Luiz Inácio Lula da Silva (PL) fez um discurso contundente, ampliando o debate global sobre meio ambiente, no primeiro compromisso internacional, após a eleição. Na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-27), no Egito, o presidente eleito alertou: “Não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida. Não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030. (...) O combate à mudança climática terá o mais alto perfil na estrutura do meu governo”.
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O compromisso assumido por Lula é fundamental para que o Brasil volte a ser um protagonista global na implementação de políticas conservação ambiental e de desenvolvimento sustentável. Mas, para cumprir a promessa, o novo governo vai ter que superar obstáculos políticos e orçamentários.
Retrocesso
O governo Bolsonaro desmontou a área ambiental do governo federal e vai deixar um rombo no orçamento superior a R$ 400 bilhões, impactando em todas as áreas. O orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi reduzido em 74% (no período de 2014 a 2021), chegando ao menor valor, desde a criação da pasta.
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Para o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), da Frente Parlamentar Ambientalista, recuperar os órgãos ambientais é prioridade. “É preciso identificar o real tamanho dos estragos provocados pelo governo Bolsonaro e, principalmente, propor saídas para superar os últimos anos de desmonte dos órgãos de fiscalização e preservação do meio ambiente”.
Bolsonaro e o ex-ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, promoveram um retrocesso sem precedentes, alinharam-se publicamente aos setores mais retrógrados do agronegócio e deram sinal verde para os crimes ambientais, em todo o Brasil. Desmatamento, garimpo ilegal, grilagem de terras e a violência no campo alcançaram índices recordes, desde a posse de Bolsonaro, em 2019. A legislação ambiental também foi alvo de Bolsonaro e Salles, com o propósito de enfraquecer a proteção das florestas.
Sem recursos para trabalhar, a fiscalização e o combate aos crimes ambientais estão comprometidos. “Precisamos acabar com a impunidade de organizações criminosas que se apropriam do patrimônio público e propriedades de particulares. Esquemas que envolvem fraude, suborno, extorsão, influência indevida e lavagem são exemplos de como ocorre a grilagem”, afirmou o senador Fabiano Contarato (PT-ES).
Em janeiro, com a reativação do Fundo Amazônia – criado para captar recursos e financiar projetos de redução do desmatamento e fiscalização – novos projetos poderão ser implementados. Parceiros do Fundo, Alemanha e Noruega concordaram em retomar os investimentos, suspensos desde 2019.
Protagonismo
A equipe de meio ambiente da transição de governo tem nomes de peso, entre eles, 3 ex-ministros bastante experientes: Izabella Teixeira, Carlos Minc e Marina Silva. O grupo vai pedir a revogação de decretos e atos normativos do governo Bolsonaro que facilitaram os crimes ambientais. Pela primeira vez, o meio ambiente ganha status de protagonista e aparece como política transversal, associada aos esforços de combate à miséria e à política econômica.
Para o ambientalista e ex-presidente do ICMBio, Cláudio Maretti, não dá para separar as questões sociais e ambientais. “Podemos ver a relação entre o social e o ambiental nas consequências das mudanças climáticas. As chuvas concentradas e as inundações atingem as comunidades vulneráveis com maior intensidade. Quando morre um pobre na enchente, isso é um problema ambiental que não vai ser resolvido apenas com mais dinheiro para mantimentos de emergência. É preciso planejamento e condições de bem-estar para a população das cidades. Combater o desmatamento da Amazônica ajuda a evitar as mudanças climáticas e seus impactos sociais”, explicou Maretti.
Obstáculo
Na Câmara dos Deputados, a bancada ruralista, que sempre vota contra as pautas ambientais, saiu fortalecida das eleições de outubro. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Sérgio Souza (MDB-PR), acredita que a bancada pode passar dos atuais 247 parlamentares para 255 na próxima legislatura.
Numa demonstração de força, os ruralistas correm para aprovar, antes do fim do ano, projetos de lei que desregulamentam o licenciamento, liberam mais agrotóxicos e anistiam crimes ambientais. Entre eles, o Projeto de Lei (PL) 2.168/2021, aprovado em 24/11, que dispensa a licença ambiental para construção de reservatórios para irrigação e abastecimento do gado, o que pode alterar o fluxo e a vazão dos rios brasileiros, além de agravar o risco de escassez de água para consumo humano.
A Confederação da Agricultura e Pecuária Brasileira (CNA) e a Aprosoja, entre outras entidades do agronegócio, financiam a bancada ruralista e apoiaram incondicionalmente o desmonte ambiental promovido por Bolsonaro e Salles. Para o presidente da CNA, João Martins, a eleição de Lula traz de volta o "fantasma das invasões de terra, tratadas com benevolência por autoridades públicas”.
Para o deputado Molon, a rivalidade entre ruralistas e ambientalistas é um equívoco. “A proteção ambiental é fundamental para a produção agropecuária, e não sua inimiga. Afinal de contas, sem floresta não há chuva e sem chuva não há agricultura ou pecuária. Isso envolve, necessariamente, uma boa relação entre o governo e o Congresso, seja para as mudanças legislativas necessárias, seja para recompor o orçamento para o meio ambiente”, concluiu o parlamentar.
Para Lula, não se trata de escolher entre meio ambiente ou agricultura. “O Brasil já mostrou ao mundo o caminho para derrotar o desmatamento e o aquecimento global. Entre 2004 e 2012, reduzimos a taxa de devastação da Amazônia em 83%, enquanto o PIB agropecuário cresceu 75%”, destacou o presidente eleito, na COP 27.
Enquanto os ruralistas enxergam um “cenário nebuloso”, em 2023, a ambientalista e ex-secretária de biodiversidade e floresta do MMA, Ana Cristina Barros, percebe um cenário favorável para o governo Lula avançar nas pautas ambientais. “O compromisso de Lula com o desmatamento zero é necessário. O caminho é pactuar metas nacionais para combater os crimes ambientais e avançar na reconstrução da área. Há receptividade da sociedade e de alguns governos amazônicos para um trabalho em parceria com o governo federal. Temos que olhar para o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e garantir que ele atue pela proteção ambiental, em todos os níveis de governo”.
Sustentabilidade
O agronegócio é importante para a economia brasileira mas precisa se modernizar, adotar práticas com menor custo ambiental. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a agropecuária gasta 72% de toda a água consumida no Brasil. A monocultura extensiva, que produz commodities para exportação, coloca o Brasil em primeiro lugar no ranking mundial de consumo de agrotóxicos e a pecuária “é um dos principais fatores por trás do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Pois, a vegetação nativa é derrubada para dar lugar à pastagem”, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC, da ONU.
Na “Carta do MST ao Povo Brasileiro” o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra cobra mudanças. “O agronegócio precisa assumir sua responsabilidade socioambiental, adequar-se as necessidades da sociedade, pagar impostos, parar de usar agrotóxicos e dar condições de dignidade os seus trabalhadores”.
É possível ter produtividade no campo, respeitando o meio ambiente. O MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina e é referência em agroecologia, modelo que “busca produzir alimentos saudáveis, sem agredir a natureza, gerando mais empregos e melhorando a produtividade física das lavouras”.
O MST defende também a retomada de políticas públicas para a produção de alimentos. “O novo governo deve implementar urgentemente diversas medidas de políticas públicas – como os Programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e de Alimentação Escolar – buscando a soberania alimentar e para que se amplie imediatamente a produção alimentos saudáveis em todo país”.