O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), concorrerá a reeleição nas eleições de 2024 e, atrás de Guilherme Boulos (Psol) nas pesquisas, tenta emplacar uma série de projetos eleitoreiros. Um deles é o chamado “Domingão Tarifa Zero”, que consiste em ônibus gratuitos para cerca de 2 milhões de passageiros paulistanos aos domingos. O projeto já começa a valer no próximo dia 17.
A ideia da gratuidade no transporte público é uma pauta antiga das esquerdas e deu o pontapé inicial, há 10 anos, das chamadas “jornadas de junho de 2013”, organizadas pelo Movimento Passe Livre em São Paulo. Além de protestar contra o tarifaço daquele ano, também cobrava a Tarifa Zero nos transportes públicos.
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À época, era comum vermos empresários e seus representantes na política e nos meios de comunicação afirmarem que seria inviável implementar a gratuidade. Mas para além daquele acontecimento, a pauta veio ganhando força no debate público desde então.
Hoje é quase parte do senso comum a percepção de que sim, é possível implementar a Tarifa Zero, e que isso tem um importante papel na democratização das nossas sociedades, permitindo um maior acesso à cidade. Nesse contexto, começamos a ver os mesmos empresários, políticos e articulistas passarem a defender a medida.
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É nesse contexto que Ricardo Nunes criou o “Domingão Tarifa Zero”. Mas o programa se trata apenas de uma farsa eleitoreira e não guarda qualquer relação com os anseios de acesso à cidade e mobilidade urbana, pra valer.
Para começar, a ideia da gratuidade em um único dia da semana é uma deturpação da própria ideia de Tarifa Zero, que é integral, para todos os dias da semana, justamente para proporcionar o acesso à cidade em todos os seus aspectos.
Outro ponto que mostra o caráter farsesco e eleitoreiro da medida foi apontado por Rafael Calabria, coordenador do programa de mobilidade urbana do Instituto de Defesa do Consumidor. Ele observa que o”Domingão Tarifa Zero” de Nunes prevê um modelo de remuneração que é criticado há pelo menos 10 anos pelos formuladores e entusiastas da Tarifa Zero: a prefeitura vai pagar os empresários por número de passageiros transportados e não por quilômetro rodado.
Na prática, como apontam tanto o Movimento Passe Livre como o engenheiro Lucio Gregori, o formulador inicial da proposta, tal modelo de remuneração beneficia os empresários e não induz qualquer tipo de melhoria no serviço, pelo contrário. E isso ocorre por uma operação simples de ser visualizada.
Remunerado por passageiro transportado, o empresário deve economizar no número de veículos disponíveis. Como consequência, as viagens ficam lotadas e o sucateamento dos veículos em curso.
O contrário disso, ou seja, a remuneração por quilômetro rodado, obrigaria os empresários a trabalhar corretamente. Teriam de colocar mais veículos nas ruas, empregando mais trabalhadores e necessitando de um esquema de manutenção contínuo do equipamento.
"O setor faz a conta parecer difícil, mas, na verdade, é muito fácil. Você, ao pagar ao empresário por passageiro transportado, a conta para ele é óbvia: quanto mais passageiro e mais lotado, mais rentável.É uma conta que não leva a qualidade e a frequência que a pessoa espera ter ali no ponto de ônibus. Com a tarifa zero, tende a aumentar muito o número de passageiro e, dessa forma, tende a deslanchar a remuneração do empresariado sem que isso represente na prática uma melhoria do transporte na rua", resumiu Rafael Calabria ao Brasil de Fato.
Para ele existe um risco de que o projeto de Nunes sirva como uma espécie de anti-propaganda da Tarifa Zero em um momento em que muitas cidades começam a adotar a ideia. Só em 2023, foram 23 cidades que adotaram a gratuidade. “A gestão de Nunes mostra uma visão ruim: dizem que não vai aumentar o número de passageiras e que esperam não ter de aumentar a frota”, diz Calabria. Pra ele, é difícil acreditar que um projeto nesses moldes possa, de fato, atacar a falsa de acesso à cidade e conferir qualidade ao serviço usufruído pela população.