No último dia 8 de janeiro, aniversário de um ano dos atos golpistas que bolsonaristas radicais promoveram em Brasília, o tema da regulação das redes sociais no Brasil voltou à tona. Durante a cerimônia no Congresso Nacional, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defenderam a necessidade de regulamentação para tornar a internet um ambiente mais saudável e que respeite o Estado Democrático de Direito.
Tanto Moraes quanto Lula associaram diretamente a falta de regulação das redes sociais no Brasil à deflagração dos atos golpistas em janeiro de 2022, que foram, em grande parte, organizados pela internet através de fake news e discurso de ódio disseminados em plataformas digitais.
"Há necessidade da edição de uma moderna regulamentação, como vem sendo discutida no mundo democrático e já realizada, por exemplo, na União Europeia e no Canadá", declarou Moraes. "A ausência de regulamentação e a inexistente responsabilização das redes sociais, somadas à falta de transparência na utilização da IA e dos algoritmos, tornaram os usuários suscetíveis à demagogia e à manipulação política, possibilitando a livre atuação no novo populismo digital extremista e de seus aspirantes a ditadores", disse ainda.
Lula, por sua vez, sentenciou:
"Que ninguém confunda liberdade com permissão para atentar contra a democracia. Liberdade não é uma autorização para espalhar mentiras sobre as vacinas nas redes sociais, o que pode ter levado centenas de milhares de brasileiros à morte por Covid. Liberdade não é o direito de pregar a instalação de um regime autoritário e o assassinato de adversários. As mentiras, a desinformação e os discursos de ódio foram o combustível para o 8 de janeiro. Nossa democracia estará sob constante ameaça, enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais".
Projeto no Congresso Nacional
A principal proposta em discussão no Congresso Nacional para regulamentar as redes sociais é o Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News. Apresentado pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE) em 2020, o projeto foi votado pelo Senado no mesmo ano, mas enfrenta resistência de parlamentares bolsonaristas na Câmara. Eles disseminam informações falsas, alegando que o projeto instituirá "censura" na internet.
Em linhas gerais, o PL, com relatoria do deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), visa combater desinformação e discurso de ódio na internet, responsabilizando as grandes plataformas e aplicando sanções.
Em entrevista à Fórum, a jornalista Renata Mielli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia responsável por estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet, destacou a importância da regulamentação das redes sociais. Segundo ela, "a regulação das redes sociais não tem nada a ver com censura", mas define regras mínimas para a operação dessas empresas no país, tal como acontece com todas as atividades econômicas.
"Quando você presta um serviço, vende um produto, você precisa ter responsabilidade com relação àquilo. É assim em várias outras áreas da economia e deveria ser assim também na área em que nós estamos chamando aqui redes sociais. As redes sociais hoje no Brasil são basicamente empresas privadas que atuam no país sem nenhum tipo de regra", declara.
Apesar da resistência de bolsonaristas radicais, Renata Mielli acredita que o ambiente atual favorece a aprovação do projeto na Câmara. Ela destaca o compromisso de uma parte do Congresso com a proposta, mas reconhece a dificuldade política devido à grande influência da extrema direita. Recentemente, eventos como a menção à proposta na cerimônia alusiva ao 8 de janeiro e casos de suicídios relacionados a ataques na internet criaram um "ambiente propício" para a discussão do projeto, segundo a coordenadora do CGI.
A expectativa é que a discussão da proposta seja retomada após o recesso legislativo, apesar dos desafios impostos pelo lobby das grandes empresas de tecnologia.
"Depois desses acontecimentos, me parece que temos um ambiente propício para aprovar, mas não podemos subestimar a força do lobby das empresas de tecnologia das grandes big techs. Elas atuaram de uma forma ilegal, eu diria, para impedir a aprovação do projeto, inclusive para distorcer a visão da sociedade com desinformação sobre o que seria aprovado. Nossa expectativa é que o projeto volte com força a ser debatido agora no começo do ano legislativo e nós precisamos trabalhar muito a sociedade civil para que esse projeto receba um amplo apoio social e isso possa resultar numa pressão sobre o Congresso".