O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reunirá no Palácio do Planalto, a partir das 15h desta quarta-feira (22), com o presidente-executivo (CEO) da Uber no mundo, o empresário iraniano-americano Dara Khosrowshahi. Participará do encontro, ainda, o ministro do Trabalho e Emprego Luiz Marinho.
O Planalto não forneceu detalhes sobre qual será o conteúdo da reunião, que consta na agenda oficial de Lula. A conversa, entretanto, ocorre em meio às discussões sobre o Projeto de Lei (PL) de Regulamentação do Trabalho por Aplicativos de Transporte de Pessoas, elaborado pelo governo e enviado para apreciação do Congresso Nacional em março.
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A princípio, o PL seria apreciado em regime de urgência, isto é, em até 45 dias após a apresentação. A proposta, entretanto, vem dividindo opiniões e, diante de críticas feitas por trabalhadores que atuam para empresas de aplicativos de transporte como motoristas, o governo recuou e o texto passará, ainda, por comissões antes de ser analisado em plenário. A previsão é que a matéria seja votada na segunda quinzena de junho.
Na última semana, o ministro Luiz Marinho se reuniu com parlamentares para discutir o projeto e admitiu que o texto elaborado pelo governo possa sofrer mudanças na Câmara. Segundo o titular da pasta do Trabalho e Emprego, o único ponto que não pode ser alterado é o que determina carga horária máxima de 12 horas para os motoristas de aplicativos.
"O MTE praticamente não tem restrições para mudanças no Projeto em relação ao documento que foi apresentado no começo de fevereiro. A manutenção da carga horária máxima de 12 horas é o único ponto não negociável, por envolver a saúde dos motoristas e a segurança deles e dos usuários do serviço", declarou.
"O Congresso tem a tarefa de aperfeiçoar o texto, se acha que for necessário. O governo nunca teve a pretensão de que o projeto tem que sair do mesmo jeito que entrou", prosseguiu o ministro.
Entenda o projeto
O PL dos Aplicativos, enviado pelo governo Lula ao Congresso Nacional em março, é uma iniciativa que busca regulamentar e, assim, garantir direitos, proteção e dignidade aos trabalhadores e trabalhadoras que atuam com transporte de passageiros em plataformas digitais, como Uber e 99. O projeto foi elaborado após dez meses de discussões de um grupo de trabalho tripartite coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), liderado pelo ministro Luiz Marinho, com representantes dos trabalhadores, empresas e governo federal – tudo acompanhado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Ministério Público do Trabalho (MPT).
Atualmente, há no Brasil cerca de 1,5 milhão de motoristas prestando serviços para as plataformas digitais e aplicativos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entre os principais pontos do projeto apresentado pelo governo Lula estão a criação de uma remuneração mínima por hora trabalhada aos motoristas e a fixação de uma jornada máxima de 12 horas diárias numa mesma plataforma.
Além disso, a proposta prevê que os trabalhadores e trabalhadoras terão direitos previdenciários, possibilitando assim a aposentadoria. Esses profissionais passarão a ser enquadrados como contribuintes individuais para fins previdenciários, sendo que a contribuição dos motoristas será de 7,5% do salário e a das empresas, de 20%. O recolhimento da contribuição será responsabilidade das plataformas.
Apesar da instituição de direitos trabalhistas aos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o projeto prevê que os motoristas continuarão como autônomos – isto é, seguirão podendo escolher seus horários de trabalho, com flexibilidade, bem como para quais plataformas desejam trabalhar, sem limite de empresas.
Veja abaixo os pontos de destaque do projeto:
- Reconhecimento dos motoristas de aplicativo como trabalhadores autônomos;
- Contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) de 7,5% sobre o salário recebido;
- Pagamento de hora de trabalho no valor mínimo de R$ 32,09;
- Remuneração mensal de pelo menos o salário mínimo (R$ 1.412);
- Criação de uma nova categoria profissional: trabalhador autônomo por plataforma;
- Limite de horas de trabalho, de até 12 horas por dia, visando à segurança e saúde dos trabalhadores e usuários;
- Responsabilidade das empresas de aplicativos de recolher 20% sobre a remuneração mínima do profissional (correspondendo a 25% da renda bruta) como contribuição à Previdência Social;
- Inscrição dos dados do profissional em sistema próprio da Receita Federal;
- Possibilidade de fiscalização das plataformas por auditores do trabalho;
- Multa para empresas que descumprirem a lei, no valor de cem salários mínimos (atualmente R$ 141,2 mil);
- Reajuste anual da remuneração do trabalhador de acordo com o aumento do salário mínimo.
Para Maurício Corrêa da Veiga, advogado trabalhista ouvido pela Fórum, o projeto apresentado pelo governo Lula para regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativo é uma iniciativa "significativa".
"O projeto de lei proposto pelo governo Lula para regulamentar os motoristas de aplicativo é uma iniciativa significativa que visa garantir direitos e proteções para uma categoria profissional em ascensão (...). É uma tentativa positiva de equilibrar os interesses dos motoristas de aplicativo e das empresas, promovendo condições de trabalho mais justas e seguras", avalia o advogado.
"No entanto, é crucial que haja um debate amplo e aberto durante o processo legislativo para garantir que as necessidades de todas as partes interessadas sejam consideradas e que o resultado final promova verdadeiramente o bem-estar dos envolvidos", prossegue o especialista.
Motoristas podem ganhar mais que o dobro da remuneração atual
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) considera que a principal conquista do projeto de lei apresentado pelo governo Lula é a garantia de um piso de remuneração para uma jornada de trabalho de oito horas por dia e um valor mínimo para os custos efetivos do trabalhador, como manutenção do veículo, impostos, combustível, internet utilizada no celular, alimentação, entre outros.
Com o novo valor definido pelo projeto, que é de R$ 32,09 por hora trabalhada – sendo R$ 8,02 referentes ao trabalho em si e R$ 24,07 referentes aos custos –, a remuneração mínima de um motorista que trabalhar 8 horas por dia, durante 22 dias no mês, será de R$ 5.649,60 – e ainda será possível estender a jornada para 12 horas diárias.
Dessa maneira, os ganhos mensais dos trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos de transporte devem mais que dobrar, já que atualmente, de acordo com o IBGE, essa renda mensal é, em média, de R$ 2.454,00.
“O Brasil tornou-se um exemplo para o mundo. Esse é o primeiro caso que conheço de um país que regulamenta, por meio de lei, a proteção aos trabalhadores", afirmou o presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre.
O que dizem os representantes da categoria
Na cerimônia de apresentação do projeto de lei, o motorista Rogerio Isaías, de 49 anos, que atua para a Uber desde 2017, avaliou que a iniciativa do governo é "um marco em termos de segurança e garantias".
“Acho que o mais importante é o reconhecimento da classe. A união e a representação sindical são cruciais para garantir segurança aos trabalhadores. Perdas de motoristas de aplicativo impactam não apenas suas famílias e esposas, mas seus filhos. A regulamentação promete trazer mudanças significativas”, considerou.
Fábio Martins, de 44 anos, que atua como motorista de aplicativo há cinco meses, por sua vez, disse que a lei será essencial para garantir proteção em situações inesperadas, como acidentes, citando um acidente recente envolvendo um amigo da categoria.
“Esse incidente ilustra claramente a necessidade de apoio financeiro em situações difíceis. Nosso colega não tem segurança alguma. Tem que trabalhar para ganhar”, declarou.
Leandro Medeiros, presidente do Sindicato de Motoristas em Aplicativo do Estado de São Paulo, também celebrou o projeto de lei para regulamentar o trabalho da categoria.
“Daremos um novo passo de regulamentação e respeito por essa classe que foi tão importante na covid-19. Levou várias categorias a trabalhar, não se cansou, assumiu um risco, alguns perderam suas vidas, mas hoje estão sendo reconhecidos pelo presidente Lula", disse.