GESTÃO CAÓTICA NA 13ª VARA

Sergio Moro é intimado pelo CNJ após fugir por dois meses de oficial de Justiça

Atual senador, Moro ainda escreveu zombaria no mandado de intimação, que foi rebatida pelo corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão: "Ele pode ficar inelegível ou até ter o mandato cassado"

Sergio Moro.Créditos: /Foto: Lula Marques
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Após driblar por dois meses o oficial de justiça incumbido de notificá-lo sobre o inquérito no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Sergio Moro (União) foi finalmente intimado por órgão sobre a investigação decorrente da correição realizada na 13ª Vara Federal, em Curitiba, onde o hoje senador atuou.

Segundo a coluna de Lauro Jardim no jornal O Globo deste domingo (3), o oficial de justiça teve que usar um dos últimos recursos, usando a intimação por hora certa, quando agenda um dia e hora para ser atendido. 

A intimação foi recebido no dia 23 de novembro. Moro, no entanto, fez desaforo e escreveu no mandado que o "corregedor do CNJ não tem jurisdição sobre pessoas não vinculadas ao Judiciário, (sic) com vínculo atual", buscando se safar alegando que agora é político.

"Quem se exonera da magistratura fica responsável pelos atos que praticou no exercício da função. Ele pode ficar inelegível ou até ter o mandato cassado", rebateu o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão.

Périplo

Para tentar intimar Sergio Moro, o oficial esteve no escritório do senador em Curitiba em duas ocasiões, mas não o encontrou. Ele, então, teria pedido o número de telefone de Moro, que foi negado pelos assessores do senador.

Após obter o número, o oficial teria deixado recado e enviado o número de seu telefone, mas Moro não retornou. 

A investigação inédita contra Moro e a sustituta, Gabriela Hardt, apura  possíveis irregularidades na gestão de recursos bilionários oriundos dos acordos de colaboração e de leniência firmados pela operação Lava Jato com a Petrobrás e homologados pela 13ª Vara Federal de Curitiba.

Além deles, são alvos da corregedoria os desembargadores federais Loraci Flores de Lima, João Pedro Gebran Neto e Marcelo Malucelli, todos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

A correição realizada na 13ª Vara e no TRF-4 pontou uma “gestão caótica” dos recursos de acordos de leniência entre 2015 e 2019, período em que a Petrobrás era investigada nos Estados Unidos e Moro comandava a 13ª Vara Federal, que homologou tais acordos com a petrolífera.

Segundo Luís Felipe Salomão, Moro autorizou o repasse de R$2,1 bilhões à Petrobrás no período investigado, e há, nesta movimentação, “indícios de violação reiterada dos deveres de transparência, de prudência, de imparcialidade e de diligência do cargo”. O corregedor nacional de Justiça aponta que esse repasse foi feito “ao ímpeto de efetuar a execução imediata dos termos estabelecidos nos acordos firmados pela força-tarefa, o que terminava por consolidar verdadeira dispensa do devido processo legal”.

Em outras palavras, Moro teria tentado, atendendo aos seus interesses e aos da Lava Jato, à época comandada pelo então procurador Deltan Dallagnol, “fazer voltar” esses recursos dos acordos de leniência para criar a “Fundação Lava Jato”, que seria sediada em Curitiba e promoveria o “combate à corrupção”.

"O alegado combate à corrupção não pode servir de biombo para se praticar, no processo e na atividade judicante, as mesmas condutas que se busca reprimir", escreveu Salomão no despacho em que determinou a abertura de investigação contra Moro.

"Durante a operação intitulada Lava Jato, foi adotado pelo então juiz federal Sergio Fernando Moro, juntamente com integrantes da força-tarefa que se formou para executar aquela operação, critério de destinação dos valores decorrentes dos acordos de colaboração e de leniência absolutamente distante do critério legal de decretação de perda", prosseguiu o corregedor.

Como funcionava o esquema

Segundo o relatório parcial da correição extraordinária realizada na 13ª Vara Federal de Curitiba, que motivou a abertura da investigação contra Moro, os repasses bilionários à Petrobrás foram feitos antes do trânsito em julgado de parte das ações penais que a empresa era alvo. Moro e Gabriela Hardt teriam, ainda, desconsiderado o fato de que a petrolífera estava sob investigação de autoridades norte-americanas desde novembro de 2014, na condição de ré em processos que apuravam suspeitas de corrupção.

“Verificou-se a existência de um possível conluio envolvendo os diversos operadores do sistema de justiça, no sentido de destinar valores e recursos no Brasil, para permitir que a PETROBRAS pagasse acordos no exterior que retornariam para interesse exclusivo da força-tarefa”, diz um trecho do relatório elaborado por membros do CNJ.

Esse “interesse exclusivo da força-tarefa” citado na correição extraordinária se trata da intenção de Moro, Dallagnol e cia de criar a chamada “Fundação Lava Jato”.

De acordo com o mesmo documento do CNJ, a correição extraordinária identificou ausência do “dever de cautela, de transparência, de imparcialidade e de prudência de magistrados que atuaram na Lava Jato, promovendo o repasse de valores depositados judicialmente e bens apreendidos à Petrobrás e outras empresas antes da sentença com trânsito em julgado, que retornariam no interesse de entes privados, como foi o caso da intenção da criação da Fundação Lava Jato com cerca de R$ 2,5 bilhões”.

Na prática, o esquema funcionaria da seguinte maneira: a Lava Jato repassou R$ 2,1 bilhões à Petrobrás e, depois, houve o “retorno” de R$2,5 bilhões que seriam destinados ao “interesse exclusivo” da operação, que seria a criação da tal fundação.

O ministro Flávio Dino, da Justiça, explica: “Foram dois acordos. No primeiro, a Petrobrás aparece como vítima. No segundo, a Petrobrás aparece como autora de danos, com participação dos Estados Unidos e da Suíça. Esse dinheiro teria dois destinos, para a fundação e para pagar alguns acionistas minoritários da própria Petrobrás”.

A declaração de Dino veio após o ministro receber o relatório parcial da correição extraordinária realizada na 13ª Vara Federal. Na ocasião, ele anunciou, ainda, que solicitou à Polícia Federal que constitua um grupo de trabalho junto ao CNJ para apurar o caso.

"[A PF vai] investigar a origem e o destino do dinheiro, de onde o dinheiro veio, como veio, e para onde foi. E se houve, na origem, no uso, no destino, alguma ilegalidade", assegurou Flávio Dino.