A primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira (21) por unanimidade aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) e tornar réus a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e Walter Delgatti Neto, o “Hacker de Araraquara”, pela invasão dos sistemas digitais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A dupla vai responder pelos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica.
A PGR já tinha oferecido a denúncia no último dia 23 de abril, apoiada pela investigação da Polícia Federal. Na denúncia, Delgatti é apontado como o executor das invasões de sistemas digitais e inserções de documentos falsos. Ele afirmou em depoimento ter sido contratado por Zambelli, que é tratada como a mentora e mandante do delito.
Te podría interesar
Em 4 de janeiro de 2023, Delgatti teria entrado no sistema do CNJ a mando de Zambelli para inserir documentos e informações falsas. Entre as últimas revelações do episódio, foi inserido um alvará de soltura falsificado de Sandro Louco, líder do Comando Vermelho condenado a 200 anos de prisão pelos crimes de falsificação, roubo, homicídio, latrocínio, sequestro e cárcere privado e porte de arma de fogo.
A ideia seria colocar a soltura do criminoso na conta do ministro Alexandre de Moraes, principal alvo dos bolsonaristas e deus planos golpistas no Judiciário. Além disso, Zambelli tinha a intenção de adicionar ao sistema um mandado de prisão falso contra Moraes, com uma assinatura falsificada no nome do magistrado.
Te podría interesar
O mandado de prisão foi enviado do computador de Delgatti para Zambelli, que abriu o documento. Ambos também trocaram outro arquivo, que teria uma outra falsa ordem de quebra sigilo bancário contra Moraes, segundo a PGR. Eles agora respondem pelos crimes.
De algoz da Lava Jato aos braços de Zambelli
Walter Delgatti Neto tem uma trajetória marcante no cenário político brasileiro. Em um primeiro momento, ainda antes de ter sua identidade revelada, mostrou ao Brasil as relações completamente irregulares entre o então juiz Sergio Moro, o então procurador – hoje ex-deputado cassado – Deltan Dallagnol, e outros membros da operação Lava Jato. As revelações primeiro tiveram o The Intercept na dianteira e, em seguida, incluíram um conjunto de meios de comunicação numa força-tarefa para analisar e publicar os conteúdos em série jornalística que ficou conhecida como "Vaza Jato".
O resultado disso, ao longo do tempo, foi o fato de Moro ter sido declarado suspeito e seus processos da Lava Jato anulados, o que permitiu ao presidente Lula (PT) concorrer nas últimas eleições. Até aí, Delgatti era uma figura querida, e quase que folclórica, para o campo democrático.
Mas foi justamente quando começava oficialmente a campanha eleitoral de 2022, mais precisamente em agosto daquele ano, que Delgatti se aproximou do campo bolsonarista. A campanha de Bolsonaro, guiada pelas paranoias conspiratórias do então presidente, procurou Delgatti para saber o que pensava sobre a segurança das urnas eletrônicas. Entre as pessoas com quem Delgatti esteve está Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL. Ele dizia que tinha condições de hackear o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.
Em 28 de julho de 2022, pouco antes de sua aproximação com Bolsonaro, Walter Delgatti deu uma entrevista ao Fórum Onze e Meia onde revelou que ao tomar conhecimento do teor das conversas e ilegalidades praticadas entre os procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro, se questionou: “e se eles continuarem?”
“Eu penso: até onde eles chegariam se continuassem? Sei lá, um na Presidência, outro na Procuradoria-Geral da República, o que eles mudariam no país com aquele pacote de 10 medidas [de combate a corrupção anunciado por Moro]?”, indagou na ocasião. Ele acreditava que seria muito difícil Bolsonaro perder as eleições.
Ao término da entrevista, um internauta perguntou a Walter Delgatti em quem ele iria votar para presidente na eleição daquele ano. “O Walter de hoje, sem dúvidas, vota no Lula, e não só voto, como peço que votem no Lula, faço campanha. Vou apertar 13”, revelou à época.
Menos de duas semanas depois, em 10 de agosto de 2022, é noticiado na Revista Fórum, em matéria de Ivan Longo, que Delgatti teria feito um acerto financeiro com a campanha de Bolsonaro. A notícia, à época, surpreendeu, dadas as declarações de dias antes à própria Fórum.
A matéria diz, apoiada em apuração do jornalista Luis Costa Pinto, que Zambelli e Bolsonaro queriam "colocar Delgatti na equipe paga pelo PL que faria apuração paralela dos votos, espelhando a apuração do TSE". O hacker, inclusive, teria agenda em Brasília com Bolsonaro naquela mesma data para fazer os acertos financeiros.
No mesmo dia, a deputada federal Carla Zambelli divulgou uma foto nas redes sociais ao lado de Delgatti. "28/07, Vilage Inn Ribeirão Preto & Convenções, com as malas na mão. O homem que hackeou 200 autoridades, entre ministros do Executivo e do Judiciário brasileiro. Muita gente deve realmente ficar de cabelo em pé (os que têm) depois desse encontro fortuito. Em breve, novidades", escreveu Zambelli ao postar a foto com Delgatti.
Mais cedo, a imprensa noticiou que a deputada estaria intermediando um encontro entre Delgatti e Bolsonaro para que o hacker trabalhasse na equipe de maketing da campanha do presidente à reeleição. No entanto, horas depois, questionada pela Fórum sobre o encontro, Zambelli enviou um áudio negando que o encontro dela com o ‘hacker de Araraquara’ tivesse relação com a campanha de Bolsonaro.
“Em nenhum momento tentei aproximar o Walter da campanha e eles não se encontraram", disse à Fórum.
Segundo a deputada, a foto seria de dia 27 de julho. "Não tem nada a ver com a campanha, nada a ver com o presidente", reforçou, sem esclarecer, contudo, o motivo pelo qual se encontrou com o responsável por divulgar as mensagens de procuradores da Lava Jato que deram origem à série jornalística Vaza Jato.
A aproximação revelou uma mudança de postura não só do hacker como também da deputada, já que em 2019, à época dos vazamentos das mensagens da Lava Jato, ela chegou a compará-lo a Adelio Bispo, o autor da facada em Bolsonaro durante ato de campanha em Juiz de Fora (MG), em 2018.