O ex-presidente Jair Bolsonaro "roubou" para si obras fundamentais para o agronegócio e a exploração mineral brasileiras que foram iniciadas ou projetadas por seus antecessores, durante a micareta deste domingo na praia de Copacabana.
Não é novidade: durante seu governo, em busca de votos do Nordeste, Bolsonaro fez várias visitas à transposição do rio São Francisco, a obra mais diretamente associada aos governos Lula e Dilma.
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Hoje ele voltou a dizer que quem "levou água para o Nordeste" foi um aliado seu, o senador Rogério Marinho.
Falando a um público bem menor do que aquele que reuniu em São Paulo, em 25 de fevereiro, mas cercado por drones e influenciadores que espalharam imagens e falas para todo o Brasil, Bolsonaro usou parte de seu discurso para estabelecer comparações entre seu fracassado governo e o de Lula.
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Para isso, mencionou os ex-ministros Paulo Guedes, Tereza Cristina e Tarcísio de Freitas, provável candidato do bolsonarismo em 2026 tendo como vice a ex-primeira dama.
Michelle Bolsonaro ocupou lugar de destaque no comício deste domingo, como defensora das mulheres e da família.
Bolsonaro referiu-se a Tarcísio como um militar 20 anos mais jovem do que ele, formado na Academia das Agulhas Negras, o que certamente terá boa repercussão nos quartéis.
DESQUALIFICADOS
Bolsonaro disse que os ministros indicados por Lula são desqualificados, profissional e em alguns casos moralmente.
Para levantar a bola de seu governo, mencionou a construção da ferrovia entre Sinop, em Mato Grosso, e Miritituba, no Pará, que teria sido inviabilizada por Lula.
A Ferrogrão, de 933 quilômetros, é um projeto antigo, finalizado no papel no governo de Dilma Rousseff.
A ideia é transportar soja até um porto no Pará, para exportação através dos rios Tapajós e Amazonas, com redução no preço dos fretes.
Depois do golpe contra Dilma, Temer transformou o projeto numa PPI e mexeu nos limites do Parque Nacional do Jamanxim, o que levou o PSOL a questionar a mudança no STF.
A ferrovia, que poderá atravessar até 48 terras indígenas, também é questionada pelo MPF.
Lula incluiu a Ferrogrão no novo PAC, porém não pode iniciar as obras enquanto as pendências jurídicas não forem solucionadas.
A suposta paralisação do projeto é fake news.
BR-319
Bolsonaro também disse que "começou" a BR-319, que liga Porto Velho a Manaus.
A rodovia é uma obra da ditadura militar, teve início em 1976, chegou a ser parcialmente asfaltada mas não teve o tráfego esperado e foi abandonada à própria decadência.
Na verdade, no governo Bolsonaro foram feitos "serviços de manutenção e conservação" de trechos, atropelando decisões de órgãos ambientais.
Sem mencionar o nome de Marina Silva, no discurso de hoje Bolsonaro afirmou que a obra teria sido paralisada por "aquela senhora dita das selvas", que segundo o ex-presidente gosta dos ambientes sofisticados da Europa.
Apesar de ser uma obra altamente controversa, Lula determinou a formação de um grupo de trabalho para tratar da reforma da rodovia.
O trecho crítico, entre os kms 177 e 655, entrou no Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia 2024-2027, o que implicaria em repavimentá-la.
Lula tem dito que a rodovia será reconstruída dentro de parâmetros ambientais abandonados por Bolsonaro.
Ambientalistas denunciaram que, no governo anterior, a rodovia serviu à expansão do garimpo ilegal, do desmatamento e da invasão de terras indígenas.
Ela é estratégica para eventual exploração de blocos de petróleo no Amazonas.
FERROVIA NORTE-SUL
Em seu discurso, Bolsonaro também falou sobre a Ferrovia Norte-Sul, que teve início em 1987, no governo de José Sarney.
Para quem desconhece a História, ficou parecendo que foi obra dele.
A ferrovia, de 2.257 quilômetros, liga o porto de Itaqui, no Maranhão, ao de Santos. Ela foi concluída, já em regime de concessão, pela empresa Rumo, do grupo Cosan.
Embora Bolsonaro tenha inaugurado um trecho (entre São Simão, Goiás, e Estrela D'Oeste, São Paulo), a obra só ganhou força quando foi incluída no PAC, em 2007, no segundo mandato de Lula.
Em junho de 2023, Lula entregou o terminal de cargas em Rio Verde, Goiás, data que foi comemorada como a de conclusão das obras, depois de quase quatro décadas.
Lula chegou a fazer uma homenagem em vídeo a Sarney, relembrando:
Convidei ele [José Sarney] para ir comigo [numa inauguração frustrada pelo mau tempo] porque, quando ele anunciou a Ferrovia Norte-Sul, eu era deputado constituinte, muito jovem, muito ousado, e eu fiz crítica à Ferrovia Norte-Sul. E o destino quis que, por conta de eu ter chegado à Presidência da República, foi nos governos do PT que nós fizemos 90% dessa ferrovia...
Neste caso, Bolsonaro assumiu a paternidade do projeto para elogiar seu ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, possível candidato do grupo ao Planalto em 2026.
Publicações atribuindo a Ferrovia Norte-Sul a Tarcísio e Bolsonaro circularam fortemente nas redes sociais e grupos de whatsapp, fake news que ganharam sobrevida com o discurso de hoje em Copacabana.