Entre dez perfis de extrema direita mais engajados do país, oito pertencem a evangélicos. Os posts contêm, principalmente, discursos que exploram sentimentos negativos. São Paulo e Santa Catarina lideram como os dois principais centros dessas postagens.
O dado foi extraído de um estudo da Universidade Federal Fluminense (UFF) em conjunto com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e financiado pela Fundação Heinrich Böll, que analisou perfis e técnicas usadas por extremistas nas redes sociais, entre novembro do ano passado e janeiro de 2024. A pesquisa foi obtida pelo jornal Deutsche Welle.
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"No universo acompanhado pela pesquisa, os atores que se autodeclaram evangélicos são os que mais postam e os que têm maior alcance junto aos seguidores desse espectro político", afirma Christina Vital, professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFF e uma das coordenadoras da pesquisa.
De acordo com a análise, as publicações são curtas, com conteúdos que exploram sentimentos de ameaça, medo e desconfiança, e pela repetição de palavras negativas e críticas sem propostas construtivas. "Em muitos casos, as postagens apenas direcionam o leitor para links que induzem à leitura de outros materiais desse ecossistema", observa Christina.
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A pesquisa observou 191 perfis de extrema direita, divididos em quatro grupos: políticos, influenciadores, blogs ou sites e antidemocráticos. Do total, 14 eram mulheres, enquanto 111 eram homens. Já 66 se caracterizavam por coletivos, como sites de notícias ou comunidades com histórico de publicações de apoio à tentativa de golpe de 8 de janeiro ou ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), além de agendas associadas ao extremismo.
Entre os oito perfis com maior engajamento no campo evangélico, aparecem nomes como os de Nikolas Ferreira (PL-MG), Flávio Bolsonaro (PL-RJ), e Michelle Bolsonaro.
A rede social X (antigo Twitter), que recentemente virou alvo de investigação do Supremo Tribunal Federal (STF) após ataques do dono da plataforma, Elon Musk, ao ministro Alexandre de Moraes e à democracia brasileira, aparece como a mídia mais utilizada pelos perfis extremistas mais populares. Em seguida, vêm Instagram, Facebook e YouTube.
O poder da extrema direita evangélica
Para o cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Joanildo Burity, o resultado da pesquisa confirma o potencial de mobilização dos evangélicos de extrema direita no Brasil. No entanto, ele ressalta que o grupo é minoria no país.
"Em termos numéricos, o segmento de extrema direita não deve ser maior do que 10% da população evangélica. Mas é um grupo militante, com muito acesso à mídia, recursos financeiros e conexões internacionais, o que faz com que tenha uma capacidade de projeção muito maior do que o seu tamanho", diz o pesquisador.
Ele explica que a extrema direita não tinha popularidade nem bases sociais no país por sua associação com a ditadura militar, com os skinheads e com grupos pró-nazismo. Porém, a militância religiosa trouxe maior visibilidade para o grupo.
"Os evangélicos deram uma base social de massas para o movimento de extrema direita. Se você tirar essa militância religiosa da extrema direita, ela se reduz ao que sempre foi: grupelhos de intelectuais, de empresários, de militares, muito coesos, mas capazes de reunir bem pouca gente".
A articulação EUA e Brasil
O pesquisador afirma que essa projeção dos evangélicos nas redes sociais não é casual, mas sim facilitada pela formação que eles recebem tradicionalmente nas igrejas para "comandarem a palavra", o que também facilita a comunicação pública.
Além disso, o processo também é resultado de uma mobilização política, inclusive internacionalmente. Burity diz que a vinculação dos evangélicos com a extrema direita vem se construindo após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos em 2016.
"Desde 2017, mais ou menos, começou a haver uma aproximação entre a família Bolsonaro e o Steve Bannon [ex-estrategista de Donald Trump], nos EUA. O Bannon resolveu investir em um braço do seu movimento, o seu The Movement, no Brasil. E o Eduardo Bolsonaro [deputado federal pelo PL-SP] foi o contato. Eles organizaram eventos, atividades, investiram recursos", diz.
O pesquisador também ressalta a intensificação da atuação de think tanks de extrema direita americanos no Brasil. "Não foi algo voltado especificamente para os evangélicos, mas para mobilizar certos segmentos – sobretudo os mais jovens, nesse campo".
Burity ainda cita duas articulações entre evangélicos brasileiros e grupos da extrema direita dos EUA, como por exemplo o Tea Party, ala ultraconservadora do Partido Republicano, e o grupo Capitol Ministries, ligado à direita cristã estadunidense, que chegou a ter acesso direto à Casa Branca no governo Trump.
O impacto desse segmento hoje pode ser explicado também pela atuação coordenada de pastores, políticos, empresários, teólogos e leigos, que começou há cerca de uma década no Brasil. "Assim se formou o discurso de alinhamento desses evangélicos em relação a posições altamente reacionárias".
Impacto nas eleições municipais
Por fim, o cientista político afirma que o impacto da militância da extrema direita evangélica ainda irá afetar as eleições municipais deste ano. Para ele, "Lula ainda não conseguiu desmontar o contexto de polarização no país. E ter influenciadores com grande poder de penetração nas bases da sociedade é um trunfo muito importante para a direita".
Por outro lado, ele diz que seria perigoso afirmar que esses influenciadores serão a "ponta de lança" na definição das eleições. "Elas envolvem muitas outras coisas, além de religião e de gente berrando nas redes sociais".
Para Marilene de Paula, coordenadora de Direitos Humanos da Fundação Heinrich Böll no Brasil, a pesquisa enfatiza "o papel central dos influenciadores religiosos nas redes sociais para propagar a retórica da extrema direita". Para ele, é preciso ter "uma compreensão profunda desse fenômeno" a fim de viabilizar projetos políticos que possam se contrapor a essa realidade.
*Com informações da Deutsche Welle (DW).