Francisco Alves Mendes Filho, conhecido como Chico Mendes teria completado 79 anos nesta sexta-feira (15), caso não tivesse sido assassinado em 1988. Ele foi um líder seringueiro, sindicalista e o maior ativista ambiental brasileiro que lutou pela preservação da Floresta Amazônica ao unir o socialismo com a ecologia.
O ativista segue como inspiração para gerações de pessoas na luta pela defesa do meio ambiente e da humanidade. A Semana Chico Mendes, por exemplo, está em sua 34ª edição pela celebração e homenagem da importância de sua resistência e de seu papel no ativismo ambiental.
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Mendes deixou um legado que foi reconhecido mundo afora: ganhou o Prêmio Global 500 da Organização das Nações Unidas (ONU) e de Medalha da Sociedade para um Mundo Melhor, em 1987; e o título de Cidadão Honorário do Rio de Janeiro em 1988.
Em 16 de dezembro de 2013, dez anos atrás, Chico Mendes foi declarado Patrono Nacional do Meio Ambiente pela Lei nº 12.892/13, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT). O momento marcou 25 anos sem Chico Mendes.
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Quem foi
Chico Mendes nasceu no seringal Porto Rico, no município de Xapuri (AC), em 15 de dezembro de 1944. Ele era filho de nordestinos que migraram para a Amazônia com o incentivo do governo federal e acompanhava o pai seringueiro pela floresta, onde presenciava o desmatamento.
Trabalhou como seringueiro desde os 11 anos de idade, de forma que abdicou da escolaridade em decorrência da necessidade de trabalhar. Ele foi alfabetizado apenas aos 16 anos por um homem que considerou ser seu mestre, Fernando Euclides Távora – militante comunista que participou da Intentona Comunista de 1935 e da Revolução Bolivariana de 1952.
Com Távora, Mendes passou a destacar o sentido político da educação, que o levou a se interessar pelo futuro do planeta e da humanidade. Em 1975, como militante das comunidades eclesiais de base (CEBs), fundou o primeiro sindicato de trabalhadores rurais do Acre, no qual era secretário-geral, em Brasileia.
Em março de 1976, organizou junto do sindicato o primeiro empate, no Seringal Carmen. O empate é uma prática de luta pacífica com o objetivo de impedir o desmatamento da floresta, no qual os trabalhadores se mobilizavam para fazerem uma "barreira humana" nas áreas ameaçadas de destruição por fazendeiros e serralheiros.
A tática dos seringueiros foi o principal mecanismo de resistência contra o desmatamento na Amazônia e a exploração de trabalhadores. O empate ganhou repercussão midiática após o assassinato de Wilson Pinheiro, presidente do sindicato que foi morto a mando de latifundiários na região devido à sua liderança na luta contra jagunços que ameaçavam os posseiros e a integridade da floresta, em 1980.
Em 1977, foi eleito vereador de Xapuri pelo MDB – único partido de oposição autorizado a funcionar no país durante a Ditadura Militar – e recebeu suas primeiras ameaças de morte de fazendeiros. Quatro anos depois, seria eleito presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri.
Chico continuou aplicando os empates, embora as autoridades governamentais de competência ambiental oferecessem projetos de colonização da terra, em que o seringueiro seria um colono-agricultor em 50 a 100 hectares de terra. Na avaliação dele, no entanto, o objeto de trabalho do seringueiro era a floresta, não a terra.
Embora as famílias vivessem nem áreas desde o primeiro ciclo da borracha (1877-1910), elas não eram detentoras das terras de onde tiravam seu principal meio de sobrevivência e eram dependentes dos latifundiários donos das fazendas onde ficavam os seringais.
Os seringueiros, os índios, os ribeirinhos há mais de 100 anos ocupam a floresta. Nunca a ameaçaram. Quem a ameaça são os projetos agropecuários, os grandes madeireiros e as hidrelétricas com suas inundações criminosas.
Mesmo sob desconfiança do trabalho de ecologistas, ele reconheceu a importância da aliança com o grupo que defendia a floresta e com demais movimentos sociais emergentes – feministas, negros e homossexuais. De acordo com ele, "não há defesa da floresta sem os povos da floresta".
Anos depois, ele voltaria sua atenção a projetos de alfabetização e educação política de moradores dos seringais. Mendes apontava que além da exploração dos trabalhadores, o capitalismo detinha uma lógica voraz e destrutiva de exploração – e esgotamento – dos recursos naturais e, portanto, era responsável pela degradação ambiental, pela pobreza e pelas desigualdades sociais.
Ele foi o principal precursor do ecossocialismo no Brasil, ideologia de que é necessária uma superação do capitalismo verde para uma alternativa radical socialista, que prioriza o debate ecológico e a preservação do ambiente natural do planeta, com urgência.
No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade.
Em 1985, promoveu o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, que reuniu centenas de seringueiros na Universidade de Brasília (UnB) e que viria a viabilizar a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros.
Ao conselho, Mendes apresentou uma proposta de reforma agrária que respeita os contextos culturais e sociais específicos de cada região. Conforme sua ideia de Reserva Extrativista, baseada na vivência seringueira e com inspiração das reservas indígenas, cada família detinha sua casa e acesso às estradas aos seringais, enquanto a terra e a floresta eram de usufruto coletivo.
Com o ambientalista Ailton Krenak, desencolveu a Aliança dos Povos da Floresta, que reunía indígenas, seringueiros e comunidades tradicionais. A proposta da Reserva Extrativista somava à aliança ao idealizar que a propriedade formal da reserva fosse do Estado, mas que a sua gestão seria feita pelos seringueiros e habitantes.
Ele foi dirigente do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), pela qual defendeu a tese "Defesa do Povo da Floresta" no terceiro congresso nacional da organização, em 1988.
Um ano antes, participou de uma conferência do Banco Internacional de Desenvolvimento (BID), onde denunciou as consequências socioambientais da pavimentação da rodovia BR-364, entre Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC).
A ineficácia dos empates frente aos conflitos fundiários e a criação de reservas marcou anos difíceis para o ativista. Em 1988, ele denunciou uma série de ameaças de morte, que culminaram em sua morte, em 22 de dezembro de 1988.
Mendes foi assassinado no quintal de sua casa em Xapuri por Darci Alves, filho do fazendeiro Darly Alves, mandante do crime. O latifundiário era ligado à União Democrática Ruralista (UDR). Em 1990, ambos foram julgados e condenados a 19 anos de prisão. Eles fugiram em 1993, foram recapturados três anos depois e conquistaram liberdade condicional em 1999.
Reserva Chico Mendes
Em sua homenagem, foram criadas as primeiras reservas extrativistas em 1990. A primeira foi nomeada Reserva Extrativista Chico Mendes, tem 970 mil hectares e interga municípios no Acre, como Brasiléia e Xapuri.
Em 2023, o Projeto de Lei nº 6.024/2019, de autoria da ex-deputada federal Mara Rocha (PSDB/AC), voltou a ser debatido após ficar parado por um ano na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais (CPOVOS) da Câmara dos Deputados.
O PL propõe a alteração dos limites da Reserva Extrativista Chico Mendes e modificar a categoria do Parque Nacional da Serra do Divisor. Segundo parecer do relator Airton Faleiro (PT-AM), a proposta de alteração dos limites da reserva representa ir contra todo o movimento de origem. Por isso, ele declarou rejeição ao PL.
A alteração dos limites da Reserva Extrativista é ir contra a todo o movimento de origem das Reservas Extrativistas, pois exclui os extrativistas e favorece os projetos agropecuários, conforme disposta na justificativa do presente projeto de lei que ressalta que a "flexibilização" dos limites da Resex [Reserva Extrativista] é para permitir a criação de gado.
Marco Temporal
Nesta quinta-feira (14), o Congresso Nacional derrubou uma parcela dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Projeto de Lei (PL) 2.903/03, que institui um fictício Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. A tese busca estabelecer um critério de tempo no debate.
O aniversário de Chico Mendes ocorreu um dia após o retrocesso nas políticas de proteção ambiental e dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais.
De acordo com o texto, sem os vetos do presidente, os povos indígenas não poderão mais reivindicar territórios que não possam comprovar sua ocupação em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
O PL do Marco Temporal foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 30 de maio de 2023, por 283 votos a favor e 155 contra, com uma abstenção. A tese é defendida, por exemplo, por Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados e membro da bancada ruralista.
No dia 27 de setembro, o PL foi aprovado no Senado Federal por 43 votos a favor a 21 votos contra. Na ocasião, o relator do caso, senador Marcos Rogério (PL-RO) afirmou que a votação foi uma "decisão política", em meio aos conflitos entre os congressistas bolsonaristas e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Uma semana antes, o Supremo havia julgado o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que decorre sobre a definição constitucional das relações de posse das áreas de ocupação indígena. A tese foi julgada inconstitucional por 9 votos favoráveis a 2 votos contrários.
O Marco Temporal teve sua primeira menção em julgamento do caso Raposa Serra do Sol, um pedido de reintegração de posse movido pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (FATMA-SC) contra a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e indígenas do povo Xokleng.
A aprovação do PL também resultaria na:
- A construção de rodovias, hidrelétricas, unidades e postos militares, exploração de alternativas energéticas e outras obras sem consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas dentro dos seus territórios;
- A plantação de soja, criação de gado, promoção de garimpo e mineração em Terras Indígenas;
- O questionamento de qualquer pessoa sobre processos de demarcação dos territórios, inclusive os já demarcados;
- O reconhecimento da legitimidade da posse de terra por invasores de Terras Indígenas;
- Flexibilizar a política de não contato com povos indígenas em isolamento voluntário;
- Mudar conceitos constitucionais da política indigenista, como a tradicionalidade da ocupação, o direito originário e o usufruto exclusivo dos povos indígenas aos seus territórios.