O bolsonarismo, como fenômeno político, gera condutas que muitas vezes parecem inexplicáveis aos olhos de uma mentalidade “normal”, em termos de lógica. Não é raro que argumentos defendendo este movimento extremista e ultrarreacionário, construído em torno da figura de um sujeito violento, ignorante, autoritário, abjeto e assumidamente covarde, sejam vistos como paradoxais e contraditórios em sua totalidade. Pois esse foi o cenário visto numa intervenção feita pelo comentarista Helio Beltrão, da CNN Brasil, versando sobre a manifestação convocada por Jair Bolsonaro (PL) para a Avenida Paulista, no próximo dia 25.
“Acho que está certo ele pedir pra ninguém levar faixas porque o motivo declarado do Bolsonaro é a defesa do Estado Democrático de Direito”, diz Beltrão. A frase, por si só, é bizarra. O ex-presidente de extrema direita é um aberto entusiasta e apoiador da Ditadura Militar (1964-1985), elogia publicamente torturadores, tentou dar um golpe de Estado e já se mostrou inequivocamente favorável à execução de opositores (“vamos fuzilar a petralhada” e “vamos mandar todos para a ponta da praia”).
Aliás, por falar em Ditadura Militar, Hélio Beltrão é filho de um ex-ministro (que tem o mesmo nome) do mais sombrio regime de exceção da História do Brasil. Helio Beltrão, o pai, foi um dos integrantes do governo militar ditatorial que assinaram o Ato Institucional N°5 (AI-5), o dispositivo que mergulhou o país no mais funesto e sinistro período de toda nossa existência como nação. Helio Beltrão, o filho, declara-se um “liberal” e preside o tal Instituto Mises Brasil, aquela think tank que advoga em nome de um ultraneoliberalismo bufo inspirado num economista austríaco que ninguém leva a sério na academia.
“Essa é uma pauta a favor, a favor do Estado Democrático de Direito, também, claro, mostrar apoio a ele, mas é a defesa do Estado Democrático de Direito, que é reflexo de uma certa angústia que os apoiadores dele, e eu acho que até a população em geral está sentindo, dessa questão da perseguição, dessa questão de ter medo... Eu conheço muita gente que tem medo de dizer o que pensa, tem medo de criticar alguma coisa, criticar o Supremo Tribunal Federal, criticar sei lá quem, porque está vendo que há realmente uma resposta institucional atacando quem faz críticas... Por isso eu acho a importância, independente de ser patrocinado ou não pelo Bolsonaro, de realmente a população estar unida em torno do Estado Democrático de Direito, porque desgraçadamente o Brasil está se afastando do “Rule of Law”, que é esse tal Estado Democrático de Direito, que é justamente esse resfriamento da opinião pública, de você falar nas redes sociais e ter medo de uma consequência... As pessoas podem ter medo de ir à manifestação porque sabem que o Bolsonaro tem uma questão legal e elas podem ser perseguidas, porque pessoas que apoiam o Bolsonaro foram perseguidas... Tem gente censurada, gente que está exilada... Então esse é um problema sério para o Brasil de hoje e eu acho importante a pauta, independente de ser o Bolsonaro ou não”, insistiu o comentarista.
É preciso lembrar a Beltrão que ninguém foi preso no Brasil “por criticar o STF”, nem “por apoiar Bolsonaro”. Os bolsonaristas presos e processados foram parar no banco dos réus porque invadiram palácios em Brasília, destruindo tudo, para tentar levar a cabo um golpe de Estado, ou então ameaçaram de morte autoridades constituídas, ou ainda financiaram esses movimentos criminosos com logística e dinheiro. Chamar uma camarilha de psicopatas lobotomizados que age cegamente em nome de um desajustado sem escrúpulos de “população em geral” é um pouco exagerado.
Para completar a “argumentação”, Beltrão ainda postou em seu perfil no ‘X’ (antigo Twitter) um corte com sua fala, com uma legenda que beira o inacreditável.
“O que está em jogo na manifestação convocada por Bolsonaro para o domingo, dia 25, na Av. Paulista? Veja no vídeo. O direito a criticar o estado, o devido processo legal, a liberdade de expressão, o direito de peticionar, em suma, os principais direitos que nossos antepassados tanto lutaram para nos garantir estão em sério risco no Brasil de hoje”, escreveu.
Para muito além de dizer que Jair Bolsonaro, a maior ameaça à democracia brasileira surgida nas últimas décadas, é um defensor de todos esses direitos civis, ele ainda evoca “antepassados” que teriam lutado por isso, sendo filho de um signatário do AI-5.
As reações foram imediatas nas redes. Confira algumas:
“Seu antepassado mais próximo, não. Foi ministro de ditadores”, disse o jornalista Hélio Doyle.
“Hélio, seu antepassado era esse aqui? Conferem as informações? Esse print tá circulando em vários posts por aí”, escreveu o internauta Carlos Moura, que se identifica como investidor.
“Senhor… seu pai foi um dos subscritores do AI-5 e o senhor crê, realmente, que poderia versar sobre direitos civis? Sobre Liberdade? Pelo amor de Deus, CNN Brasil, melhorem o nível de sua gente. Saber se expressar “bem” até papagaio consegue”, retrucou outro usuário do ‘X’, identificado como Leandro Sartori Molino.
“Teu pai foi ministro na Ditadura e assinou o AI-5. Você está condizente com seus antepassados”, afirmou ainda outro internauta, de nome Luis André Andrade, um médico.
Veja o vídeo com a fala de Hélio Beltrão: