Alçado ao Ministério da Defesa para apaziguar os ânimos golpistas na cúpula militar, atuando extraoficialmente já nos dias finais do governo Jair Bolsonaro (PL), José Múcio estaria causando mais um embaraço ao presidente Lula, que anunciou ainda durante a campanha que encerraria o programa de escolas cívico-militares.
O anúncio aconteceu no dia 10 de julho em ofício enviado aos secretários de Educação informando sobre o " progressivo encerramento do programa" após avaliação das equipes da Secretaria de Educação Básica, Ministério da Educação e Ministério da Defesa, seguindo nota técnica do MEC.
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“As características do Programa e sua execução até agora indicam que sua manutenção não é prioritária e que os objetivos definidos para sua execução devem ser perseguidos mobilizando outras estratégias de política educacional. Desaconselhamos que o Programa seja mantido”, diz a nota.
O decreto que revogou o documento que criou o programa, em 2019, foi publicado na edição desta sexta-feira (21) do Diário Oficial da União e conta apenas com as assinaturas de Camilo Santana, ministro da Educação, e de Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
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"O Ministério da Educação estabelecerá, no prazo de trinta dias, contado da data de publicação deste Decreto, plano de transição com vistas ao encerramento das atividades reguladas pelo Decreto nº 10.004, de 2019, por meio de pactuação realizada com as secretarias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios responsáveis pelas escolas vinculadas ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares", diz o decreto, datado no dia 19 de julho.
Segundo informações de Igor Gadelha no portal Metrópoles, José Múcio teria se recusado a assinar o decreto para colocar fim no programa de Bolsonaro, que paga bônus de até R$ 9 mil a militares que atuam nas escolas.
Integrantes do Ministério da Defesa alegam que a decisão de acabar com o programa foi exclusivamente uma "política educacional" de responsabilidade do MEC.
Além de retirar a assinatura de Múcio, a Defesa ainda teria pedido para que menções aos militares fossem excluídas do decreto.
Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim)
Herança do governo Bolsonaro, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) esconde uma tentativa de de militarização das escolas e são um projeto das Forças Armadas, segundo a pedagoga e doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP), Catarina de Almeida Santos.
Em entrevista ao Fórum Onze e Meia, Catarina afirma que é preciso entender o que está por trás da militarização escolas, quais seus impactos e quais as perspectivas, de forma geral, para a educação no Brasil.
“Se a criação do Pecim contribuiu para a expansão e ajudou nesse processo de militarização, há lógica em acreditar que o fim do Pecim possa frear esse processo. Mas essa descontinuidade do Programa precisa vir acompanhada de uma ação de desmilitarização, já que é um processo ilegal e inconstitucional, que não está previsto em nossa base legal, nem na Lei de Diretrizes e Bases da educação”, explica Catarina.
O modelo das escolas cívico-militares é diferente daquele das escolas militares mantidas pelo Exército, são as chamadas escolas militarizadas. Para além do Pecim, a militarização de escolas é realidade também como medida de governos estaduais e municipais no Brasil, e exige debate. Para a pedagoga, que atualmente é professora associada da Universidade de Brasília (UnB), isso faz parte de um projeto de manutenção da estrutura social que engloba, também, iniciativas como o homeschooling e o projeto Escola Sem Partido.
“É um projeto de sociedade que está imbricado na lógica da militarização, assim como em todas as bandeiras conservadoras, de conservação dessa estrutura presente em nossa sociedade. Portanto, não é possível analisar a militarização das escolas fora desse projeto, fora da militarização do Estado como um todo, e da militarização em âmbito mundial”, disse (leia a entrevista na íntegra).
Confiança maior em professores
Em audiência em abril na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, o ministro da Educação, Camilo Santana, lembrou que, de acordo com pesquisa encomendada pelas entidades civis Ação Educativa e Centro de Referências em Educação Integral (Cenpec), 72% dos brasileiros confiam mais em professores do que em militares para atuarem nas escolas.
O ministro destacou ainda que o programa teve pouca adesão de gestores públicos locais, motivo pelo qual somente 0,28% das 138 mil escolas do país adotam hoje o método cívico-militar. Na avaliação do mandatário, os números fortalecem a leitura de que há falta de interesse da rede educacional nesse tipo de proposta.
“Foi uma decisão unilateral do MEC à época. Na Lei de Diretrizes e Bases [da Educação Nacional] e no Plano Nacional de Educação, não há qualquer menção de incluir as Forças Armadas na educação básica do país”, afirmou. Ele ressaltou que, por conta disso, a política também é alvo de questionamentos por falta de previsão normativa.