Logo nos primeiros meses de 2024, as Forças Armadas começaram a se mobilizar para tentar evitar que ajustes fiscais e cortes no orçamento federal atingissem seu sistema previdenciário. O Exército lançou, em junho deste ano, uma cartilha explicativa sobre o Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas (SPSMFA), um documento elaborado para justificar os benefícios exclusivos da carreira e para amenizar críticas sobre o alto custo do sistema. Esse esforço de comunicação visava a blindagem dos gastos previdenciários militares, reforçando a narrativa de que as particularidades da carreira justificam um tratamento diferenciado.
A cartilha, que está disponível no site da Secretaria de Economia e Finanças (SEF) do Exército, aborda benefícios específicos, como o pagamento de uma indenização de passagem para a reserva, que haviam sido ampliados de quatro para oito vencimentos na reforma de 2019, realizada durante o governo Bolsonaro. Também explicava a pensão para filhas solteiras de militares admitidos até o ano 2000, mantida para servidores antigos, apesar de extinta para novos ingressantes em 2001. A justificativa militar era que esses benefícios são fundamentais para uma carreira que exige dedicação exclusiva, prontidão em situações de risco e impossibilidade de acúmulo de outras atividades remuneradas.
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A preocupação com os cortes orçamentários surgiu em meio ao relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que destacou que o SPSMFA apresentou um déficit de R$ 49,7 bilhões em 2023, enquanto a arrecadação foi de apenas R$ 9,1 bilhões – cobrindo apenas 15,4% das despesas totais do sistema. Essa situação crítica foi vista pelo governo como um dos fatores que dificultam o equilíbrio fiscal.
As tentativas de blindagem realizadas pelos militares inicialmente tiveram algum sucesso, pois, em julho de 2024, quando o governo federal divulgou a lista oficial dos bloqueios e congelamentos orçamentários, ficou evidente que o Ministério da Defesa havia sido amplamente poupado. De acordo com as informações divulgadas na época, menos de 1% do orçamento da pasta foi afetado pelos congelamentos, o que contrastava com cortes significativos em outras áreas e reforçou a percepção de que o setor militar estava sendo tratado de forma privilegiada.
Esse tratamento diferenciado despertou críticas e ceticismo na sociedade, que via com desconfiança a manutenção dos privilégios da Defesa em meio a um cenário de austeridade. A sensação era de que as Forças Armadas estavam protegidas de ajustes mais severos, enquanto outras áreas do funcionalismo público enfrentavam restrições orçamentárias significativas.
Agora, em novembro, as preocupações dos militares se materializam em um novo cenário. Pressionada pela necessidade de reduzir o déficit público, a equipe econômica do governo Lula decidiu incluir as despesas militares no pacote de cortes fiscais. O Ministério da Fazenda, liderado por Fernando Haddad, convocou uma reunião com o Ministério da Defesa para esta quarta-feira (13), onde o ministro José Múcio Monteiro deverá defender a manutenção de parte dos benefícios previdenciários. Esse encontro será uma oportunidade para que o governo e a Defesa discutam o impacto dos gastos previdenciários militares e avaliem quais ajustes podem ser implementados sem comprometer a integridade do sistema.
Entre as propostas em análise estão a revisão do benefício conhecido como “morte ficta” – uma pensão paga à esposa de militares expulsos por má conduta – e a redução dos vencimentos pagos na reserva, revertendo parcialmente as vantagens ampliadas na reforma de 2019. Outra medida estudada é o encerramento gradual das pensões para filhas solteiras, que ainda beneficiam militares admitidos antes de 2000. A expectativa é que esses ajustes contribuam para reduzir o peso da previdência militar no orçamento público, atendendo, ao menos parcialmente, às demandas da equipe econômica.
Para as Forças Armadas, essa discussão representa a realização de um temor que já havia sido manifestado no início do ano. A cartilha lançada foi uma tentativa de sensibilizar a opinião pública e justificar a preservação dos benefícios específicos do sistema previdenciário militar, mas a pressão econômica impõe agora uma realidade mais difícil. Fontes do alto comando militar indicam que há receio de que cortes profundos possam impactar o moral da tropa e desestruturar a estrutura de proteção social oferecida aos militares.