O estudo "Agenda Antirracista e a Política Brasileira", conduzido pelo Observatório Político Eleitoral (Opel) da UFRJ, identificou que a população brasileira reconhece o impacto do racismo estrutural na representação política. No entanto, esse entendimento não se traduz em mudanças nas decisões eleitorais ou no apoio a medidas afirmativas, devido à resistência de grande parte dos entrevistados à utilização da raça como critério na escolha de candidatos, sustentada pela falsa ideia de igualdade racial.
O discurso meritocrático, amplamente disseminado, é um dos principais obstáculos ao progresso da agenda antirracista. Esse argumento é frequentemente usado para contestar iniciativas como as cotas raciais, sendo propagado em diferentes espectros políticos, e ignora as desigualdades históricas e estruturais que limitam o acesso equitativo às oportunidades.
Te podría interesar
"Um número expressivo de participantes expressou a ideia de que 'todos somos iguais', o que leva a uma resistência à inclusão da raça como critério de escolha eleitoral ou de promoção de políticas específicas, como cotas raciais. Esse pensamento, associado ao mito da democracia racial, representa um obstáculo para a adoção de medidas concretas e específicas em prol da igualdade racial", alertaram os pesquisadores no estudo.
A pesquisa também destaca a contínua sub-representação de pessoas negras na política brasileira, que reflete o racismo estrutural que restringe o acesso a posições de poder. Embora tenha havido um aumento nas candidaturas negras nas eleições de 2022, os resultados das urnas revelaram uma disparidade expressiva: 70% dos eleitos eram brancos, enquanto apenas 30% eram pretos ou pardos.
Em uma reportagem da Fórum, publicada em outubro deste ano, mostramos o que havia em comum entre os mais de 60% dos candidatos que concorriam no segundo turno. Partidos como PSD, PL, MDB, União Brasil concentraram maioria das candidaturas masculinas brancas. Embora esse grupo seja 65% dos postulantes, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a representação na população brasileira era de apenas cerca de 25%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em entrevista ao portal Brasil de Fato, a socióloga Andressa Oliveira, uma das autoras da pesquisa, afirmou que quase metade dos participantes do estudo afirmou já ter votado em candidatos e candidatas negras, mas esse fator não foi decisivo na escolha do voto.
"A pesquisa apontou que 45% dos entrevistados afirmaram já ter votado em algum candidato negro ao longo da vida, mas o critério racial não foi central para a escolha. Os eleitores consideram mais as propostas do candidato. Eles reconhecem a baixa representatividade de pessoas negras na política, mas demonstram grande relutância em apoiar ações afirmativas para mitigar esse problema, apesar de reconhecerem sua existência", disse.
De acordo com ela, ao investigar as razões por trás dessa percepção, o grupo responsável pelo estudo encontrou respostas que também revelam uma compreensão equivocada sobre a meritocracia.
"Eles mencionam a questão da meritocracia e questionam o motivo de não verem candidatos negros, já que as redes sociais permitem que qualquer pessoa se divulgue, ignorando que, na verdade, para se ter alcance e relevância nesses espaços também é preciso dinheiro. Além disso, há a questão do incentivo dos partidos políticos a essas candidaturas. É fundamental um maior incentivo para a criação de ações afirmativas dentro de todos os partidos."
Como solução, o estudo aponta a necessidade de educar o eleitorado sobre a importância do voto como agente de transformação social. Também sugere a realização de campanhas que alcancem tanto o eleitorado quanto partidos, movimentos e militantes, como formas de enfrentar a questão.
"Uma das coisas que ficou bastante evidente para nós ao longo da pesquisa foi que grande parte das pessoas se posiciona contra as cotas. Mas quando apresentamos dados concretos para essas pessoas, como a quantidade de candidaturas de pessoas negras e brancas, elas se mostram mais sensibilizadas para o tema e começam a entender que existe um problema que não estavam percebendo", afirmou Andressa Oliveira.