Há mais de uma década, a Lei de Cotas (Lei 12.711/2012) mudou a cara dos ensinos técnico e superior no Brasil. A legislação determinou que as universidades e institutos federais destinassem metade de suas vagas para estudantes que tenham cursado o Ensino Médio em escolas públicas, com aplicação de reserva destinada a negros, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência e com recorte de renda. Agora, depois de dez anos, o texto prevê que seja realizada uma revisão da lei.
Essa revisão é o que estabelece o PL 5384/20 que tramita em caráter de urgência na Câmara, com previsão de que seja votado no segundo semestre deste ano. Para debater a matéria, a Casa realiza uma audi??ncia pública na próxima quinta-feira (29) que contará com a presença de representantes de quatro ministérios, a ex-ministra Nilma Lino Gomes e entidades do movimento negro e da educação. (confira a lista completa dos convidados abaixo)
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A audiência pública é uma iniciativa da deputada Dandara Tonantzin (PT-MG), coordenadora da Frente Parlamentar Mista Antirracismo. Ela assumiu a relatoria do projeto há quase três meses e já passou por mais de dez universidades públicas para construir o novo texto da lei de forma coletiva.
Dandara comenta que a audiência pública será mais um importante espaço de seguir escutando as demandas das organizações dos movimentos negro, estudantil, indígena, quilombola, das pessoas com deficiência e do conjunto da intelectualidade negra. "Passados dez anos da sanção da lei, é preciso fazê-la avançar", observa a parlamentar.
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"Entre as diversas demandas que já recebemos, consideramos essencial para o aprimoramento da lei: a regulamentação das bancas de heteroidentificação para verificação da autodeclaração e para combater as fraudes, a garantia da prioridade aos cotistas, que necessitem de apoio financeiro, às políticas de assistência estudantil, ampliação das cotas para a pós-graduação (mestrado e doutorado) e o aperfeiçoamento da seleção dos cotistas através da criação de um modelo único de ingresso pelas cotas a iniciar pela ampla concorrência. Queremos debater com o conjunto da audiência pública essas prioridades", apontou Dandara.
Dandara tem 29 anos e é a mais jovem negra deputada federal e faz parte da nova geração de lideranças políticas que ocupa a Câmara Federal em uma legislatura com a maior diversidade de raça e gênero da história. Cotista tanto na graduação quanto na pós, é formada em pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e mestre em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
"A adoção da política de cotas é uma das maiores conquistas da sociedade brasileira desde a redemocratização - resultado de décadas de discussão, mobilização, suor e sangue do povo preto e pobre em nosso país. Em uma sociedade de privilégios, aperfeiçoar a lei de cotas significa democratizar a fundo a educação superior em nosso país", completa a deputada.
Política afirmativa
A política de reserva de vagas mostrou ser uma eficiente política de ação afirmativa destinada a estudantes que buscam ingressar nas instituições federais de ensino. Ao garantir vagas para estudantes pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência, além dos que cursaram o ensino médio em escolas públicas, a Lei de Cotas não fez apenas justiça social, realizou o sonho de milhares de brasileiros que sempre sonharam com educação pública, gratuita e de qualidade garantidas pelas instituições federais de ensino.
Quando promulgada, a Lei de Cotas estabeleceu ser revisada após dez anos de sua publicação. Apesar do sucesso apresentado pela lei em tornar diverso e plural o ingresso nas instituições federais de ensino, ainda não é chegado o momento dessa revisão, aponta o texto do PL 5384/20.
"Assim, considerando que as nefastas consequências da escravidão, do racismo estrutural em nosso país, é preciso tornar permanente a reserva de vagas nas instituições mencionadas. Ressalve-se que a política de reserva de vagas é uma, das várias politicas que precisam ser tomadas, para se efetivar a redução de desigualdades em nosso país. Em outras palavras, o Brasil precisa implementar diversas medidas, reformas, para se tornar um país mais justo para poder realizar as promessas insculpidas no texto constitucional de 1988", diz a justificativa do texto.
O projeto para revisar a Lei de Cotas que tramita no Legislativo pretende aperfeiçoar um aspecto importante da legislação: consolidar o serviço de assistência estudantil como política complementar. Afinal, muitos estudantes enfrentam dificuldades financeiras durante a realização do curso.
Desempenho dos cotistas
Diversos estudos atestam o bom desempenho dos estudantes que ingressam nas instituições federais de ensino pela reserva de vagas criadas pela legislação. Entre eles, o 'Desempenho acadêmico e o sistema de cotas no ensino superior: evidência empírica com dados da Universidade Federal da Bahia'.
O trabalho avaliou o desempenho acadêmico relacionado à forma de ingresso na Universidade Federal da Bahia (UFBA), seja pelo sistema de cotas ou pelo sistema de ampla concorrência. Utilizando dados de 8.546 estudantes que ingressaram a partir de 2005 e graduaram até 2013, o artigo apresenta os resultados de estimativas utilizando o Propensity Score Matching (PSM - Correspondência de pontuação de propensão, em tradução livre) com diferentes métodos de pareamento em dados e quatro medidas de desempenho acadêmico.
"Os resultados indicam que, de forma agregada, os estudantes cotistas apresentam um desempenho aparentemente inferior aos não cotistas. No entanto, os modelos estimados por áreas de conhecimento mostram que os diferenciais de desempenho permanecem apenas para a área de Ciências da Saúde, indicando que fatores socioeconômicos são mais relevantes para o desempenho do aluno na universidade do que sua forma de ingresso", revela o estudo.
A adoção da política de cotas é uma das maiores conquistas da sociedade brasileira desde a redemocratização e é resultado de décadas de discussão, mobilização, suor e sangue do povo preto e pobre em nosso país. Em uma sociedade de privilégios, aperfeiçoar a lei de cotas significa democratizar a fundo a educação superior em nosso país.
Participantes da audiência pública
- Nilma Lino Gomes - ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República
- Zara Figueiredo - Secretaria da Secadi/Ministério da Educação
- Eliel Benites - Diretor de Departamento de Línguas e Memórias Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas
- Marta Lícia - Diretora do Proifes Federação e presidenta APUB-Sindicato
- Carlos Abicalil - Mestre em Gestão de Políticas Públicas de Educação
- Givânia Maria da Silva - Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq)
- Onésio Soares Amaral - Procurador da República (MPF)
- Representante do Ministério da Igualdade Racial
- Representante do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania
- Representante da Uneafro
- Representante do Observatório de Políticas Afirmativas do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis (Fonaprace)
Serviço
Audiência pública "As cotas abrem portas: ações afirmativas, justiça racial e democracia no Brasil"
Quinta-feira (29), às 14h, no plenário 1 da Câmara dos Deputados