ELEIÇÕES 2022

Exclusivo: Forças Armadas e Bolsonaro têm roteiro para tumultuar eleição em 2 de outubro

Questionamentos das Forças Armadas ao TSE, em conluio com Bolsonaro, indicam como será a tentativa de anular as eleições; deputados dos EUA querem investigação sobre ação dos militares contra o tribunal

Bolsonaro entre os generais Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.Créditos: Fabio R. Pozzebom/ Agência Brasil
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As 88 perguntas que as Forças Armadas endereçaram ao Tribunal Superior Eleitoral em cinco ofícios desde dezembro de 2022 desenham o roteiro do que pode ser a ação desestabilizadora do bolsonarismo no pleito de 2 de outubro. As evidências são tamanhas que um grupo de deputados democratas dos EUA solicitou nesta semana uma investigação sobre o assunto, segundo reportagem do jornalista Brian Mier no site Brazil Wire.

Há pelo menos três perguntas das Forças Armadas ao TSE que indicam claramente o ânimo militar contra as eleições e como eles sinalizam o percurso para a conturbação no dia 2 de outubro. Segundo a advogada Maíra Recchia, presidenta do Observatório Eleitoral da OAB-SP, “não há precedente para a atual ingerência das Forças Armadas no processo eleitoral”. Ela falou ao Fórum Café na última sexta-feira (8) e afirmou taxativamente: “Há uma tempestade anunciada para as eleições” -veja a entrevista ao final.

Também nesta semana, na quinta-feira, o ex-deputado José Genoino, uma das mais expressivas lideranças do PT, havia advertido, em entrevista ao Fórum Café: "Temos que acabar com a lógica de confiar nos militares” -veja igualmente a entrevista dele ao final..

O clima de tensão no TSE e no STF é evidente. A ponto de o atual presidente da Corte Eleitoral, Edson Fachin, ter afirmado na última quarta-feira nos EUA que “nós poderemos ter um episódio ainda mais agravado do que 6 de janeiro daqui do Capitólio”, referindo-se à invasão do Congresso dos EUA pelos trumpistas. Fachin fez  afirmação grave numa palestra no Wilson Center em Washington, um importante centro de estudos e debates dos EUA, com uma seção dedicada ao diálogo com o Brasil, o Brazil Institute.  

Na noite de quinta-feira em sua live semanal, Bolsonaro soprou seu “apito de cachorro” (dog whistle) sinalizando para a malta bolsonarista a ofensiva em articulação contra as eleições: “não preciso dizer o que eu tô pensando e o que você está pensando, você sabe como você deve se preparar”. Pouco antes, na live, Bolsonaro afirmou que “se o comando de defesa cibernética do Exército detectar fraude esse trabalho não valerá nada porque o senhor Fachin disse que isso não muda o resultado eleitoral”. Ou seja: na narrativa bolsonarista, haverá fraude, a eleição será “roubada”, as Forças Armadas irão identificar a fraude e é preciso “agir”.

Agir como? O roteiro das perguntas dos militares ao TSE indica o cenário armado para 2 de outubro (leia aqui as 88 perguntas e respostas).

Em meio às 88 perguntas, três delas indicam o alvo: os ataques aos lacres das urnas eletrônicas como caminho para tumultuar e exigir a anulação das eleições. 

Pergunta 57: “Quando do recebimento de urna com lacre violado, quais são os procedimentos adotados no caso dela conter votos e no caso dela não conter?”

A resposta do TSE sobre a hipótese de violação de lacre de urna depois de realizada a votação indica o caminho da possível ação dos bolsonaristas em 2 de outubro e qual o seu resultado: “recomenda-se a abertura de uma investigação, cabendo ao juiz eleitoral decidir se os votos serão válidos ou não”. Ou seja: os votos da urna de lacre rompido poderão ser invalidados -na verdade, nessa hipótese, certamente o serão, segundo advogados especializados em Direito Eleitoral.

A pergunta 64 é chave, porque indica claramente o “caminho das pedras” e o objetivo comum dos militares e de Bolsonaro: a anulação das eleições.

Pergunta 64: “Caso uma eleição seja decidida por um número de votos menor do que o total que foi desconsiderado por falha na mídia eletrônica, como será resolvida uma possível incoerência que pode advir da desconsideração, total ou parcial, de votos?” 

A resposta do TSE indica que os ministros entenderam a armadilha contida na pergunta: “Na remota hipótese de impossibilidade de recuperação dos votos de uma urna eletrônica, cabe ao juiz eleitoral da respectiva zona eleitoral determinar a anulação integral da seção eleitoral. Num cenário em que os votos perdidos (anulados) façam diferença para a determinação do resultado serão realizados os procedimentos previstos nos artigos 147 e 201 do Código Eleitoral”.

A Corte Eleitoral sequer redigiu “in totum” a resposta ao questionamento militar, remetendo a dois artigos do Código Eleitoral, para, certamente, evitar enunciar a consequência da pergunta maliciosa. O artigo 147 é de menor relevância, mas o 201 põe a nu o objetivo militar.

Artigo 201 do Código Eleitoral: “De posse do relatório referido no artigo anterior, reunir-se-á o Tribunal, no dia seguinte, para o conhecimento do total dos votos apurados, e, em seguida, se verificar que os votos das seções anuladas e daquelas cujos eleitores foram impedidos de votar, poderão alterar a representação de candidato eleito pelo princípio majoritário, ordenará a realização de novas eleições”.

Ou seja: anulação das eleições. 

Uma advertência sobre o ataque às urnas com o objetivo de romper os lacres. As forças de segurança mobilizadas pela Justiça Eleitoral nas eleições são tradicionalmente as Forças Armadas e as Polícias Militares, que são, segundo a lei, uma força auxiliar e reserva do Exército. Tanto a cúpula das Forças Armadas como as das PMs e as tropas estão largamente contaminadas pelo bolsonarismo, em muitos casos em conexão com as milícias e grupos armados civis de extrema direita. Ou seja: todo o mapeamento e controle do trânsito das urnas estará ao alcance da mão do bolsonarismo. 

É patente, pelas pesquisas, que a provável diferença entre Lula e Bolsonaro será tamanha que uma ação em larga escala para romper os lacres das urnas eletrônicas a ponto de colocar em risco o resultado das eleições será praticamente impossível. Mas ações isoladas que sejam realizadas em diversos Estados serão imediatamente utilizadas como evidência de “fraude” e abrirão a campanha pela anulação do pleito.

A pergunta 81 das Forças Armadas em seu questionário é tão agressiva e patenteia que as eleições estão sob ameaça direta dos militares em consórcio com Bolsonaro que o TSE limitou-se a uma resposta genérica, agradecendo as “sugestões” e garantindo “a  integridade do processo eleitoral”.

Leia a seguir e veja o tamanho da ousadia militar com uma ameaça direta, explícita, contra as eleições. A pergunta 81 sequer é uma pergunta, retoma o tema do “voto impresso” e afirma ameaçadoramente que “não foi possível visualizar medidas a serem tomadas em caso da constatação de irregularidades nas eleições”.

Pergunta 81:  “Considerando o voto como um direito e um dever inarredáveis de cada cidadão, sugere-se a adoção de medidas que permitam a validação e a contagem de cada voto sufragado, mesmo que, por qualquer motivo, as respectivas mídias ou urnas eletrônicas sejam descartadas. Destaca-se que, a despeito do esforço em se prever ações em face da observância de falhas durante o pleito eleitoral, até o presente momento, salvo melhor juízo, não foi possível visualizar medidas a serem tomadas em caso da constatação de irregularidades nas eleições. Nesse diapasão, propõe-se a previsão e divulgação antecipada de consequências para o processo eleitoral, caso seja identificada alguma irregularidade”.

O clima de tensão em relação a 2 de outubro não é exclusividade da Justiça Eleitoral e do STF. Há enorme preocupação nos partidos políticos. Mais que preocupação, há um grande medo sobre o que pode acontecer nos integrantes “chão da fábrica” do dia das eleições, compostos por mesárias e mesários e demais membros das seções eleitorais. Mesários e mesárias serão mais de um milhão em 2 de outubro, 400 mil apenas no Estado de São Paulo. Segundo a advogada Recchia, “os mesários das seções eleitorais estão com medo do que pode acontecer em 2 de outubro”.

O dia das eleições no Brasil já foi de festa. Em 2 de outubro de 2022, a julgar pelo movimento militar-bolsonarista, será um dia de guerra.

Assista abaixo às entrevistas com a advogada Maíra Recchia e com o ex-deputado José Genoino: