Após seis listas com nomes de cidadãos estrangeiros de vários países e longos nove dias, eis que o governo de Israel teria finalmente colocado os 34 brasileiros residentes em Gaza na sétima relação de quem está autorizado a deixar o território palestino que se converteu num verdadeiro inferno na Terra, com bombardeios ininterruptos há mais de um mês e com mais de 10 mil civis mortos esparramados pelas ruas.
A sensação com a notícia, já confirmada pelo Itamaraty, é de alívio, embora seja prudente aguardar a efetiva retirada desses compatriotas para o solo egípcio, tendo em vista a forma de agir do Estado judeu nesse teatro de ações. Mas então, o que de fato soa estranho nessa história?
É inegável que uma hora Israel teria que liberar os brasileiros que se empoleiram na precária passagem de Rafah, a “ponte” que pode livrá-los do inferno e fazê-los chegar ao “paraíso” do Sinai. A menos que quisesse fazê-los reféns, Tel Aviv teria, em algum momento, que deixá-los ir. O tempo também já foi mais do que suficiente, afinal, praticamente todos os estrangeiros já tinham sido liberados. A demora e o “castigo”, os deixando debaixo de foguetes e mísseis assassinos, aterrorizados, por óbvio que são propositais.
O governo do presidente Lula (PT) não se alinhou ao do primeiro-ministro de extrema direita Benjamin Netanyahu após o ataque inicial do Hamas, o que é natural, e ainda por cima se lançou como um hábil negociador na ONU, onde só viu sua proposta de resolução ser derrubada no Conselho de Segurança por conta de um voto solitário dos EUA, os fiadores de Israel, incomodados com o fato de o Brasil não se posicionar de forma submissa no tema.
A troca de “gentilezas” seguiu por dias, com o Brasil procurando não provocar Israel, em que pese o chá de cadeira para permitir logo a saída de 34 pessoas da Faixa de Gaza, o que não demoraria nem um minuto, mas que se tornou alvo de todo tipo de desculpa e objeção para não acontecer. No transcorrer desses fatos, o Brasil e sua diplomacia seguiam firmes na busca por uma solução pelo menos imediata e provisória, como um cessar-fogo humanitário, o que apenas enfurecia cada vez mais Tel Aviv.
Subitamente, não mais que de repente, o Brasil é “surpreendido” na quarta-feira (8) por uma reunião sem pé nem cabeça, para não dizer bastante insolente e descabida, entre o embaixador de Israel, o extremista sionista Daniel Zonshine, e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um notório radical reacionário que em seu caótico mandato passou quatro anos bajulando a nação hebraica. Eles se encontraram no Congresso Nacional, acompanhados de parlamentares bolsonaristas, e posaram juntos para foto como se fosse totalmente natural tal aberração ocorrer.
O ato de Zonshine foi encarado inequivocamente como uma afronta em último grau pelo Palácio do Planalto. Um embaixador estrangeiro lotado no Brasil ignorar o governo democraticamente instituído e ir se encontrar com um ex-presidente golpista que não tem qualquer cargo oficial, na melhor das hipóteses, era para resultar numa expulsão do diplomata.
Porém, na tal reunião, o que mais chamava a atenção na postura de Bolsonaro, de sua horda de puxa-sacos e dos perfis de redes sociais tocados pelo tal “gabinete do ódio”, era a forçada de barra do ex-chefe de Estado para se impor como um player importante diante da crise. É de conhecimento público que Bolsonaro não tem capacidade de negociar nem o que vai comer no almoço com o garçom de um restaurante, mas o pífio e risível político parecia saber de algo que ninguém mais sabia.
Netanyahu e Bolsonaro foram alinhadíssimos durante os quatro anos de presidência do extremista brasileiro. Netanyahu está furioso com a posição brasileira e com a petulância do país sul-americano de apresentar uma resolução por cessar-fogo que não estava nos conformes mínimos para Tel Aviv. O que teria, então, feito Benjamin Netanyahu?
A resposta não é algo a se cravar e vaticinar, mas a decisão de liberar os 34 brasileiros mantidos sob bombardeio em Gaza parece ter vindo no exato momento em que tal fato daria publicidade positiva para Bolsonaro, ainda que ele como absoluto inepto não tenha feito coisa alguma. E foi exatamente o que houve. Nas redes, sua matilha de robôs e inescrupulosos lobotomizados já espalham a boa nova e o radical de extrema direita condenado à inelegibilidade por duas vezes sorri seu sorriso amarelo. Oportunista como é e com Netanyahu alinhado com seu interesse, festeja uma glória que não existe e dá ração supervitaminada de mentiras para o gado.