As eleições presidenciais de 2018 foram marcadas por intensa propagação de fake news, termo popularizado no cenário político brasileiro justamente neste período. Qualquer pessoa que acessou a internet e, principalmente, as redes sociais teve pelo menos um contato com notícias falsas sobre o tema.
É inegável que a disseminação desse material teve papel decisivo na eleição de Jair Bolsonaro.
A prática, condenável, deu tão certo que o presidente e seus aliados continuaram a utilizar dados, fotos e áudios falsos, montagens de vídeos, além de notícias com conteúdos mentirosos, ao longo de todo o mandato.
Após quatro anos, a legislação brasileira segue permissiva em relação ao assunto e com imensas dificuldades em fiscalizar aplicativos e redes sociais para punir os autores das fake news.
O advogado Carlos Eduardo Azevedo Pimenta, mestrando em Estado, Governo e Políticas Públicas pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), acredita que “o processo eleitoral deste ano será brutal em todos os sentidos”.
“Infelizmente, a legislação de combate às fake news não conseguiu acompanhar o processo eleitoral. É muito difícil controlar a propagação das fake news, devido à ausência de uma legislação mais forte. Porém, ao mesmo tempo, vejo que a sociedade amadureceu, mas não o suficiente para evitar”, aponta Pimenta.
“O grosso da campanha ainda não teve início. Os ataques vão começar. Vamos ver como as instituições, mesmo fragilizadas, vão se portar diante desses ataques”, destaca o advogado.
Em relação à possibilidade de bloqueio das redes sociais, Pimenta diz: “Não creio que seja o método ideal, mas, sem dúvida, é um instrumento possível”.
O advogado é assessor jurídico do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF) e da Federação Única dos Petroleiros (FUP), além de sócio do escritório Normando Rodrigues e Advogados.
Fórum: Um dos grandes problemas observados nas últimas eleições, especialmente em 2018, foi o uso das redes sociais para disseminar informações falsas. Como a legislação eleitoral pode interferir no sentido de combater essa prática?
Carlos Eduardo Azevedo Pimenta: Infelizmente, a legislação de combate às fake news não conseguiu acompanhar o processo eleitoral. Temos hoje o Projeto de Lei 2630/20, de autoria do senador Alessandro Vieira, que está em trâmite na Câmara dos Deputados, após aprovação no Senado. Em contrapartida, o Executivo enviou um projeto de lei ao Congresso Nacional, PL 3227/21, que visa alterar o Marco Civil da internet, mas no intuito de impedir que as redes sociais cancelem perfis ou retirem conteúdos que venham a ferir os termos de serviço, salvo em casos de ‘justa causa’. Ou seja, o Executivo buscando uma proteção, ou melhor, um antídoto às investidas legislativas de combate à disseminação de informações falsas. Entretanto, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), por meio de suas resoluções, possuí alguns instrumentos que podem coibir esta prática.
Fórum: Houve punições por fake news nas últimas eleições, além do caso do ex-deputado estadual pelo Paraná, Fernando Francischini (PSL), que perdeu o mandato por divulgar notícia falsa sobre fraudes nas urnas eletrônicas em 2018?
Carlos Pimenta: O caso Francischini ainda é único na Justiça Eleitoral, mas é, além de um marco, uma recado que o TSE envia para os candidatos que estejam dispostos a utilizar o envio de notícias falsas em sua estratégia de campanha.
Fórum: Então, por que devemos acreditar que haverá punições mais rigorosas este ano, uma vez que o próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) fez reiteradas declarações questionando o processo eleitoral e as urnas eletrônicas?
Carlos Pimenta: Importante ter em mente que as instituições brasileiras estão enfraquecidas, temos um MP (Ministério Público) omisso, uma PF (Polícia Federal) aparelhada e um Legislativo, em sua maioria, cúmplice do Executivo. O Judiciário também possui uma imensa parcela de culpa no atual status institucional. Entretanto, após as terríveis consequências das ações do governo Bolsonaro, se apresentou como uma oposição aos arroubos autoritários do Executivo. Não creio em uma atitude enérgica e exemplar contra o atual candidato à reeleição, até porque ele, mesmo sem disseminar notícias falsas, algo que é intrínseco à sua campanha, já está ferindo impunemente diversas normais eleitorais, como campanha antecipada, utilização da máquina pública para promoção pessoal, sem qualquer constrangimento. Teremos, na verdade, um processo de esgarçamento dos limites institucionais, o processo eleitoral de 2022 será brutal em todos os sentidos.
Fórum: O bloqueio de redes sociais seria a forma ideal de impedir as fake news?
Carlos Pimenta: Não creio que seja o método ideal, mas, sem dúvida, é um instrumento possível. Porém, as redes sociais hoje são a fonte de renda de diversas pessoas, o bloqueio dessas ferramentas não pode ser a única solução a ser explorada. E acho que é esse o movimento que tem sido realizado pela Justiça Eleitoral e as empresas proprietárias das principais redes.
Fórum: É impossível fiscalizar as redes sociais?
Carlos Pimenta: Não é impossível, mas é uma tarefa extremamente complexa. A título de exemplo, o MIT (Massachusetts Institute of Technology) realizou um levantamento no qual foi constatado que as notícias falsas se espalham 70% mais rápido do que as notícias verificadas. O trabalho de fiscalização das redes depende de uma inter-relação muito complexa entre usuários, redes e agentes verificadores. É um trabalho constante e delicado para que se evitem arbitrariedades e eventuais censuras.
Fórum: O TSE acenou com a possibilidade de suspender o Telegram no Brasil. Concorda com a medida e como observa o comportamento das outras e plataformas?
Carlos Pimenta: O caso do Telegram é bem peculiar, pois os representantes da rede simplesmente ignoram as comunicações oficiais de organismo de Estado. Todas as tentativas de cooperação foram frustradas por culpa exclusiva da plataforma. Neste caso, vejo que a suspensão seja uma ferramenta capaz de forçar os representantes do Telegram a, ao menos, responder às requisições do TSE. Quanto às outras plataformas, observo que existe uma evolução e, até certo ponto, o interesse em colaborar com as instituições brasileiras.
Fórum: O senhor vê riscos no processo eleitoral deste ano por aspectos relacionados à legislação eleitoral e às redes sociais?
Carlos Pimenta: Vejo muitos riscos no processo eleitoral por conta das dificuldades apresentadas. É muito difícil controlar a propagação das fake news, devido à ausência de uma legislação mais forte. Porém, ao mesmo tempo, vejo que a sociedade amadureceu, mas não o suficiente para evitar. Mas a gente, pelo menos, já tem noção dos impactos e dos perigos. Os concorrentes, principalmente, têm noção disso. Então, acredito que há riscos, mas no que tange à concorrência eleitoral, à disputa eleitoral, acho que os candidatos estão mais preparados para lidar com fake news. Vejo isso com bons olhos. No entanto, o grosso da campanha ainda não teve início. Os ataques vão começar. Vamos ver como as instituições, mesmo fragilizadas, vão se portar diante desses ataques. Inclusive, a própria visita ao Bolsonaro à Rússia já levanta um alerta ao processo eleitoral, que não passou batido no discurso de posse do ministro Edson Fachin (novo presidente do TSE). Por que o Bolsonaro foi basicamente com militares, com o vereador federal ‘a tiracolo’ e com os integrantes do ‘Gabinete do Ódio’? É um indício de que vem novidade por aí. Infelizmente, novidade que vem para o mal.