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Governo Tarcísio em SP não quer pessoas em situação de rua e já tem plano de "limpeza"

Apesar da maquiagem que promete “empregos” e “qualidade de vida” no campo, a proposta que ainda carece de maiores informações foi desmontada pelo Padre Júlio Lancellotti e por uma especialista da Defensoria Pública

Morador de rua dorme no Páteo do Colégio na primavera de 2016, em São Paulo.Créditos: Raphael Sanz
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São Paulo, a maior cidade do país e seu centro financeiro e de serviços, não costuma apresentar o menor apreço nem ao mundo do trabalho e menos ainda às populações que estão excluídas dele, como é o caso dos moradores em situação de rua na megalópole. O velho sonho dos faria limers de ontem e hoje sempre foi o de ver a cidade limpa. Não da miséria, mas dos miseráveis. E esse ‘sonho’ citadino de alguns – e pesadelo de muitos – agora ganha a chancela do Governo do Estado, que encabeçado pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) promete um programa "social" que prevê o envio da população ‘indesejada’ ao interior com a promessa de empregos no campo.

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Deve ser lançado nos próximos dias o programa “Saindo das Ruas”, com o qual o governo estadual pretende 'limpar' a capital. O envio da população alvo seria feito através de incentivos a produtores rurais que contratassem pelo menos uma pessoa oriunda das ruas de São Paulo. A contrapartida seria o Estado comprar a produção em questão.

Além disso, o custo do transporte, é claro, não será pago pelo patrão, mas pelo próprio Estado de São Paulo, cujo presente governo promete abrir vagas, no mesmo programa, para empregos ligados a área de gastronomia.

“O campo traz qualidade de vida, a gente está falando de produções orgânicas de famílias agriculturas que tenham interesse de poder trabalhar com essas pessoas como mão de obra qualificada e, obviamente, com salário bem pago”, afirmou à imprensa o secretário executivo de Desenvolvimento Social de São Paulo, Filipe Sabará.

Em teoria, o programa busca recuperar uma lei de 2011 que busca estimular a produção da agricultura familiar destinando verbas para a compra das produções. Segundo avaliação do governo estadual, a lei não vinha sendo posta em prática nos últimos anos. Então, aproveitou-se a recente repercussão envolvendo setores da população em situação de rua de São Paulo, sobretudo episódios relacionados à cracolândia, para lançar o programa em conjunto com a lei de 2011.

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Ao G1, Fernanda Balera, que é coordenadora-auxiliar do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública, questiona alguns pontos da proposta, que ainda não foi totalmente divulgada para o público. Ela se preocupa com quatro pontos do programa que ainda não foram explicados. O primeiro, como seria feito o convencimento dos alvos do programa a se mudarem da cidade. O segundo, de que carecem informações sobre como se daria a capacitação dos mesmos. Além disso, preocupam temas como remuneração, moradia, condições de trabalho, e os perigos de que vivam em empregos análogos à escravidão.

O Padre Júlio Lancellotti, famoso coordenador da Pastoral do Povo de Rua, quando questionado, apresentou os mesmos questionamentos.

“Como seriam feitos os contratos? As pessoas teriam residência onde? Como seriam alojadas? Seriam registradas? Como seria feito esse registro e quais os direitos trabalhistas que as pessoas teriam? Qual o salário? Os produtores estariam dispostos a receber? Seria só uma pessoa por produtor? Precisamos saber de tudo isso de antemão”, declarou Lancellotti.

A conta da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento é que há, em São Paulo, 187 mil famílias agricultoras e 86 mil moradores de rua – 52 mil na capital. Essas famílias estariam dispostas a empregar novos funcionários. Logo, há vagas para todos. Mas infelizmente as coisas não são nem tão simples, nem tão matemáticas. O Padre Júlio Lancellotti, que convive diariamente com o ‘público alvo’, explica.

“No estado de São Paulo, conseguir fazer isso com 86 mil pessoas, eu acho um pouco utópico. Porque nem todas essas pessoas têm condições de trabalhar em produção agrícola, em plantações e colheitas. Existem pessoas com problemas mentais, físicos. Existem mulheres com crianças que estão radicadas aqui, que estão nas escolas e que têm já alguma atividade, como a reciclagem. É uma cultura urbana diferente da rural. Por exemplo, só na Missão Belém há mais de 500 pessoas acolhidas com problemas de saúde. Essas pessoas não vão ter respostas indo para a produção agrícola”, analisou o Padre Júlio Lancellotti.

Balera confirma a visão do Padre Júlio e lembra que “a política de expulsão de pessoas em situação de rua ofende o direito constitucional à liberdade e a diretriz da Política Estadual de Atenção Específica para a população em questão. Espera-se que tal programa não saia do papel, ou que apresente uma reviravolta digna de debate.