Deltan Dallagnol teve seu mandato de deputado federal cassado por unanimidade em julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no dia 16 de maio. Apesar disso, o ex-procurador conseguiu registrar presença na Câmara nesta terça-feira (30) e ainda computar seu voto a favor do o PL 490/2007, que institui a tese do marco temporal e que representa um retrocesso nas regras para demarcação de terras indígenas.
Dallagnol foi um dos que contribuiu para a aprovação do texto-base do PL do Marco Temporal, que é considerado inconstitucional e que configura um ataque sem precedentes aos direitos dos povos originários. Ao todo, foram 283 votos favoráveis e 155 contrários.
Pouco antes da votação, o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) pediu questão de ordem para solicitar que o voto de Dallagnol não fosse validado. Em sua explanação, o parlamentar psolista relembrou que o ex-procurador "fugiu" da notificação feita pela Corregedoria da Câmara sobre sua cassação.
O órgão corregedor da Casa, após a decisão do TSE, tentou encontrar o Dallagnol, mas não obteve sucesso. Ao todo, foram três tentativas de notificar o ex-procurador. Por causa disso, a notificação foi publicada em Diário Oficial na terça-feira (23).
"Existe um parlamentar que está aqui exercendo direito de voto e que foi cassado pelo TSE. Na semana passada houve um questionamento sobre o voto desse parlamentar, e então tinha sido tentada a notificação por três vezes. Não foi notificado, fugiu da notificação e foi, então, notificado por edital, dando-se a ele um prazo de 5 dias para resposta. Ele agora inventa um evento de efeito suspensivo para que seu mandato não venha a ser cassado. Pergunto: como um deputado cassado pelo TSE, no caso o senhor Dallagnol, pode exercer o direito de voto para estar aqui golpeando os povos indígenas do país?", questionou Glauber Braga.
"Não pode. O direito de voto dele não poderia estar sendo exercido. Peço à Mesa Diretora que suspenda o seu voto porque ele fugiu da notificação, tá procrastinando uma cassação já proclamada pelo TSE", prosseguiu o deputado do PSOL.
Em resposta a Braga, o quarto secretário da Mesa Diretora da Câmara, deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO), se limitou a dizer que enquanto a mesa não se reunir para "fazer o quer tem que fazer", Dallagnol seguirá exercendo o mandato.
À Fórum, um assessor parlamentar explicou que Dallagnol conseguiu votar pois há um rito no qual o corregedor da Câmara precisa receber a denúncia para, depois, o caso passar pela Mesa Diretora. Este rito, entretanto, até o momento não foi cumprido. Em outras palavras, a Câmara ainda não acatou a decisão proferida pelo TSE e Dallagnol, apesar de cassado, segue exercendo seu mandato.
A expectativa é que, nos próximos, dias, o corregedor da Câmara, após receber a defesa de Dallagnol, encaminhe o caso à Mesa Diretora para que seja feita a análise dos aspectos formais do processo e, assim, seja efetivada a perda do mandato. O ex-procurador, entretanto, ainda tenta movimentações junto a membros da Mesa Diretora na tentativa de reverter sua cassação.,
O fato de um deputado cassado ter computado voto ainda pode ensejar uma representação para que toda a votação do PL do marco temporal seja anulada.
Confira como votou cada deputado e deputada aqui.
Marco temporal aprovado; entenda
O plenário da Câmara aprovou nesta terça-feira (30) o PL 490/2007, do marco temporal, matéria que representa um retrocesso nas regras para demarcação de terras indígenas. A proposta foi aprovada por 283 votos favoráveis e 155 contrários. Agora, segue para apreciação pelo Senado.
O marco temporal é uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só têm direito à demarcação de suas terras tradicionais se estivessem ocupando essas terras em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil.
Na última quarta-feira (24), por 324 votos a favor e 131 contra, deputados e deputadas aprovaram o regime de urgência para o projeto do marco temporal, que determina que só serão demarcadas as terras indígenas tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
A matéria agora será encaminhada para análise do Senado.
Entenda o marco temporal
O marco temporal é uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só têm direito à demarcação de suas terras tradicionais se estivessem ocupando essas terras em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil.
Segundo essa tese, as terras que estavam desocupadas ou ocupadas por outras pessoas naquela data não podem ser demarcadas como terras indígenas. Esses territórios podem ser considerados propriedade de particulares ou do Estado, e não mais dos povos originários que a habitam.
A tese tem sido defendida por setores ruralistas e políticos contrários aos direitos dos povos indígenas, que argumentam que a falta de uma data definida para a ocupação das terras pelos indígenas gera insegurança jurídica e conflitos fundiários.
Por outro lado, o marco temporal é amplamente criticado por juristas, organizações indígenas, movimentos sociais e ambientalistas, que apontam que a tese é um retrocesso aos direitos dos povos indígenas e uma afronta à sua dignidade e sobrevivência.
Além disso, muitas comunidades indígenas foram expulsas de suas terras durante a ditadura militar e só conseguiram retornar após a data estabelecida pela tese, o que pode resultar em graves violações dos direitos humanos desses povos.