No último dia 8 de janeiro, data que marcou o primeiro aniversário dos atos golpistas protagonizados por bolsonaristas radicais em Brasília, o debate sobre a regulação das redes sociais no Brasil foi reacendido.
Durante a cerimônia no Congresso Nacional, tanto o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), quanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defenderam a regulamentação para transformar a internet em um ambiente mais saudável e em consonância com o Estado Democrático de Direito.
Moraes e Lula associaram diretamente a ausência de regulamentação das redes sociais no Brasil aos eventos de janeiro de 2023, caracterizados em grande parte pela organização, via internet, de atos golpistas mediante a disseminação de fake news e discursos de ódio em plataformas digitais.
"Há a necessidade da implementação de uma regulamentação moderna, conforme tem sido debatido no mundo democrático e já adotado, por exemplo, na União Europeia e no Canadá", afirmou Moraes. "A falta de regulamentação e a ausência de responsabilização das redes sociais, aliadas à falta de transparência na utilização da inteligência artificial e dos algoritmos, deixaram os usuários vulneráveis à demagogia e à manipulação política, permitindo a livre atuação do novo populismo digital extremista e de seus pretendentes a ditadores", acrescentou.
Lula, por sua vez, sentenciou:: "Que ninguém confunda liberdade com permissão para atentar contra a democracia. Liberdade não é uma autorização para disseminar mentiras sobre as vacinas nas redes sociais, o que pode ter resultado na morte de centenas de milhares de brasileiros por Covid. Liberdade não é o direito de pregar a instalação de um regime autoritário e o assassinato de adversários. As mentiras, a desinformação e os discursos de ódio foram o combustível para o 8 de janeiro. Nossa democracia permanecerá sob constante ameaça enquanto não nos comprometermos com firmeza na regulação das redes sociais".
Quem tem medo da regulação das redes?
O governo Lula quer sair do atraso e seguir os passos de países como Alemanha, França, Reino Unido, Austrália, Canadá, China e Índia, que nos últimos anos aprovaram leis de regulação das redes sociais, com normas específicas para a operação de grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, estabelecendo sanções rigorosas, inclusive a possibilidade de exclusão do mercado em caso de violação. Aqui estamos falando de plataformas como Facebook, Instagram, YouTube, X (antigo Twitter), entre outras.
No Brasil, a principal proposta em discussão no Congresso Nacional para regulamentar as redes sociais é o Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News. Apresentado pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE) em 2020, o projeto foi votado pelo Senado no mesmo ano, mas enfrenta resistência de parlamentares bolsonaristas na Câmara. Eles disseminam informações falsas, alegando que o projeto instituirá "censura na internet.
Em linhas gerais, o PL, com relatoria do deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), visa combater a desinformação e discurso de ódio na internet, responsabilizando as grandes plataformas e aplicando sanções.
Em entrevista à Fórum, a jornalista Renata Mielli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia responsável por estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet, destacou a importância da regulamentação das redes sociais. Segundo ela, "a regulação das redes sociais não tem nada a ver com censura", mas define regras mínimas para a operação dessas empresas no país, tal como acontece com todas as atividades econômicas.
"Quando você presta um serviço, vende um produto, você precisa ter responsabilidade com relação àquilo. É assim em várias outras áreas da economia e deveria ser assim também na área em que nós estamos chamando aqui de redes sociais. As redes sociais hoje no Brasil são basicamente empresas privadas que atuam no país sem nenhum tipo de regra", declara.
Renata Mielli destaca, ainda, que a extrema direita no geral se articula contra a regulação das redes, difundindo fake news e falando em “censura”, para gerar pânico na população, justamente pelo fato de que o projeto prevê a obrigatoriedade de transparência para impulsionamento e publicidade de conteúdos nas plataformas digitais - o que permitiria identificar, por exemplo, financiadores de publicações que atentem contra a democracia, como aquelas de teor golpista ou de teorias conspiratórias antivacina.
“Dentre as várias regras previstas no atual projeto de lei, que trata da responsabilidade, transparência e liberdade na internet, existem obrigações relacionadas à transparência em como essas redes sociais lidam com seus conteúdos internos. A transparência inclui como essas plataformas removem conteúdos, pois atualmente, sem parâmetros públicos, elas removem conteúdos por regras próprias. A obrigação de transparência para impulsionamento e publicidade dos conteúdos, por exemplo, permite que usuários e poder público tenham acesso a informações sobre quanto foi usado para impulsionar e quem financiou”, explica a jornalista.
“Isso vai contra os interesses da extrema direita, que gasta muito dinheiro para impulsionar conteúdos de discurso de ódio, que atentam contra a saúde pública, como no caso dos conteúdos antivacina, ou como lives monetizadas no YouTube para incitar o 8 de janeiro. As regras de transparência expõem a extrema direita nessa ação nociva de produção de conteúdos que atentam contra a democracia. Quem dissemina esse tipo de conteúdo? Um ambiente menos tóxico nas redes sociais, mais transparente e mais democrático não é do interesse da extrema direita”, emenda.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista com Renata Mielli:
Fórum - O que é exatamente a regulação das redes sociais? O que está em jogo no projeto que tramita na Câmara?
Renata Mielli - Toda atividade econômica que ocorre num país tem uma regulação específica, são os parâmetros definidos pelo Estado brasileiro das responsabilidades que o setor econômico que atua numa determinada área precisa ter para garantir a prestação de um serviço de qualidade que atenda ao interesse público. Assim como na energia elétrica e no comércio. As redes sociais, sendo empresas privadas, atuam no Brasil sem nenhum tipo de regra. Quando discutimos regulação, queremos definir como essas redes sociais respondem ao usuário e qual a responsabilidade dessas plataformas em casos específicos, como ataques virtuais ou golpes. Atualmente, não há canais de diálogo para o usuário nesses casos, nem parâmetros definidos. Portanto, a regulação das redes sociais não tem nada a ver com censura, mas sim com a definição de regras mínimas para a operação dessas empresas no país.
Fórum - Por que você acredita que exista uma crítica tão forte por parte da extrema direita com relação ao projeto de regulação das redes? Qual o temor?
Renata Mielli - Porque, dentre as várias regras previstas no atual projeto de lei, o PL 2630, que trata da responsabilidade, transparência e liberdade na internet, existem obrigações relacionadas à transparência em como essas redes sociais lidam com seus conteúdos internos. A transparência inclui como essas plataformas removem conteúdos, pois atualmente, sem parâmetros públicos, elas removem conteúdos por regras próprias. A obrigação de transparência para impulsionamento e publicidade dos conteúdos, por exemplo, permite que usuários e poder público tenham acesso a informações sobre quanto foi usado para impulsionar e quem financiou. Isso vai contra os interesses da extrema direita, que gasta muito dinheiro para impulsionar conteúdos de discurso de ódio, que atentam contra a saúde pública, como no caso dos conteúdos antivacina, ou como lives monetizadas no YouTube para incitar o 8 de janeiro. As regras de transparência expõem a extrema direita nessa ação nociva de produção de conteúdos que atentam contra a democracia. Quem dissemina esse tipo de conteúdo? Um ambiente menos tóxico nas redes sociais, mais transparente e mais democrático não é do interesse da extrema direita.
Fórum - Você enxerga alguma disposição do Congresso Nacional em votar esse projeto de lei? Ou há uma discussão maior dentro do governo Lula agora? Tem expectativas de que isso possa ser aprovado em breve, a médio ou longo prazo?
Renata Mielli - Eu acho que é importante dizer que uma parte do Congresso Nacional tem compromisso e interesse de votar esse projeto já há bastante tempo. Inclusive, o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, trabalhou politicamente para pautar esse projeto e aprovar urgência. Uma parte importante do parlamento concorda com esse projeto, mas ainda temos um congresso muito conservador, com uma base de parlamentares ligada à extrema-direita muito grande. O governo do presidente Lula tem trabalhado pela aprovação do PL 2630 desde que assumiu no ano passado. Em diversas oportunidades, o próprio presidente da República enfatizou a importância da aprovação desta lei. No ato do 8 de janeiro, ministros do STF também abordaram esse tema, e têm discutido sobre isso em outras situações. Uma parte da sociedade civil também se manifestou. No final do ano, ocorreram casos, como suicídios, após ações e violência resultante de ataques nas redes sociais.
Agora, no início deste ano legislativo, acreditamos que o projeto volte com força para ser debatido, temos um ambiente propício para aprovar. No entanto, não podemos subestimar a força do lobby das empresas de tecnologia, que atuaram de forma ilegal para impedir a aprovação do projeto e distorcer a visão da sociedade com desinformação sobre o que seria aprovado. Nossa expectativa é que o projeto seja debatido com força agora no início do ano legislativo, mas só será concretizada se trabalharmos em conjunto, mobilizando a sociedade civil, a imprensa progressista e o setor progressista da sociedade para garantir um ambiente mais saudável nas redes sociais no Brasil.