R$ 2,1 MILHÕES EM DOAÇÃO

Zema brigou por IPVA de 1% a locadoras, silencia sobre milhões e ataca a Fórum

Seu governo foi contrário à equiparação da alíquota à do cidadão comum, de 4%, mas governador se limitou a falar da autoria da lei que renuncia ao imposto. Fortuna doada ao NOVO por empresário segue sem explicação

Romeu Zema, governador de MG.Créditos: YouTube/Reprodução
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O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (NOVO), foi às redes sociais na noite de quarta-feira (24) para atacar a Fórum, acusando-a de publicar “fake news”, e enfatizar que a lei que concede renúncia fiscal ao IPVA de veículos de empresas locadoras não foi aprovada em seu governo, mas sim em 2003, quando Aécio Neves (PSDB) era o chefe do Executivo mineiro. No entanto, a reportagem tratava do recebimento de R$ 2,1 milhões por parte de seu partido político, doados pelo empresário Salim Mattar, dono da Localiza, maior beneficiado com a regalia fiscal mineira. Sobre isso, nenhuma palavra.

“Resposta à Fake News da Revista Fórum: desde 2003 em Minas, com a Lei 14.937 assinada pelo governador à época, as locadoras têm desconto no valor do IPVA. A medida atraiu investimentos de 1.400 empresas que geram 12.000 empregos e 700 mil veículos de todo o país, emplacados aqui”, publicou o político, em tom agressivo.

Ainda que o mineiro tenha argumentado não ser autor da medida que implantou um verdadeiro paraíso para as companhias que alugam veículos, ele omitiu que seu governo fez um esforço hercúleo para manter a lei que prevê apenas 1% de IPVA para a frota dessas empresas. Em maio de 2021, por exemplo, um Projeto de Lei que estipulava o fim da renúncia fiscal para engrossar o caldo da arrecadação no Estado, afetada fortemente pela pandemia, como em todo mundo, foi apresentado na Assembleia Legislativa, de autoria da deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT).

A inciativa, inclusive, recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça da Casa, controlada por parlamentares alinhados a Zema, mas o governador realizou uma verdadeira ofensiva de guerra para barrar o fim do IPVA minúsculo às locadoras.

“Apesar de propor aumento de alíquota, o PL 1.657/2020 pode, paradoxalmente, resultar em considerável perda de arrecadação de receita, caso seja aprovado. O mais provável é que, em função da mudança das regras atuais, as empresas locadoras de veículos que hoje atuam em Minas migrem os registros de suas frotas para Estados onde a alíquota de IPVA também é de 1%”, disse uma nota técnica emitida pela Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais (SEF-MG).

Para quem está dentro da máquina fiscal do governo mineiro, no entanto, a motivação para tal empreitada na Assembleia Legislativa foi outra. O auditor fiscal estadual João Batista Soares, que é diretor do Sinfazfisco (Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais), afirmou à Fórum que os ataques ao PL da deputada Beatriz Cerqueira, assim como o abandono posterior da proposta, mantendo o 1% de IPVA das locadoras, são frutos do lobby fortíssimo do setor e do alinhamento de Zema com esses empresários.

“Já foi apresentado um Projeto de Lei, pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), e ficou lá aposentado. O governo Zema não deixa andar de jeito nenhum na Assembleia Legislativa essa alteração nas alíquotas de IPVA das locadoras de veículo. Ele embarga constantemente essa inciativa, não aceita essa equiparação, só que todos sabem como é... O Salim Mattar é um lobista muito poderoso, muito rico, e consegue barrar o fim desse privilégio, juntamente com o governador”, afirmou Soares.

O servidor de carreira explica ainda que estudos e levantamentos demonstram que, só em perdas na arrecadação estadual, por ano, a renúncia fiscal concedida às locadoras de automóveis representa um rombo de mais de R$ 300 milhões.

A manobra legal nos valores do IPVA dessas empresas é tão vantajosa que, de todos os milhares de veículos novos registrados anualmente por companhias que realizam essa atividade no país, 67% são emplacados em Minas Gerais, para poderem gozar da benesse.

A deputada Beatriz Cerqueira (PT), autora do PL 1.657/2020, rejeitado mais de uma vez na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em entrevista à Fórum, disse que o tal “Estado mínimo” pregado pelo governador Zema e por seu partido, na prática, só existe para o povo e que as conexões entre o mandatário mineiro e o dono da Localiza, que liberou dinheiro para a sigla, são explícitas.

“A relação do governador com Salim Mattar e seus negócios é nitidamente de privilégios. A base do governo na Assembleia impediu por diversas vezes que meu Projeto de Lei que acaba com este privilégio, e que iguala cotas do IPVA, fosse votado no plenário. Ele já passou nas comissões. O governador e o Partido NOVO fazem um discurso de que o Estado deve ser ‘mínimo’ e as relações reguladas pelo mercado, mas o Estado é ‘mínimo’ para a população e máximo para os amigos do governador”, disparou Beatriz.

O que diz o governador de Minas Gerais

A reportagem da Fórum entrou em contato com o governo do Estado de Minas Gerais para perguntar sobre as ações de Romeu Zema, durante sua gestão, que após uma dura briga manteve o benefício concedido às locadoras de veículos. Também foram questionadas as doações, no valor de R$ 2,1 milhões, por parte de Salim Mattar, o empresário que é o maior beneficiado do país com a renúncia fiscal do IPVA mineiro, para o NOVO, partido de Zema.

“O Governo de Minas não comenta a tramitação de projetos de lei e respeita a autonomia do Poder Legislativo para discutir temas de interesse público. Cabe informar que, desde 2003 em Minas Gerais, com a Lei 14.937, assinada pelo governador da época, as locadoras têm desconto no valor do IPVA. A medida atraiu investimentos de 1.400 empresas que geram mais de 12.000 empregos, além de mais de 700 mil veículos de todo o país que são emplacados no Estado”, respondeu a assessoria de Zema, usando um trecho do que o governador já havia publicado no tuíte em que atacou a Fórum.

Em relação às doações suspeitas de Mattar recebidas pelo NOVO, a assessoria do chefe do Executivo mineiro limitou-se a recordar aspectos da Lei Eleitoral, transferindo a responsabilidade por tais questões aos “atores políticos ou partidos envolvidos”.

“Também vale lembrar que, como é de conhecimento público, as doações de empresas para campanhas eleitorais foram proibidas a partir das eleições de 2018, em conformidade com a Lei nº 9.504/1997. Para as questões envolvendo eleições, pedimos gentilmente que procure os atores políticos ou partidos envolvidos”, disse o comunicado encaminhado à redação.