DÍVIDAS

Vetos de Lula: Congresso derruba e permite confisco de carros sem aval da justiça

Presidente havia declarado inconstitucionalidade do texto original; cartórios e órgãos de trânsito poderão facilitar execução de dívidas

Carros poderão se apreendidos em caso de inadimplência, sem medidas judiciais.Créditos: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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Em sessão realizada nesta quinta-feira (14), o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre um artigo na Lei nº 14.711, conhecida como Marco das Garantias, que prevê a apreensão de veículos por empresas credoras sem mandado judicial.

Lula vetou o trecho que autorizava a tomada de veículos por meio de mandados extrajudiciais, realizados em plataforma online após pedido dos cartórios, sem necessidade de autorização judicial. O texto foi declarado inconstitucional, uma vez que poderia criar risco a direitos e garantias individuais.

A inovação pretendida também oferece risco à estabilidade das relações entre particulares ao relativizar direitos e garantias individuais, independentemente de decisão judicial.

Conforme a redação original, sem a promulgação do veto de Lula, o veículo poderá ser apreendido caso o próprio bem seja a garantia de um empréstimo. Se o veículo não for entregue ou disponibilizado voluntariamente no prazo determinado, o credor poderá requerer ao cartório a busca e apreensão extrajudicial do bem.

A proposição aponta que o cartório adotaria providências para viabilizar a execução das medidas extrajudiciais com a colaboração dos órgãos executivos de trânsito dos estados, como: a restrição de circulação e de transferência do veículo; averbação da indisponibilidade do bem; e lançamento e expedição da busca e apreensão extrajudicial do bem.

"Quando se tratar de veículos automotores, é facultado ao credor, alternativamente, promover os procedimentos de execução extrajudicial [...]  perante os órgãos executivos de trânsito dos Estados", diz o texto.

As medidas extrajudiciais são cobranças feitas por meio de cartas, telefonemas, e-mails, visitas pessoais ou empresas especializadas – as agências de cobrança, contratadas para cobrança de dívidas em nome de outras empresas e instituições financeiras. Com o marco, é permitido o envio de intimação para o devedor por aplicativos de mensagem instantânea, a exemplo do WhatsApp.

Nas justificativas do veto, Lula havia indicado a inconstitucionalidade do artigo por permitir uma medida coercitiva dos credores sem a expedição judicial necessária, de modo que poderia vulnerabilizar o acesso a direitos e garantias individuais do cidadão brasileiro.

A proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade, visto que os dispositivos, ao criarem uma modalidade extrajudicial de busca e apreensão do bem móvel alienado fiduciariamente em garantia, acabaria por permitir a realização dessa medida coercitiva pelos tabelionatos de registro de títulos e documentos, sem que haja ordem judicial para tanto, o que violaria a cláusula de reserva de jurisdição e, ainda, poderia criar risco a direitos e garantias individuais, como os direitos ao devido processo legal e à inviolabilidade de domicílio.

O que muda

O PL que deu origem ao Marco das Garantias foi elaborado pelo Poder Executivo e enviado à Câmara dos Deputados em outubro de 2021 – ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo relator, o deputado João Maia (PL-RN). Em junho de 2022, a Casa aprovou o projeto que retira a única garantia de que uma família não seja despejada do único imóvel por dívida com banco. 

João Maia, que declarou ter 17 imóveis na prestação de contas eleitorais em 2018, relatou o PL enquanto o Brasil registrou cerca de 62 milhões de inadimplentes, maior número registrado na série histórica.

Em outro veto, o presidente Lula manifestou o entendimento do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da execução de medidas extrajudiciais para a cobrança do imóvel colocado como garantia: caso o devedor permanecer no imóvel após a consolidação da propriedade, será necessária uma ação de reintegração de posse para desocupação.

A Câmara aceitou uma emenda do Senado que cria a possibilidade de uso de medidas extrajudiciais para recuperar o crédito em cartórios, de modo que o credor possa fazer proposta de desconto por meio de tabelionato de protesto. 

A lei dispõe sobre novas regras para a garantia dada em empréstimos, como hipotecas ou alienações fiduciárias. Publicada no Diário Oficial da União em 31 de outubro – com veto parcial na sanção – o texto permite que o mesmo imóvel seja utilizado como garantia em mais de um financiamento, mecanismo que não era permitido anteriormente.

Um imóvel de R$ 200 mil poderia ser usado como garantia de um empréstimo de R$ 80 mil e os outros R$ 120 mil não poderiam servir de garantia para outro empréstimo até que o primeiro fosse quitado. Agora, o bem pode ser garantia até que seu valor total fique comprometido.

De acordo com o site oficial de Cartórios do Estado de São Paulo: "Com o protesto, o credor comprova a mora (atraso da obrigação) e a inadimplência (descumprimento da obrigação) do devedor".

Segundo o Ministério da Fazenda, o Marco Legal das Garantias deverá facilitar o uso das garantias de crédito, reduzir a taxa de juros de financiamentos e aumentar a concorrência no mercado. A pasta avalia que o risco de inadimplência é reduzido com o marco pois será mais fácil para instituições financeiras executaram dívidas em caso de inadimplência.

A lei também cria um serviço de gestão especializada de garantias que ficará a cargo de instituições gestoras de garantias (IGGs) – pessoas jurídicas de direito privado cujo funcionamento dependerá de autorização do Banco Central (BC) a partir de critérios definidos pelo Comitê Monetário Nacional. O Ministério da Fazenda vetou a realização de atividades típicas de instituições financeiras pelas IGGs, mas permitiu a execução da dívida.