O presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Ricardo Cappelli, que ganhou notoriedade como secretário executivo do Ministério da Justiça sob a gestão de Flávio Dino e, depois, como interventor federal no Distrito Federal após os atos golpistas do 8 de janeiro, vem sendo alvo de inúmeras críticas por defender a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em não realizar atos em memória aos perseguidos pela ditadura militar no marco de 60 anos do golpe militar de 1964.
"O que buscam os que criticam o presidente Lula pela atitude acertada de apostar numa relação harmoniosa com as Forças Armadas mirando o futuro, e não o passado?", questionou Cappelli em publicação nas redes sociais, neste sábado (23). "Querem destruir nossas Forças e transformar o Brasil num protetorado indefeso de alguma potência estrangeira?", prosseguiu.
A declaração de Cappelli foi rechaçada por inúmeros internautas no espaço de comentários da publicação no X, o antigo Twitter.
Confira a publicação de Cappelli:
O erro de Lula
A Polícia Federal avança na investigação sobre a tentativa de golpe de Estado liderada por Jair Bolsonaro com participação de setores das Forças Armadas. Enquanto isso, o país se aproxima do marco histórico de 60 anos do golpe civil-militar de 1964.
Anualmente, em 1º de abril, entidades da sociedade civil realizam atos e atividades para rememorar a ditadura que censurou, perseguiu, torturou, prendeu e matou defensores da democracia, com o objetivo de homenagear as vítimas e fazer um exercício de memória, “para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”.
Apesar da necessidade de se relembrar o golpe de Estado e, assim, evitar que erros do passado sejam repetidos, ainda mais diante de uma nova intentona golpista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em entrevista recente que não quer “remoer o passado”.
A declaração veio em resposta a uma pergunta sobre como lidaria com possíveis celebrações dos 60 anos do golpe por parte de integrantes das Forças Armadas - a exemplo do Clube Militar, que já marcou, para o dia 31 de março, um almoço de comemoração.
"Eu, sinceramente, vou tratar da forma mais tranquila possível. Eu estou mais preocupado com o golpe de 8 de janeiro de 2023 do que com 64 (...) Isso já faz parte da história, já causou o sofrimento que causou. O povo já conquistou o direito de democratizar esse país", disse o presidente.
"Os generais que estão hoje no poder eram crianças naquele tempo. Alguns acho que não tinham nem nascido ainda (...) O que eu não posso é não saber tocar a história para frente, ficar remoendo sempre, ou seja, é uma parte da história do Brasil que a gente ainda não tem todas as informações, porque tem gente desaparecida ainda, porque tem gente que pode se apurar. Mas eu, sinceramente, eu não vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar esse país para frente", prosseguiu o mandatário.
Para além de dizer que não quer “remoer o passado”, o presidente teria orientado seus ministérios a não realizarem eventos oficiais alusivos aos 60 anos do golpe civil-militar. A ideia seria “apaziguar” a relação com os militares e não tocar em “feridas” que poderiam tensionar a tentativa de reaproximação.
O Ministério dos Direitos Humanos, por exemplo, já teria cancelado uma cerimônia que estava marcada para 1º de abril no Museu da República em homenagem aos perseguidos da ditadura, segundo informações da Folha de S. Paulo.
Fórum questionou o Ministério sobre o cancelamento do evento, que solicitou que a reportagem entrasse em contato com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). Procurada, a pasta alegou, por sua vez, que não há posicionamento oficial, até o momento, sobre suposta orientação do presidente para cancelar eventos alusivos aos 60 anos do golpe de 1964 - sem, contudo, confirmar ou negar a informação.
Em entrevista ao programa Fórum Onze e Meia, o jurista Pedro Serrano fez uma contundente explanação sobre o porquê considera que não rememorar o golpe de 1964 pode ser um dos maiores erros simbólicos do presidente Lula.
Segundo Serrano, “há uma tradição no Brasil de se ocultar os fantasmas dos nossos mecanismos bárbaros e desumanos” e que houve, após a ditadura civil-militar, uma “equação” para apaziguar o país, com anistia aos militares torturadores e indenizações aos perseguidos e familiares de vítimas, mas não houve execução de processos criminais. Para o jurista, essa seria a “raiz” de boa parte dos problemas que hoje assolam o país e, inclusive, também seria a raiz da própria prisão de Lula em 2017.
“Seria importante ter estabelecido os processos criminais contra os torturadores e agentes da ditadura, para mostrar claramente o que o processo civilizatório brasileiro considera o mal extremo consensado. Nós não fizemos isso. Então, não deixamos para a história marcado o que a sociedade brasileira considera o mal extremo. É muito ruim ver que uma frente democrática que se uniu para enfrentar a extrema direita está auxiliando esse processo tenebroso da história brasileira, profundamente autoritário, raiz de quase todos os nossos problemas”, analisa.
“Lula não sabe, mas é a raiz da prisão dele. Ele está errando. Talvez tenha sido o maior erro simbólico desse governo. Eu não acho que é pouco, eu acho que a gente, a frente democrática, perdeu seu caráter democrático nesse momento, nesse ato. Agora, se foi para agradar milico, pior ainda”, pontua.
Serrano sustenta que o fato de Lula decidir não fazer eventos alusivos aos 60 anos do golpe “vai descaracterizando a frente democrática” e a “aproximando da política de extrema direita”.
“Quando a gente não lembra da ditadura, a gente estimula o menino que está vendo na internet que ele pode destruir, que é legítimo destruir quem pensa diferente dele. E é isso que a gente vê reproduzido nesse ambiente. As pessoas se acham no direito de pegar aquele que pensa diferente e destruir, simbolicamente. Nós acabamos de ter uma tentativa de golpe de novo. É um imenso erro histórico. Não é um erro mortal, mas é um erro. Lula tinha que rever isso, tinha que voltar atrás”, aconselha Pedro Serrano.
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