O escandaloso caso protagonizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao tentar entrar no Brasil, enganando a Receita Federal, com joias avaliadas em R$ 16,5 milhões, “recebidas como presente” pela ex-primeira-dama Michelle, das mãos da monarquia absoluta da Arábia Saudita durante uma viagem de Estado, o que é crime pela legislação brasileira, uma vez que os objetos valiosíssimos deveriam ser cedidos ao acervo da Presidência da República, mostra as diferenças gritantes existentes no trato com a coisa pública entre o líder de extrema direita que deixou o Palácio do Planalto há pouco mais de dois meses e seus antecessores.
No final de 2003, quando Lula estava prestes a completar o primeiro ano de seu primeiro mandato, a então primeira-dama Marisa Letícia acompanhou o petista numa viagem oficial aos Emirados Árabes Unidos. Lá, num evento apenas para mulheres, a então esposa do presidente brasileiro recebeu joias caríssimas da esposa do xeique Zayed bin Sultan Al Nahyan, o fundador dos Emirados Árabes, Fátima, erroneamente chamada pela imprensa brasileira de “rainha”.
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Com absoluta consciência de que não ficaria com aquela fortuna em ouro, diamantes e pedras preciosas, Marisa Letícia ainda assim não recusou o “presente”, já que o ato poderia ser considerado um insulto aos governantes locais. Ela recolheu os objetos, repassou ao protocolo de Estado que acompanhava o casal presidencial brasileiro e imediatamente explicou aos assessores as razões para não ter recusado o “mimo”.
Dias depois, o Palácio do Planalto anunciou o destino das joias, que obviamente não ficariam com a então primeira-dama por uma questão de probidade e de ética. Tudo foi relatado por uma matéria do jornal Folha de S.Paulo, de 13 de dezembro de 2003, escrita pelo repórter Wilson Silveira. Curiosamente o texto ainda mantém acento agudo no vocábulo “jóia”, o que viria a mudar anos depois com a Reforma Ortográfica.
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“A primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva decidiu abrir mão das jóias que ganhou de presente no sábado passado da rainha Fátima, dos Emirados Árabes, durante jantar oferecido às mulheres que integravam a comitiva oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na viagem ao Oriente Médio. Segundo o Planalto, desde o momento em que recebeu as jóias, Marisa sabia que não ficaria com elas, mas não poderia recusar o presente porque, além de ser um gesto mal-educado, poderia criar um incidente diplomático. A assessoria do Planalto argumentou que Marisa se encontrava em país estrangeiro, de cultura diferente da republicana, e não poderia explicar o motivo pelo qual não poderia aceitar o presente. O destino das jóias será anunciado formalmente pelo Palácio do Planalto e uma explicação deverá ser enviada por via diplomática aos Emirados Árabes. Segundo o Planalto, ela não vai recusar as jóias, que já foram aceitas. Simplesmente não as considera um presente pessoal, e sim um presente para o país. No momento, a primeira-dama estuda uma forma de se desfazer do presente sem ferir suscetibilidades do casal real dos Emirados Árabes, onde ela e Lula foram recebidos com deferência conferida a poucos estrangeiros”, reportou Silveira à Folha no "longínquo" ano de 2003.