LIÇÕES PARA O MUNDO

Lula compara 8 de Janeiro à invasão do Capitólio e mira Bolsonaro em artigo em jornal dos EUA

"A desigualdade serve como terreno fértil para o extremismo e a polarização política", diz Lula, que ainda critica a "política de negócios das Big Techs" em artigo no The Washington Post. Leia a íntegra.

Lula e Joe Biden na Casa Branca.Créditos: Ricardo Stuckert
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Em artigo intitulado "O Brasil frustrou uma tentativa de golpe. Aqui estão nossas lições para o mundo", publicado no jornal The Washington Post nesta segunda-feira (8), Lula comparou os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 no Brasil com a invasão do Capitólio promovida por apoiadores de Donald Trump em 6 de janeiro de 2021 para tentar barrar a posse de Joe Biden na Presidência dos EUA.

"Este dia 8 de janeiro marca um ano em que a resiliência da democracia brasileira foi severamente testada. Uma semana após a posse de um governo recém-eleito, grupos extremistas invadiram as sedes dos três poderes da república. Movidos pela mentira e pela desinformação, quebraram janelas e destruíram objetos históricos e obras de arte enquanto transmitiam suas ações pela internet. Eles exibiram um desrespeito pela democracia semelhante ao dos invasores do Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021", afirma o presidente brasileiro.

Em seguida, Lula afirma que a "tentativa de golpe falhou" e que as autoridades brasileiras agora dedicam esforços para "esclarecer fatos e responsabilizar os invasores". Sem menção direta, o presidente ainda mira Jair Bolsonaro (PL), a quem já responsabilizou por incitar os atos golpistas.

"A tentativa de golpe foi o culminar de um longo processo promovido por líderes políticos extremistas para desacreditar a democracia em seu próprio benefício. O sistema eleitoral brasileiro, reconhecido internacionalmente pela sua integridade, foi questionado por aqueles que foram eleitos nesse mesmo sistema. Sem provas, eles reclamaram da urna eletrônica do Brasil, assim como os negacionistas eleitorais nos Estados Unidos reclamaram da votação pelo correio. O objetivo destas falsas denúncias era desqualificar a democracia para perpetuar o poder de forma autocrática", escreve Lula no jornal estadunidense.

Após dizer que "a democracia brasileira prevaleceu – e emergiu mais forte", Lula lista uma série de feitos de seu primeiro ano no terceiro mandato na Presidência e insta os líderes mundiais a enfrentarem "problemas complexos", citando a crise climática; insegurança alimentar e energética; tensões geopolíticas e guerras; o crescimento do discurso de ódio e da xenofobia.

"Estes são problemas alimentados pela desigualdade generalizada à escala global — entre nações e dentro das nações", diz Lula, que relaciona à desigualdade ao crescimento da ultradireita neofascista no mundo.

"A desigualdade serve como terreno fértil para o extremismo e a polarização política. Quando a democracia não consegue garantir o bem-estar do povo, os extremistas procuram desacreditar o processo político e promover a descrença nas instituições".

Lula ainda critica "o modelo de negócio das Big Techs", que "dá prioridade ao envolvimento e à busca por engajamento, promove conteúdos inflamatórios e fortalece o discurso extremista, favorecendo forças antidemocráticas que operam em redes internacionalmente coordenadas".

"É ainda mais preocupante que a inteligência artificial, além de agravar a desinformação, possa promover a discriminação, causar desemprego e violar direitos".

O presidente brasileiro, que preside o G20, cobra soluções coletivas para esses desafios, a fim de "promover a integridade da informação e o desenvolvimento inclusivo e humanístico e a utilização da inteligência artificial".

"Outro 6 ou 8 de Janeiro só poderá ser evitado transformando a realidade da desigualdade e do trabalho precário. Esta preocupação motivou a parceria para a promoção do trabalho digno que lancei com o Presidente Biden em setembro, com o apoio da Organização Internacional do Trabalho", diz Lula sobre a parceria com o presidente dos EUA.

Leia a íntegra

O Brasil frustrou uma tentativa de golpe. Aqui estão nossas lições para o mundo.

Por Luiz Inácio Lula da Silva

Este dia 8 de janeiro marca um ano em que a resiliência da democracia brasileira foi severamente testada. Uma semana após a posse de um governo recém-eleito, grupos extremistas invadiram as sedes dos três poderes da República. Movidos pela mentira e pela desinformação, quebraram janelas e destruíram objetos históricos e obras de arte enquanto transmitiam suas ações pela internet.

Eles exibiram um desrespeito pela democracia semelhante ao dos invasores do Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021.

Felizmente, esta tentativa de golpe falhou. A sociedade brasileira rejeitou a invasão e, durante o ano passado, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Poder Executivo dedicaram esforços para esclarecer os fatos e responsabilizar os invasores.

A tentativa de golpe foi o culminar de um longo processo promovido por líderes políticos extremistas para desacreditar a democracia em seu próprio benefício. O sistema eleitoral brasileiro, reconhecido internacionalmente pela sua integridade, foi questionado por aqueles que foram eleitos nesse mesmo sistema. Sem provas, eles reclamaram da urna eletrônica do Brasil, assim como os negacionistas eleitorais nos Estados Unidos reclamaram da votação pelos Correios. O objetivo destas falsas denúncias era desqualificar a democracia para perpetuar o poder de forma autocrática.

Mas a democracia brasileira prevaleceu – e emergiu mais forte.

Desde o meu retorno à presidência, após 12 anos, a unificação do país e a reconstrução de políticas públicas bem-sucedidas têm sido objetivos da minha gestão. Um governo que melhora vidas é a melhor resposta que temos aos extremistas que atacam a democracia.

O desmatamento na Amazônia, que aumentava no governo anterior, caiu 50% em 2023. Retomamos políticas antipobreza como o Bolsa Família, que garante renda às mães que mantêm seus filhos vacinados e na escola. Nossa economia cresceu três vezes mais em 2023 do que o previsto pelo Fundo Monetário Internacional, e nos tornamos o segundo maior destino de investimento estrangeiro direto no mundo, segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

O Brasil, com seus compromissos democráticos, voltou ao cenário internacional sem a negação das mudanças climáticas e o descaso com a ciência da gestão anterior, que custou a vida de centenas de milhares de brasileiros na pandemia de covid-19.

O mundo vive hoje um momento contraditório. Os desafios globais exigem compromisso e cooperação entre as nações. Nunca estivemos tão conectados. Ao mesmo tempo, temos cada vez mais dificuldades em dialogar, respeitar as diferenças e realizar ações conjuntas.

As sociedades são dominadas pelo individualismo e as nações distanciam-se umas das outras, dificultando a promoção da paz e enfrentando problemas complexos: a crise climática; insegurança alimentar e energética; tensões geopolíticas e guerras; o crescimento do discurso de ódio e da xenofobia.

Estes são problemas alimentados pela desigualdade generalizada à escala global — entre nações e dentro das nações.

Nas últimas décadas, um modelo de desenvolvimento econômico excludente concentrou o rendimento, fomentou a frustração, restringiu os direitos dos trabalhadores e alimentou a desconfiança nas instituições públicas.

A desigualdade serve como terreno fértil para o extremismo e a polarização política. Quando a democracia não consegue garantir o bem-estar do povo, os extremistas procuram desacreditar o processo político e promover a descrença nas instituições.

A erosão da democracia é exacerbada pelo facto de as fontes de notícias e as interações sociais das pessoas serem mediadas por aplicativos digitais que foram concebidos para o lucro e não para a coexistência democrática. O modelo de negócio das Big Tech, que dá prioridade ao engajamento, promove conteúdos inflamatórios e fortalece o discurso extremista, favorecendo forças antidemocráticas que operam em redes internacionalmente coordenadas.

É ainda mais preocupante que a inteligência artificial, além de agravar a desinformação, possa promover a discriminação, causar desemprego e violar direitos.

Estas questões tecnológicas, sociais e políticas estão integradas. O fortalecimento da democracia depende da capacidade dos Estados não só para enfrentar as desigualdades estruturais e promover o bem-estar da população, mas também para enfrentar os factores que alimentam o extremismo violento.

Outro 6 ou 8 de Janeiro só poderá ser evitado transformando a realidade da desigualdade e do trabalho precário. Esta preocupação motivou a parceria para a promoção do trabalho digno que lancei com o Presidente Biden em setembro, com o apoio da Organização Internacional do Trabalho.

Precisamos também de ações globais para promover a integridade da informação e o desenvolvimento inclusivo e humanístico e a utilização da inteligência artificial. As Nações Unidas, incluindo a UNESCO, e outras organizações internacionais estão a trabalhar para enfrentar estes problemas.

O Brasil assumiu a presidência do G20 no mês passado e colocamos a luta contra as desigualdades em todas as suas dimensões no centro da nossa agenda sob o lema “Construir um Mundo Justo e um Planeta Sustentável”. Espero que os líderes políticos possam se reunir no Brasil ao longo deste ano, buscando soluções coletivas para esses desafios que afetam toda a humanidade.