Desde que o escândalo das joias de Jair e Michelle Bolsonaro veio à público no último dia 3 de março, a imprensa se empenhou em destrinchar o caso. Nesse meio tempo, uma série de apurações deram conta de que o governo Bolsonaro pressionou servidores da Receita Federal, omitiu informações e silenciou sobre o escândalo a fim de se resguardar para as eleições de 2022. O objetivo era que o escândalo não atrapalhasse uma possível reeleição.
Nesse contexto, é importante pontuar que a caixa de joias avaliadas em R$ 16,5 milhões, supostamente um presente do governo da Arábia Saudita à Michelle, foram apreendidas em 26 de outubro de 2021 pela Receita Federal no aeroporto de Guarulhos, exatamente um ano antes do segundo turno das eleições de 2022. Na mesma data, um segundo pacote, dessa vez endereçado a Jair Bolsonaro e contendo joias masculinas, passou despercebido pelos fiscais. Ambos os pacotes continham joias da marca Chopard.
De acordo com levantamento do Estadão, o histórico do escândalo recentemente apurado revela uma série de medidas tomadas por pessoas ligadas o governo que buscavam evitar o vazamento de quaisquer informações sobre o caso ao mesmo tempo em que era tentada a liberação, sem o pagamento dos impostos equivalentes, das joias apreendidas.
A primeira tentativa de entrar com as joias foi feita no próprio dia 26 de outubro com a chegada da delegação do Ministério de Minas e Energia, de Bento Albuquerque, ao aeroporto. Apreendido o pacote, nas semanas seguintes Bolsonaro usaria o mesmo ministro para tentar sua liberação.
O segundo intento foi feito pelo próprio Albuquerque, que retornou à área da alfândega para informar aos funcionários que as joias seriam um presente para Michelle Bolsonaro a fim de que a ‘carteirada’ vencesse os procedimentos previstos. Sem sucesso, a terceira tentativa foi enviar um ofício ao Ministério de Relações Exteriores (MRE), em 3 de novembro de 2021, pedindo auxílio na questão. A quarta tentativa foi a resposta do próprio MRE, que solicitou à Receita Federal as informações úteis a respeito do que fazer para liberar a caixa de joias. Mas aparentemente, tais procedimentos não foram encaminhados pelos 'solicitantes'.
Todos esses intentos foram feitos de forma absolutamente discreta. Tanto é que só foram revelados em março deste ano. O cuidado foi tanto que o próprio pacote que superou os olhares da Receita e conseguiu entrar no país só foi entregue a Jair Bolsonaro em novembro de 2022, ou seja, um ano depois e após as eleições. O recibo de entrega do pacote ao ex-presidente foi assinado por Rodrigo Carlos dos Santos e contém um visto de visualização de Jair.
Entre os cuidados tomados também consta o adulteramento de informações enviadas ao governo saudita. Em carta de 22 de novembro de 2021 endereçada a autoridades sauditas na qual agradecia pela estadia no país, apenas um mês após a apreensão de um dos pacotes, Albuquerque mentiu ao afirmar que os presentes teriam sido incorporados ao acervo da Presidência da República e ao omitir tanto a apreensão das joias de Michelle como a adição das joias de Jair ao seu acervo pessoal. O objetivo, mais do que ludibriar os árabes, parece ter sido o de não levantar poeira em casa.
Ao mesmo tempo em que guardava as joias de Jair a sete chaves, o governo pressionava servidores da Receita Federal pela liberação das joias de Michelle. Após 37 dias sem obter a liberação das joias de Michelle, o governo demitiu o então chefe da Receita, José Tostes, e colocou em seu lugar Júlio César Vieira Gomes, um auditor fiscal de carreira próximo do clã Bolsonaro. À época, a demissão foi divulgada na imprensa como uma reestruturação do Ministério da Economia. Tal divulgação tinha como objetivo minimizar a repercussão da demissão de Tostes.
Demitido por Guedes na suposta “reestruturação do ME”, Tostes ganharia um cargo em Paris, na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), prometido pelo então ministro da Economia. Mas após deixar a Receita Federal jamais assumiu o novo cargo.
Com Gomes à frente do órgão, começou a haver fortes pressões vindas da chefia sobre servidores que tivessem informações sobre o pacote. Informações divulgadas pela imprensa dão conta de que os fiscais tinha medo até mesmo de acessar os sistemas internos com os arquivos do escândalo. Falar sobre isso nas rodas de conversas profissionais? Nem pensar! O próprio Gomes chegou a solicitar por telefone que um servidor liberasse o pacote, mas graças à estabilidade prevista pelo funcionalismo público, na "hora do vamos ver", o servidor se recusou a aprovar a irregularidade.
Já em 2023, com o escândalo ser devidamente publicizado, servidores ainda denunciaram o que seriam investidas extraoficiais da chefia para manter silêncio sobre a questão. A coisa basicamente girou em torno da pressão interna pelo "esquecimento". Nesse contexto, um auto de infração por parte da Receita Federal, emitido em 23 de fevereiro de 2022, que alegava “perdimento aos bens por abandono”, não recebeu quaisquer manifestações do governo. Assim, o “abandono” ficou confirmado oficialmente em 25 de julho de 2022 – a menos de três meses das eleições. E não se falou mais no assunto, nada foi revelado.
Sem levantar suspeitas no ofício enviado aos sauditas e mantendo o silêncio dos servidores à mão de ferro, Bolsonaro esperou passarem as eleições para retomar as investidas na recuperação das joias. Após a derrota no pleito, e apenas dois dias de acabar seu mandato, o ex-presidente teria enviado um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) a Guarulhos em última tentativa. Sem sucesso, partiu para os EUA horas depois. Hoje, o escândalo pode levá-lo à cadeia segundo avaliação de lideranças do PL que buscam convencê-lo a adiar o retorno ao Brasil.