ONDE ESTÁ O PORTEIRO?

“Quem autorizou foi seu Jair” – a mudança do depoimento do porteiro do Vivendas da Barra

Pressionado por Moro, então ministro da Justiça de Bolsonaro, porteiro do condomínio mudou completamente seu depoimento

Moro e Bolsonaro em 2019.Créditos: Presidência da República
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Alberto Jorge Ferreira Mateus era o porteiro do condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro, no dia 14 de março de 2018. No local moravam o ex-presidente Jair Bolsonaro e o sargento da reserva da Polícia Militar, Ronnie Lessa.

Na data fatídica, dia em que a então vereadora Marielle Franco foi assassinada a tiros, o réu confesso Élcio Queiroz esteve no local para visitar Lessa que, segundo ele, foi o autor dos tiros que mataram Marielle. De acordo com depoimento de Élcio, em delação premiada, os dois saíram de lá e cometeram o crime.

O porteiro Alberto Jorge afirmou na época, em um primeiro depoimento, que quem autorizou a entrada de Élcio no local foi “seu Jair”, morador da casa 58, o endereço do então deputado federal Jair Bolsonaro.

Élcio teria dito na portaria que iria na casa de Bolsonaro, mas se dirigiu à casa de Lessa.

Naquele dia, Bolsonaro estava no Congresso em Brasília, segundo o registro da presença dos parlamentares.

Depoimento divulgado pelo JN

O depoimento do porteiro à Polícia Civil foi divulgado pelo Jornal Nacional, da TV Globo, no dia 29 de outubro de 2019. Um dia depois, o já devidamente nomeado ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, pediu à Procuradoria Geral da República e à Polícia Federal que investigassem o depoimento do porteiro.

A procuradora do Ministério Público Simone Sibilio, chefe do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (GAECO), afirmou no mesmo dia à revista Veja que o porteiro mentiu em seu depoimento.

Quem teria autorizado a entrada de Élcio Queiroz no condomínio do presidente, segundo ela, seria Ronnie Lessa.

De acordo com a Veja, o porteiro prestou dois depoimentos, nos dias 7 e 9 de outubro e 2019. No primeiro, teria dito que ligou para casa de Bolsonaro. No segundo, ao ser confrontado com registro em áudio da chamada feita no horário informado, manteve sua versão, mas os investigadores colocam em questão sua veracidade.

"O porteiro mentiu, e isso está provado por prova técnica", afirmou Simone Sibilio, segundo a revista.

Antes disso, em ofício, enviado ao procurador-geral da República, Augusto Aras, Moro diz que a presença de Bolsonaro em Brasília "sugere possível equívoco na investigação conduzida no Rio de Janeiro ou eventual tentativa de envolvimento indevido do nome do Presidente da República no crime em questão, o que pode configurar crimes de obstrução à Justiça, falso testemunho ou denunciação caluniosa, neste último caso tendo por vítima o Presidente da República, o que determina a competência da Justiça Federal e, por conseguinte, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal".

"Para que os fatos sejam devida e inteiramente esclarecidos, por investigação isenta, venho através desta solicitar respeitosamente a V.Ex.ª que requisite a instauração de inquérito para apuração, em conjunto, pelo Ministério Público Federal e Polícia Federal, perante a Justiça Federal, de todo o ocorrido e de todas as suas circunstâncias", diz Moro no ofício.

Em seu ofício, no entanto, Moro se esqueceu de destacar que a tecnologia permite que a autorização por interfone seja feita de qualquer lugar do planeta, desde que ele esteja conectado a um telefone celular.

À Folha de S. Paulo, o procurador-geral da República Augusto Aras afirmou que o episódio é um "factoide" e que remeterá ao Ministério Público Federal pedido feito por Moro para que se investiguem as circunstâncias do depoimento do porteiro do condomínio.

A gravação da portaria

Uma gravação do interfone da portaria aponta que foi Lessa quem autorizou a entrada do ex-PM, afirma perícia do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Essa análise foi usada pela Promotoria para contradizer o depoimento do porteiro.

O jornal Folha de S.Paulo revelou, contudo, que a perícia do Ministério Público não avaliou a possibilidade de algum arquivo ter sido apagado ou renomeado antes de ser entregue às autoridades. Ela tinha como único objetivo instruir a ação penal contra os acusados de matar Marielle e Anderson, provando o encontro dos dois réus.

A misteriosa mudança de depoimento

Em um depoimento no mês seguinte, em 19 de novembro de 2019, o porteiro afirmou que anotou errado no caderno de registros o número da casa para a qual o visitante disse que iria. Em vez de escrever casa 66, anotou “58”. De acordo com o colunista de “O Globo”, Lauro Jardim, ele disse à Polícia Federal, corrigindo dois depoimentos dados anteriormente à Polícia Civil, que se sentiu pressionado por ele próprio pelo “erro” e resolveu inventar a versão sobre a conversa com o “seu Jair”.

Os investigadores, porém, ainda têm dúvidas de por que ele apresentou versões diferentes nos depoimentos e se teria sido pressionado – e por quem – a mentir.