A Câmara Municipal de São Paulo tomou uma decisão histórica nesta terça-feira (19) e decidiu cassar o mandato do vereador Camilo Cristófaro (Avante) por racismo. O político foi processado por quebra de decoro parlamentar devido ao fato de ter, em maio de 2022, sem saber que seu áudio estava aberto, dito a frase "é coisa de preto" durante uma sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Aplicativos na casa legislativa.
Trata-se da primeira vez um mandato é cassado por conta de uma conduta considerada racista na Câmara paulistana. Dos 55 vereadores que compõem a casa, 47 votaram pela cassação de Cristófaro, 5 se abstiveram e nenhum votou contra a punição ao parlamentar municipal.
"É um recado para a população, para o povo negro de São Paulo que aqui se tem respeito pelo povo preto, pelo povo da periferia. Vereador cassado. E assim vai ser com cada parlamentar, com cada político, com cada figura pública que desrespeite a população negra em qualquer lugar", disse a vereadora Luana Alves (PSOL), autora da representação que culminou na cassação de Cristófaro.
Assista:
"Estão me executando"
Durante a sessão que cassou seu mandato, ao tentar se defender, Camilo Cristófaro disse que "60% dos funcionários" de seu gabinete são negros e protestou contra a decisão, afirmando que estava sendo "executado".
"Aqui ninguém está me julgando, estão me executando. Estou nessa casa desde 2001 (...) Todos os vereadores antigos chamavam o vereador Milton Leite de 'negão'. Agora, pergunta se alguma vez o Camilo chamou ele de 'negão'. Nunca!", disparou.
O caso de racismo
Durante uma sessão online da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Aplicativos, em 3 de maio de 2022, Camilo Cristófaro falou: "Não lavar calçada… é coisa de preto, né?". O vereador supostamente estaria conversando pelo aparelho de celular, mas a fala foi captado pelo sistema de áudio do plenário.
A vereadora Luana Alves (PSOL) interrompeu a sessão para denunciar a fala racista. Foi ela quem protocolou a representação do pedido de cassação de Cristófaro na Corregedoria da Câmara Municipal, aprovado por 51 votos, sem abstenções ou manifestações contrárias.
"Coisa de preto é derrubar racistas! O Plenário da Câmara de SP acabou de aprovar o meu pedido de abertura do processo de cassação do Vereador Camilo Cristófaro. A partir de agora o processo está iniciado. Vamos derrubar todos os racistas!"
- Luana Alves, em suas redes sociais
No final de agosto de 2023, a Corregedoria da Câmara aprovou o relatório do vereador Marlon Luz (MDB), que apresenta quebra de decoro parlamentar de Cristófaro. A aprovação do relatório de cassação teve cinco votos a favor e uma abstenção – o presidente da Corregedoria, Rubinho Neves (União Brasil) não votou pois não houve empate.
"Isso ocorre porque a ofensa, (embora suas testemunhas tenham dito que teria sido direcionada ao Sr. Anderson Silva Medeiros) ela acabou sendo direcionada a um grupo de pessoas negras na sociedade, e ao estabelecer uma conexão entre um trabalho manual deficiente e a população negra, o Vereador Camilo Cristófaro reforçou a percepção socialmente abominável de que as pessoas negras são necessariamente encarregadas de executar trabalhos manuais e que sua suposta ineficiência está relacionada à sua etnia, o que, por si só, já caracterizaria uma quebra de decoro parlamentar", aponta o relatório.
De acordo com Marlon Luz, a fala de Cristófaro prejudica a imagem da Câmara Municipal e a representatividade de seu mandato: "Quando um parlamentar se manifesta com uma fala tão draconiana que levanta questionamentos sobre sua capacidade de representar todos os cidadãos, independentemente de sua origem étnica".
Em julho de 2023, o juiz Fábio Aguiar Munhoz Soares, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), absolveu Camilo da fala racista. Segundo a sentença, a declaração "é coisa de preto" foi "extraída de um contexto de brincadeira, de pilhéria, mas nunca de um contexto de segregação, de discriminação ou coisa que o valha".
"A fala em si na sua objetividade poderia sim ser considerada discriminatória, porém ao ser dita sem a vontade de discriminar há um esvaziamento natural do dolo. É o que aconteceu no caso em questão, já que as pessoas que ouviram a frase sendo dita pelo acusado não sabiam o contexto em que era dita ou a quem era dirigida, pondo-se a censurar o acusado tão somente porque dissera este algo de cunho discriminatório/racista sem investigar contudo o contexto em que fora a fala proferida."