Desde a noite da última quarta-feira (1) o senador Marcos do Val (Podemos-ES) tem estado em evidência nos meios de comunicação por haver denunciado um plano de golpe de Estado orquestrado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e pelo ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), que envolveria um grampo clandestino sobre o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
A narrativa ganhou uma série de versões nas últimas 48 horas. A principal mudança diz respeito ao mentor e incentivador do plano que de início era o próprio Bolsonaro. Mas após uma reunião com o também senador Flávio Bolsonaro, Do Val passou a tratar Silveira como o grande articulador e entusiasta da conspiração. Essa segunda versão foi dada à Polícia Federal (PF) na última quinta-feira (2).
Nesta sexta-feira (3) o ministro Alexandre de Moraes instaurou investigação sobre denunciação caluniosa contra Do Val e determinou um pente fino em todas as lives, entrevistas e declarações do senador, a fim de apontar as contradições entre as versões apresentadas. Vamos a elas.
Primeira Versão
A primeira versão de Marcos do Val sobre o plano ‘tabajara’ de golpe de estado foi dada em uma transmissão ao vivo nas suas redes sociais, na noite da última quarta-feira (1). Na ocasião, do Val foi provocado por Arthur do Val (o Mamãe Falei) e Renan Santos, do MBL (Movimento Brasil Livre) para, na resposta, entregar o relato. Ele automaticamente furou a Revista Veja, que o havia entrevistado exatamente sobre essas denúncias.
“Ficava ‘puto’ quando me chamavam de bolsonarista. Vou soltar uma bomba aqui para vocês: na sexta-feira [hoje] vai sair na Veja a tentativa do Bolsonaro de me coagir para que eu pudesse dar um golpe de Estado com ele. É lógico que eu denunciei”, declarou na live. Após a revelação, a Veja se apressou em publicar a matéria e ficou difundida a primeira versão dos fatos para o público.
O senador afirma que participou de uma reunião no Palácio do Alvorada no dia 9 de dezembro em que Bolsonaro detalhou o plano para "atirar o país numa confusão institucional sem precedentes desde a redemocratização". Além dele, estava presente o ex-deputado Daniel Silveira, que foi preso na manhã de quinta-feira (2) após perder o foro privilegiado.
Do Val conta que o plano de Bolsonaro era que alguém de confiança se aproximasse do ministro Alexandre de Moraes, que preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e arrancasse dele alguma declaração comprometedora. A conversa seria gravada clandestinamente e o áudio divulgado como estopim para uma convulsão social no país.
Três dias depois, data da diplomação de Lula e dos primeiros ataques bolsonaristas a Brasília, o próprio Do Val teria mandado uma mensagem a Moraes pedindo uma conversa com o ministro para "falar pessoalmente com o magistrado, diante da gravidade do que havia tomado conhecimento". A Veja diz ter tido acesso à mensagem. Ele chegou a relatar os planos para Moraes, que não acreditou.
O senador do Podemos diz que a reunião com Bolsonaro foi marcada para acontecer por volta das 17h30 do dia 9 e que recebeu orientações de Silveira sobre como entrar de forma discreta no Alvorada. “Vou te mandar a minha localização, mas tu não entra não, no Alvorada. E nem chega perto da entrada. Tu não vai aparecer. Tu vai parar o carro no estacionamento que eu vou te mandar a localização. Eu vou estar ali. O carro vai vir buscar a gente”, teria dito Silveira em mensagem de áudio. Mais adiante, Do Val não saberia mais confirmar se o palácio em questão seria o Alvorada ou o Jaburu.
Do Val e Silveira teriam sido levados ao Alvorada por seguranças de Bolsonaro e iniciaram a reunião que durou cerca de 40 minutos. Bolsonaro estava de bermuda, camisa de manga curta e chinelo. Um dos assuntos abordados foi a mobilização de apoiadores nos acampamentos em frente aos quarteis. Foi quando Silveira teria pedido ao então presidente que apresentasse a ideia que “salvaria o Brasil”. A ideia era armar o plano contra Moraes para que o ministro fosse preso e a posse de Lula e as eleições anuladas. “Você será um herói nacional”, teria dito Silveira.
Na reunião, Bolsonaro teria dito que já havia acertado com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo general Augusto Heleno, a participação da Agência Brasileira de Informação (Abin) "que daria suporte técnico à operação, fornecendo os equipamentos de espionagem necessários". Além de Bolsonaro, Do Val e Silveira, outras duas pessoas teria conhecimento do plano.
Nessa primeira versão, dita para a Revista Veja e na live com os militantes do MBL, o ex-presidente Bolsonaro teria sido o mentor do plano e a pessoa que insistiu pela participação do senador, supostamente especialista em inteligência.
Segunda Versão
Após a repercussão e a notícia de que o também senador Flávio Bolsonaro o havia procurado, Do Val foi convocado para depor, a pedido de Alexandre de Moraes, na Polícia Federal. Ele ficou por cerca de 4 horas na sede da corporação, em Brasília, explicando-se sobre o episódio.
No depoimento à Polícia Federal, a história ganhou uma nova versão, muito parecida com a primeira. A principal diferença fica por conta do mentor e entusiasta do plano golpista que deixava de ser o ex-presidente Bolsonaro para receber o protagonismo de Daniel Silveira.
"Que durante toda a conversa, o ex-presidente manteve-se calado; que a sensação que teve era que o ex-presidente não sabia do assunto, e que Daniel Silveira buscava obter o consentimento tanto do depoente como do presidente; que em nenhum momento ex-presidente negou o plano ou mostrou contrariedade ao plano, mantendo-se em silêncio", diz o relatório da PF sobre o depoimento de Do Val.
Horas antes o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, sinalizou a possibilidade de pedir a prisão de Jair Bolsonaro.
Terceira Versão
Em nova entrevista, publicada na manhã desta sexta-feira (3), Marcos Do Val apresentou uma terceira versão dos fatos, que entra em contradição com as anteriores. O principal elemento é a revelação de que pretende pedir o afastamento de Alexandre de Moraes da presidência do inquérito dos atos antidemocráticos. O motivo, segundo o senador, seria o fato de Moraes ter sido citado pelo próprio Do Val no depoimento prestado à PF.
“Em nenhum momento o ministro Alexandre de Moraes solicitou ou verbalizou nada referente sobre formalizar a denúncia que eu passava para ele. Como ele vai entrar nos autos, não pode ser o relator”, afirmou. Moraes em seguida confirmou o encontro com Do Val e a informação de que não deu créditos à narrativa de um “golpe tabajara”, como definiu.
Nessa nova versão, Do Val volta a aliviar a barra de Bolsonaro e diz que o ex-presidente não se manifestou na reunião. Quando questionado se teria sido pressionado por Flávio e Eduardo Bolsonaro para mudar o discurso, limitou-se a agradecer o apoio recebido do filhos do ex-presidente. “Demonstraram que estavam comigo, e me falaram para não desistir do mandato”, afirmou. Do Val cogitou abandonar a política após a primeira versão ir a público.
Quarta Versão
Na manhã desta sexta-feira (3) Do Val fez nova live em suas redes sociais na qual afirmou que as várias versões apresentadas fariam parte de “uma estratégia”.
"Tem repórter aí dizendo, 'ah, o senador está se contradizendo', 'o senador está não sei o que', 'o senador está tendo desequilíbrio emocional'. Tudo isso é proposital. Tem várias técnicas que são utilizadas e estou fazendo o uso de todas elas e eu peço para vocês que a gente continue ombreados nessa missão", diz Do Val.
Em seguida, informa que o ex-presidente Bolsonaro está a par de toda a situação e também revela que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) estão junto com ele nessa estratégia.
"Bolsonaro está sendo comunicado. Gentilmente disponibilizou o ministro da comunicação... o Flávio Bolsonaro, parceiraço. Eduardo Bolsonaro, parceiraço. Fiquem tranquilos que nós estamos trabalhando de forma estratégica e como eu não sou político, eu estou, eu poderia muito bem agora fazer uma coletiva e dizer 'ah, eu me enganei', não, eu estou seguindo a nossa estratégia", declarou o senador sem revelar quem mais faz parte da estratégia, já que ele usou a 1ª pessoa do plural.
Sem conseguir explicar a sua própria estratégia, Marcos do Val concedeu uma entrevista para a CNN Brasil e pressionado pelos jornalistas, apresentou mais uma versão: o choro.
Fingindo estar emocionado, o senador começa a falar sobre a família e sua filha e de repente simula um choro, o que leva a emissora a encerrar a entrevista. Mas, antes de ponto de ser cortado, Do Val afirma: "Filha, isso é por você. Para deixar um Brasil melhor pra você", disse o parlamentar. Mas o que ele quis dizer, que organizar e aplicar um golpe de Estado é uma maneira de deixar o país melhor para as futuras gerações?