O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apresentou ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, um cronograma para a implementação de câmeras corporais por policiais militares até setembro deste ano. Este plano foi firmado no mês passado, quando o chefe do Executivo paulista se comprometeu com o Supremo a usar os aparelhos de monitoramento durante operações no estado.
No entanto, a Defensoria Pública de São Paulo e a ONG Conectas Direitos Humanos enviaram um ofício a Barroso expressando preocupação com o plano. A licitação para a compra de novas câmeras corporais, avaliada pelo estado de São Paulo, prevê uma redução no prazo obrigatório de armazenamento das imagens capturadas, de 60 para 30 dias para vídeos de rotina e de um ano para 120 dias para as gravações.
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“Corre-se o risco de termos mais da metade do turno policial sem nenhuma captação de imagem e som”, informa a nota em relação à compra de novas câmeras que não garantem aos equipamentos a mesma autonomia que as câmeras corporais atuais, que podem captar imagens por até 12 horas.
Isso garantiria transparência e proporcionaria maior proteção tanto para os agentes quanto para a população, uma vez que todo o turno policial é registrado. O plano de Tarcísio foi analisado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), cuja nota técnica serviu de base para a Defensoria e a Conectas.
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Eles apontam que a proposta de licitação para a compra poderia trazer uma série de mudanças sensíveis que representa um grande recuo.
"A Defensoria Pública, as vítimas e pessoas interessadas estão rotineiramente enfrentando dificuldades de acesso às evidências, sendo necessário que haja protocolo de acesso às imagens que respeite o que já foi decidido por esse Supremo Tribunal Federal no âmbito da ADPF 635 [a chamada ADPF das Favelas, que discutiu a letalidade policial no Rio de Janeiro]", destacam a Defensoria e a ONG Conectas ao STF.
A ineficiência do reconhecimento facial
O documento apresentado ao juiz ainda destaca o problema de usar tecnologias de reconhecimento facial nas câmeras corporais. “Não há evidências de sucesso anterior, seja no Brasil ou no exterior, na combinação do uso de câmeras corporais com essas tecnologias”, afirmam. “Os algoritmos de reconhecimento facial usados globalmente não são submetidos a testes públicos ou independentes para verificar sua precisão ou identificar possíveis vieses antes de sua implementação.”
Entretanto, a SSP insiste em dizer que medidas garantirão “mais eficiência à atividade policial, com grandes benefícios para a sociedade”. Os responsáveis pelo texto são as defensoras públicas Cecília Nascimento Ferreira, Fernanda Balera e Surrailly Fernandes Youssef, do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria, e pelos advogados Gabriel de Carvalho Sampaio, Marcos Roberto Fuchs, Mayara Moreira Justa e Carolina Toledo Diniz, da Conectas Direitos Humanos.
Paulistanos veem piora na segurança pública
Um estudo do Instituto Travessia divulgado nesta segunda (20) pelo O Globo também aponta que mais de 50% dos paulistanos acreditam que a segurança no Centro da cidade piorou nos últimos 60 dias. A pesquisa, realizada com foco nas eleições municipais de 2024, traça um panorama preocupante da região central, com apenas 10% dos entrevistados relatando “melhora”na sensação de segurança e 35% afirmando que a situação se manteve inalterada.
A pesquisa revela que 55% dos moradores da capital paulista acreditam que a segurança piorou nos últimos dois meses, contrariando os dados oficiais da Secretaria da Segurança Pública (SSP) que indicam queda de 6,7% nos roubos em 2023. Realizada nos dias 15 e 16 de maio com mil pessoas, a pesquisa do Instituto Travessia traça um panorama preocupante da região central de São Paulo, onde a sensação de insegurança se intensifica apesar da queda nos roubos.
Entre os residentes do Centro, a percepção de declínio na segurança é ainda mais expressiva, com 55% relatando uma piora desde março. Embora os dados da SSP apresentem queda nos roubos, os furtos aumentaram 6,53% em 2023, com a cidade registrando mais de 380 mil crimes dessa natureza no ano passado. A violência dos crimes, com destaque para a atuação das chamadas gangues "quebra-vidro", também contribui para a sensação de insegurança entre os paulistanos.
Aumento de vítimas negras e periféricas em 2023
O relatório “O Estado Dos Direitos Humanos no Mundo”, divulgado pela Anistia Internacional em abril, revela que a maioria das vítimas em operações e abordagens policiais pertence a comunidades negras e periféricas.
O texto ressaltou que as operações policiais fortemente armadas orientadas para a “guerra às drogas” nas favelas e bairros marginalizados resultaram, além do alto número de mortes, em outras violações dos direitos humanos, como invasões ilegais, destruição de propriedades, tortura, outros maus-tratos, restrições à liberdade de circulação, desaparecimentos forçados e suspensão de serviços essenciais, como escolas e centros de saúde.
A organização, em parceria com o Conselho Nacional de Direitos Humanos e outras entidades, documentou 11 casos de violações graves dos direitos humanos realizadas por agentes do Estado na Operação Escudo durante o governo Tarcísio, incluindo execuções extrajudiciais, entrada ilegal em residências e tortura.