NOMEAÇÕES NO GOVERNO LULA

EXCLUSIVO: Servidora que atuou na Funai alinhada a Bolsonaro é nomeada na Casa Civil de Lula

Concursada no Ibama, ela teria atuado contra indígenas em licenciamentos ambientais e tem até foto rezando com o “Padre” Kelmon. Lideranças Kayapó chegaram a pedir sua exoneração

Carla (de blusa estampada, à esquerda) reza na Funai na presença do "Padre" Kelmon.Créditos: Arquivo pessoal
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Uma servidora de carreira do Ibama, que ocupou o cargo de coordenadora-geral de Licenciamento Ambiental da Funai durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), sobre quem recaem acusações de ter se alinhado à política anti-indígena bolsonarista da gestão do delegado da PF Marcelo Xavier, que presidiu o órgão de 2019 a 2022, foi nomeada para um cargo na Casa Civil do governo Lula.

O nome de Carla Fonseca de Aquino Costa aparece no Diário Oficial da União de quarta-feira (25) com a nomeação como diretora de programa na Assessoria Especial da Secretaria Especial para o Programa de Parcerias de Investimentos da Casa Civil da Presidência da República, comandada pelo ministro-chefe Rui Costa.

Durante o período em que esteve na Funai, Carla foi alvo de crítica por parte de indígenas e de outros servidores que viam em sua atuação um claro e inequívoco alinhamento ao bolsonarismo que se apossou da entidade responsável por zelar pelos povos originários brasileiros. Como responsável pelos pareceres necessários nos processos de licenciamento ambiental da Funai, não foram poucos os questionamentos sobre a conduta da servidora. Carla tem foto numa reunião da entidade, na presença do presidente o órgão, rezando com o ex-candidato à Presidência “Padre” Kelmon, que atuou como linha auxiliar de extrema direita de Jair Bolsonaro no pleito em que ele tentou a reeleição, em 2022. Ela também recebeu, em dezembro do mesmo ano, no apagar das luzes daquela gestão, a Medalha do Mérito Mauá.

Carla (de blusa estampada, à esquerda) reza na Funai na presença do 

Um caso bastante emblemático diz respeito ao conflito existente entre indígenas da etnia Kayapó-Mekrãgnoti, das terras indígenas Baú e Menkragnotí, no Pará. A região é cortada pela BR-163, que desde 2008 enfrenta problemas com os habitantes originários da área por conta de suas obras de pavimentação, o que se acentuou ainda mais nos últimos anos, quando um leilão realizado pelo governo federal resolveu passar o trecho rodoviário para a iniciativa privada.

Os indígenas nunca se opuseram à mudança de mãos, mas reclamavam do fato de as futuras concessionárias não se comprometerem a cumprir o Plano Básico Ambiental (PBA) apresentado pelo grupo, que teme pela saúde daquele povo. Numa carta datada de 20 de agosto de 2020, no auge da pandemia, as lideranças Kayapó-Mekrãgnoti enviaram ao presidente da Funai, o delegado Marcelo Xavier, um pedido de exoneração de Carla, que segundo os indígenas “travava a liberação do PBA” encaminhado pelo grupo, que diz não aceitar também os métodos truculentos da gestão bolsonarista, que estaria enviando “o Exército, a Polícia Federal ou a Polícia Militar” para retirá-los da localidade à força.

Pouco mais de uma semana depois, a Justiça Federal de Altamira (PA) determinou ao Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) que apresentasse planos de trabalho para cumprir com o licenciamento ambiental no processo de pavimentação da BR-163, para então reduzir os danos causados pelas obras aos povos indígenas da etnia Kayapó-Mekrãgnoti. Na mesma liminar, o magistrado federal instou a Funai, onde Carla estava lotada como responsável justamente por essas demandas, a apresentar em cinco dias garantias de que ações mitigadoras em benefício dos indígenas seriam implantadas, proibindo também o Ibama de emitir licenças de operação definitiva enquanto as exigências ambientais não estivessem totalmente cumpridas.

Uma outra acusação de alinhamento ao bolsonarismo nas questões indígenas que pesa contra a ex-coordenadora-geral de Licenciamento Ambiental da Funai versa sobre um suposto desrespeito ao direito de consulta do povo Kinja (Waimiri-Atroari) no projeto do chamado Linhão do Tucuruí, uma monumental linha de transmissão de energia que leva a luz da Hidrelétrica do Tucuruí, no Pará, cruzando o Rio Amazonas, abastecendo por meio de dois ramos as capitais Manaus, no Amazonas, e de Boa Vista, em Roraima.

Um dossiê divulgado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com o grupo Indigenistas Associados (INA), de 2022, traz detalhes sobre o aparelhamento da Funai por bolsonaristas e suas práticas autoritárias. Nele é possível encontrar detalhes do problema ocorrido com o povo Kinja, no âmbito do projeto do Linhão Tucuruí. Os especialistas frisam no documento que “de 2019 para cá, as novidades foram o desrespeito a um Protocolo de Consulta apresentado pelo povo em 2018, a transformação do licenciamento ambiental numa questão de defesa nacional, o incisivo uso de comunicações oficiais da Funai à comunidade e, mais recentemente, um dos já mencionados pedidos de que a PF abrisse inquérito policial contra indígenas e servidores implicados no processo”.

Nos procedimentos que envolvem a atividade e a responsabilidade de Carla no caso da Linha de Transmissão Guaíra-Umuarama, no Paraná, também surgem críticas e acusações de adesão às condutas do bolsonarismo. Servidores da própria Funai dizem que a então coordenadora-geral de Licenciamento Ambiental do órgão se manifestou de forma descabida ao “renunciar” à presença indígena na região, só porque a terra indígena não é regularizada formalmente, o que na prática lançou aqueles brasileiros num limbo, sem que o órgão oficial os protegesse, o que é sua função institucional. A alegação é que as famílias da área deveriam ser tratadas apenas no âmbito dos impactos ambientais e socioeconômicos e não na esfera dos povos originários.

Por fim, a reportagem da Fórum teve acesso ainda a uma troca de mensagens do aplicativo WhatsApp em que Carla afirma ter feito dois testes de Covid para entrar em Terras Indígenas, e que fornecer os testes seria uma incumbência dos empreendedores (os representantes de entes privados que operam em concessões). Ela, então, diz que seria “restituída” por esses empreendedores. De fato, os testes devem ser cedidos pelos empreendedores, mas não há qualquer normativa que permita servidores receberem valores em dinheiro nesses casos. A Terra Indígena não é identificada na conversa, que é de junho de 2022.

Todas as denúncias enviadas à reportagem foram acompanhadas dos documentos e pareceres técnicos onde Carla se manifesta no exercício de sua função. O material recebido é da Funai e de outros órgãos onde constam tais menções à servidora.

A Fórum entrou em contato com Carla Fonseca de Aquino Costa, que orientou a reportagem a repassar seus questionamentos sobre a denúncia à assessoria de imprensa do órgão onde está lotada agora, a Secretaria Especial para o Programa de Parcerias de Investimentos da Casa Civil. Conforme o solicitado, todos os pedidos de respostas e de considerações foram enviados ao setor, mas até o encerramento dessa reportagem ainda não obtivemos as respostas. Assim que uma resposta for encaminhada, a Fórum imediatamente acrescentará à publicação original.