Em discurso fenomenal na manhã desta quarta-feira (16) na COP27, no Egito, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propôs uma aliança global pelo clima e contra a fome, cobrou os países ricos e, acima de tudo, foi altamente celebrado pela comunidade internacional como um indício da volta da razoabilidade a um país de centralidade importante na questão climática. Mas lendo os jornais brasileiros, sobretudo os da dita grande imprensa, o que se vê são preocupações laterais, como por exemplo a inspirada em famigerado tuíte do general Hamilton Mourão, que ainda é o vice-presidente do governo Bolsonaro mas já se declara senador em sua conta no Twitter.
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Novamente, é notável a inversão de pauta e de valores. Afinal de contas, Mourão não deveria estar de férias, passando tardes na internet e esperando sua posse no Senado. Como membro do atual governo, assim como o presidente Jair Bolsonaro (PL) que agora tem sua imagem de “covarde deprimido” estampada nos mesmos jornais que o normalizaram ao longo dos últimos quatro anos, Mourão ainda tem 45 dias de obrigações diante do Brasil como vice-presidente e deveria ir, ele mesmo, à COP27, de jatinho ou avião, explicar ao mundo o que fez quando esteve diante do Conselho Nacional para a Amazônia Legal (CNAL).
O CNAL funcionou a partir de fevereiro de 2020 dentro do seu gabinete e sem representantes do Incra, do Ibama, do ICMBio ou de qualquer outro órgão de relevância da pasta ambiental. Pelo contrário, os assentos foram ocupados por 15 coronéis, 12 do Exército e 3 da Aeronáutica, além de um general, dois majores-brigadeiros e um brigadeiro. Todos sob a batuta do presidente do órgão e vice-presidente da nação, o general Hamilton Mourão.
Quase dois anos depois, o próprio Mourão admitiu à Folha de S. Paulo ser o verdadeiro culpado pelo desmatamento recorde na região amazônica que o Brasil e o mundo viram entre 2020 e 2021. “Se você quer um culpado, sou eu. Não vou dizer que foi ministro A, ministro B ou ministro C. Eu não consegui fazer a coordenação e a integração da forma que ela funcionasse”, declarou Mourão a jornalistas em 23 de novembro de 2021. Naquela semana, dados do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite) e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostraram que batemos recordes de desmatamento, chegando a mais de 13 mil quilômetros quadrados entre 2020 e 2021.
Como prova da inércia do CNAL sob sua liderança, o próprio Mourão naquela data disse aos jornalistas que o órgão não funcionou devido a problemas de relacionamento entre seus membros. De acordo com apuração da Folha, a militarização do CNAL e do combate ao desmatamento custou R$ 550 milhões aos cofres públicos, e bem, os resultados estão aí. Ao todo foram três operações de Garantia da Lei e da Ordem autorizadas pelo presidente Jair Bolsonaro, dando amparo a três intervenções militares na amazônia legal. Verde Brasil, Verde Brasil e Samaúma são os nomes das operações.
Respondendo à pergunta do título: além de não combater o desmatamento, dado o saldo final do período, ainda contribuiu com o total abandono dos órgãos responsáveis e o afastamento de profissionais e servidores sérios como o indigenista Bruno Pereira, morto junto do jornalista britânico Dom Phillips no último dia 5 de junho no Vale do Javari. Os reflexos da militarização hoje respingam no delegado da Polícia Federal, Alexandre Saraiva, um dos que investigaram os assassinatos supracitados. Saraiva agora é alvo de processo disciplinar interno e teve de entregar a arma e o distintivo. Será o próximo da lista?
*Com informações do Uol, Agência Pública e Folha de São Paulo.