ESCÂNDALO

Lava Jato: Dallagnol atropelou justiça suíça e transformou ilegalidade em "boa notícia"

O ex-procurador e deputado cassado é alvo de investigação da Polícia Federal acerca das movimentações financeiras da operação

Lava Jato: Dallagnol atropelou justiça suíça e transformou ilegalidade em "boa notícia".Créditos: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
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O ex-procurador e deputado cassado Deltan Dallagnol deturpou a decisão da Justiça suíça, que declarou ilegal o envio de um documento por procuradores do país à Lava Jato sobre a Odebrecht, transformando a ilegalidade em um fato positivo para a operação. As informações são dos jornalistas Jamil Chade e Leandro Demori.

De acordo com levantamento feito a partir dos documentos da Operação Spoofing (consequência da Vaza Jato), o plano foi elaborado por Deltan Dallagnol e a equipe da Lava Jato, juntamente com Stefan Lenz, então procurador suíço e contato da operação na Suíça.

Em uma das mensagens de Deltan Dallagnol para o procurador suíço, o ex-procurador afirma que a notícia dada pelos suíços cairia como "uma bomba no Brasil".

No dia 20 de janeiro de 2016, Lenz mandou uma mensagem para Dallagnol: "tenho algumas más notícias". A má notícia era a formalização na Justiça suíça de que o envio de um documento que os suíços fizeram para a Lava Jato era, nas palavras de Lenz, "ilegal".

O documento em questão foi enviado por canais oficiais, mas a Odebrecht conseguiu, por meio de uma ação, frear o uso por alguns meses.

Dessa maneira, os documentos não precisam ser devolvidos, mas tampouco poderiam ser usados pelos procuradores brasileiros, até que uma decisão fosse tomada sobre o papel em questão.

Má notícia 

Ao tomar conhecimento da "má notícia", o ex-procurador Deltan Dallagnol apresenta algumas formas de apresentar a "má notícia" como algo positivo para a Operação Lava Jato.

Deltan Dallagnol: Stefan, a má notícia vai soar como uma bomba aqui... Gostaríamos de estar preparados para colocar os fatos sob a perspectiva correta para a imprensa, quando esse assunto vier a público (provavelmente hoje ou amanhã, eu acho). Você poderia compartilhar conosco o raciocínio ou a decisão, ou a própria decisão? Depois disso, outra pergunta independente da primeira: poderíamos revelar publicamente os termos da decisão, na medida em que isso seja necessário para esclarecer o que aconteceu?

Dallagnol continua: Muitas dúvidas estão surgindo aqui, como, por exemplo: se o tribunal disse que a ODE [Odebrecht] tem o direito de recorrer, então os documentos poderiam ter sido enviados somente após a decisão?

O ex-procurador e líder da Lava Jato temia que, se o tribunal dissesse que a transmissão era ilegal, a Odebrecht conseguisse retirar todos os documentos do arquivo do caso no Brasil.

Então, Dallagnol faz uma proposta para o procurador suíço: "Eles dirão que tudo é fruto de uma árvore envenenada, e é provável que o tribunal aqui aceite essa teoria... talvez pudéssemos ter outra teoria sobre a mesa: descoberta inevitável, se os documentos viessem de qualquer maneira... apenas um brainstorming aqui".

Stefan Lenz pediu um tempo para tratar do assunto com o Escritório de Justiça Federal da Suíça. Mas garantiu que "a solicitação em si, com todas as informações nela contidas, foi declarada absolutamente legal". Posteriormente, o procurador suíço afirmou que iria preparar, junto com sua equipe, um comunicado à imprensa e de forma clara, pediu:

"Encaminhem os jornalistas para o escritório do Procurador Geral quando eles entrarem em contato com vocês a respeito dessa decisão. Sua equipe de comunicação será contatada amanhã para coordenar. Entrarei em contato com vocês amanhã", afirmou.

Deturpação

Depois de aparentemente terem uma estratégia de comunicação combinada, os brasileiros desfazem o trato e avisam o procurador suíço que vão adiante com o comunicado de imprensa e que iriam convocar os jornalistas. Isso acontece porque a Odebrecht ia tornar pública a decisão em torno do documento. Lenz rebate imediatamente.

"Não foi isso que combinamos [...] foi combinado dizer aos jornalistas para entrarem em contato com nossa equipe de imprensa e não fazer nenhum comentário no momento!", respondeu Lenz.

No entanto, os procuradores da Lava Jato seguem adiante e, na versão construída do comunicado, não há referência às preocupações que os membros da Lava Jato exprimiam nas conversas confidenciais nem sobre a obtenção de informações por fora dos canais oficiais, apenas sobre uma suposta vitória da Lava Jato contra a Odebrecht:

"Odebrecht sofre derrota na Justiça suíça 

A empresa tentava impedir o Ministério Público Federal de usar provas suíças que demonstram que pagou propinas a funcionários da Petrobras.

A empresa Odebrecht, por meio de uma das offshores que controla no exterior, recorreu na Suíça contra a remessa de documentos bancários ao Brasil em pedido de cooperação internacional formulado por aquele país. Este pedido objetivava a colaboração das autoridades brasileiras para a apuração conduzida pelo Ministério Público da Suíça, que também investiga aquela empresa e seus funcionários pela prática de corrupção e lavagem de dinheiro. Com o recurso, a Odebrecht almejava impedir o uso, no Brasil, dos documentos bancários suíços que comprovam que ela pagou propinas multimilionárias, mediante depósitos diretamente feitos nas contas controladas por funcionários da Petrobras. Contudo, o Tribunal suíço concedeu à empresa apenas o direito a um recurso interno, tal qual ocorreria caso o pedido de cooperação tivesse partido do Brasil para a Suíça. Com relação ao uso dos documentos já enviados ao Brasil, o Tribunal suíço reconheceu que os documentos não precisam ser devolvidos, o que somente ocorreria caso o recurso a ser apresentado à decisão suíça viesse a ser julgado em favor da Odebrecht. Assim, a decisão não tem qualquer efeito sobre a acusação criminal contra executivos da empresa, amparada em amplas provas de pagamentos de propinas no Brasil e no exterior e do desvio de bilhões de reais dos cofres públicos."

Após tomar conhecimento do comunicado, Lenz respondeu: "Boa sorte!"

O comunicado redigido à época segue no site do Ministério Público Federal, com data de 2 de fevereiro de 2016.

No início desta semana, o ministro da Justiça, Flávio Dino, revelou que determinou à Polícia Federal que investigue todas as transações feitas pela Lava Jato com procuradores e investigadores internacionais. 

A Lava Jato só pôde usar os documentos e extratos apenas um ano depois do comunicado de "derrota da Odebrecht".

O levantamento completo e as trocas de mensagens entre Deltan Dallagnol e o procurador suíço podem ser conferidos aqui.