter evitado a tragédia das enchentes ocorrida este mês na maior cidade do estado mais meridional do Brasil.

A Fórum teve acesso ao documento de autoria da então vereadora Sofia Cavedon (PT), hoje deputada estadual na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em que a parlamentar orientava o então prefeito, Nelson Marchezan Júnior (PSDB), a realizar exercícios periódicos de fechamento e abertura das comportas que formam o Sistema de Proteção Contra Cheias de Porto Alegre. No entanto, o chefe do Executivo municipal apenas deu de ombros e nunca colocou em prática tal medida preventiva. O mesmo foi feito por seu substituto, o atual prefeito Sebastião Melo (MDB).

Indicação aprovada na Câmara de Porto Alegre para realização de exercícios no Sistema de Proteção Contra Cheias, que foi ignorada por sete anos pela Prefeitura.

“Especificamente em 2017, como vereadora, fiz uma indicação com base no Regimento da Câmara Municipal, que foi apreciada na comissão e aprovada, para que o governo municipal fizesse exercícios anuais no manejo das comportas do Muro da Mauá. Estamos falando de 14 comportas pesadíssimas. E a justificativa era óbvia: era necessário, no mínimo, o domínio dessa técnica, né? De fechamento e abertura, além da averiguação das condições do sistema... Àquela altura, nós considerávamos as cheias de dois anos antes, de 2015... Aliás, como nas cheias de 2015 apareceu um vazamento, foi necessária a colocação de sacos de areia para que a água não entrasse em Porto Alegre”, começou relembrando a agora deputada estadual Sofia Cavedon à reportagem da Fórum.

Ela seguiu explicando que a indicação chegou às mãos da autoridade máxima do município e que isso foi levado inclusive pelo vereador que presidia a Câmara à época, Cassio Trogildo (PTB), que hoje é secretário municipal de Governança e Coordenação Política de Sebastião Melo, que àquela altura era vice-prefeito da capital gaúcha.

“Essa indicação foi aprovada na comissão e foi então formalizada junto ao prefeito da época, Marchezan Júnior, pela Câmara Municipal, inclusive na pessoa do presidente da Câmara Municipal, que coincidentemente hoje é um dos secretários mais estratégicos do atual prefeito, Sebastião Melo. Este cuidado, mesmo levado pela Câmara, não foi um cuidado observado. Não foi uma prática incorporada pelo governo municipal de Marchezan, e nem depois no de Sebastião Melo, que inclusive tirou ainda mais autonomia dos órgãos desse setor. Marchezan tirou a autonomia do DMAE [Departamento Municipal de Água e Esgotos] para fazer contratos de compras simples. Nós advertimos que havia risco inclusive de contaminação da área, iminência de faltar água em vários bairros onde antes faltava, risco de possível contaminação da água se continuasse com tão poucos funcionários”, prosseguiu a ex-vereadora e atualmente deputada estadual.

Para Sofia, o problema registrado este mês em todo o estado do Rio Grande do Sul, com especial dramaticidade para a capital, é fruto de um processo de abandono sistemático de políticas voltadas a proteger Porto Alegre, deixadas de lado para dar lugar a um grande projeto de privatização justamente nessas áreas mais sensíveis no que tange o problema das recorrentes enchentes na cidade.

“Essa crise climática que estamos vivendo, e a quebra da proteção de Porto Alegre é a evidência da falha na proteção da cidade, mostrou o que vínhamos apontando há muito tempo: que o governo, aliás, os governos municipais dos últimos 8 anos, em especial, dedicaram-se a privatizar tudo, e há estudos de privatização do órgão responsável pelo saneamento, coleta, tratamento, distribuição de águas, e canalização e retirada de dentro da cidade das águas da chuva. Portanto, do antigo órgão responsável por isso, que também foi absorvido pelo atual Departamento Municipal de Água e Esgotos, conhecido como DMAE, os últimos dois governos, de Marchezan e Melo, se dedicaram a esses estudos. Eles pagaram consultoria ao BNDES. E foram valores significativos para fazer projetos de desmobilização e de privatização. Enquanto isso, ao mesmo tempo, o movimento dos municipários e municipárias do DMAE, e também nós, na Câmara Municipal de Porto Alegre, no período em que fui vereadora e atuei na frente parlamentar em defesa do DMAE público, fazíamos muitos relatórios, muitas reuniões com o Ministério Público e o Tribunal de Contas para denunciar esse desmonte, essa displicência, a falta de cuidado e a interferência na autonomia do órgão responsável pelas águas e pelo esgoto em Porto Alegre”, acrescentou ainda Sofia.

A Fórum entrou em contato com a assessoria de imprensa do gabinete do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, questionando por qual razão seu governo não realizou os exercícios periódicos de abertura e fechamento das comportas do Sistema de Proteção Contra Cheias da capital, uma vez que tal medida foi aprovada e encaminhada à prefeitura há sete anos. Até a publicação desta matéria, o órgão sequer respondeu ao nosso contato.

Quem também foi procurado pela reportagem da Fórum para se pronunciar sobre a acusação de ignorar a solicitação emitida pela Câmara Municipal à Prefeitura de Porto Alegre foi o ex-prefeito Nelson Marchezan Júnior, que igualmente não retornou com qualquer mensagem.