MOBILIZAÇÃO

"Artista não vota em fascista": estudantes da Belas Artes (SP) protestam contra reitor pró-Bolsonaro

Paulo Cardim publicou texto de apoio a Bolsonaro em blog vinculado ao site da instituição, gerando indignação entre estudantes e professores

Estudantes da Belas Artes (SP) protestam contra posicionamento de reitor pró-Bolsonaro.Créditos: Duda Schwantes
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Estudantes do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo realizaram nesta sexta-feira (7), em frente ao prédio da instituição na Vila Mariana, Zona Sul da capital paulista, uma manifestação contra o posicionamento do reitor, Paulo Cardim, que havia publicado texto em blog vinculado ao site da universidade em apoio à reeleição de Jair Bolsonaro (PL)

Na última segunda-feira (3), alunos e alunas foram surpreendidos pela publicação, intitulada "Eleições 2022, 2º turno: vencer ou vencer!", em que, além de declarar apoio a Bolsonaro, Cardim faz declarações xenófobas, reproduz a retórica bolsonarista contra a esquerda, utilizando termos pejorativos e falando de temas como "ideologia de gênero", e ainda divulgando o slogan do atual presidente, "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos". 

Foto: Vick Matos

O "manifesto" de Cardim, removido do site na quinta-feira (6) após a péssima repercussão, pinta uma realidade paralela do Brasil, destacando falsos avanços econômicos e sociais. Em outros trechos, o reitor ataca a esquerda, utilizando termos como "pelegos", e se refere ao coronavírus como "vírus chinês", repetindo a xenofobia que já havia sido expressada por Bolsonaro durante a crise sanitária global. 

À Fórum, uma estudante da Belas Artes afirmou que os textos publicados no blog de Cardim são recorrentemente enviados à comunidade acadêmica por um mailing via e-mail. 

A reportagem procurou o reitor Paulo Cardim via e-mail para obter um posicionamento sobre o protesto dos estudantes contra seu texto de apoio a Bolsonaro, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. O espaço está aberto para eventual manifestação. 

Já a assessoria de imprensa da Belas Artes, em nota, informou que  "o blog assinado pelo Dr. Paulo Antônio Gomes Cardim reflete tão somente as opiniões pessoais do autor e não do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Há mais de 10 anos ele assina semanalmente artigos 'em primeira pessoa' nesse espaço referentes à educação, política e assuntos gerais que impactam a sociedade e que considera importantes".

"Artista não vota em fascista" 

Os estudantes se organizaram e encamparam dois atos contra o posicionamento do reitor nesta sexta-feira (7): um realizado às 12h e o outro às 18h. A mobilização ganhou apoio de políticos, como o da vereadora e deputada federal eleita Erika Hilton, que enviou uma carta ao Conselho Universitário da instituição, e do deputado federal eleito Guilherme Boulos, que mandou um áudio aos estudantes. 

Foto: Vick Matos

Empunhando os cartazes, os alunos e alunas manifestaram repúdio ao fato do reitor de uma instituição voltada para a arte e cultura se posicionar em favor de um governo que persegue e desmonta políticas para essas áreas. "Artista não vota em fascista" era uma das frases de ordem da manifestação. 

"O Centro Universitário Belas Artes, como instituição de ensino superior que visa produzir e difundir conhecimento por meio da cultura e das artes, deve ser um espaço democrático, plural e que respeita os profissionais que nele são formados anualmente. Mas este não parece ser o posicionamento da sua alta cúpula. No último dia 3 de outubro, o reitor Paulo Cardim publicou no site da instituição o artigo Vencer ou vencer (agora retirado do ar) em defesa da reeleição do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, que está sabidamente empenhado em perseguir agentes culturais e desmobilizar incentivos à fruição das culturas brasileiras", diz um trecho de carta aberta produzida pelos alunos e alunas e representantes da União Estadual dos Estudantes (UEE) e União Nacional dos Estudantes (UNE). 

Leia abaixo a íntegra do documento 

"O Centro Universitário Belas Artes, como instituição de ensino superior que visa produzir e difundir conhecimento por meio da cultura e das artes, deve ser um espaço democrático, plural e que respeita os profissionais que nele são formados anualmente. Mas este não parece ser o posicionamento da sua alta cúpula. No último dia 3 de outubro, o reitor Paulo Cardim publicou no site da instituição o artigo Vencer ou vencer (agora retirado do ar) em defesa da reeleição do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, que está sabidamente empenhado em perseguir agentes culturais e desmobilizar incentivos à fruição das culturas brasileiras.

Diante das inverdades apresentadas no referido texto, nós, estudantes dos mais diversos cursos e representantes da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, viemos, por meio deste manifesto, demonstrar repúdio ao posicionamento do senhor Paulo Cardim e da alta cúpula da Belas Artes. Para justificar por que é inaceitável que uma instituição de ensino superior dedicada às artes e à cultura apoie a reeleição de Jair Bolsonaro, vale refrescar um pouco a memória.

Quando Bolsonaro assumiu o posto, em janeiro de 2019, um dos seus primeiros atos foi extinguir o Ministério da Cultura, reduzindo assim a capacidade do Estado de fomentar políticas públicas de valorização e fruição cultural a uma secretaria dentro do Ministério da Cidadania. Mas o desmonte não parou por aí.

Se esta decisão é uma das mais centrais, infelizmente, não é a única da gestão Bolsonaro contra as culturas brasileiras. Para lembrar outros exemplos:

- Bolsonaro vetou parte dos dispositivos da Lei nº 14.150/2021, que propôs a prorrogação do auxílio emergencial previsto na Lei nº 14.017/2020 (Lei Aldir Blanc) a profissionais da cultura e da economia criativa e a espaços culturais em decorrência dos impactos socioeconômicos da pandemia de covid19.

- Bolsonaro vetou integralmente a Lei nº 14.399/2022 (Lei Aldir Blanc 2), que prevê esse apoio e esses repasses por cinco anos. O Congresso Nacional derrubou o veto. - Bolsonaro vetou integralmente o Projeto de Lei Complementar nº 73/2021 (Lei Paulo Gustavo), que destina recursos do Fundo Nacional de Cultura a estados e municípios para fomentar projetos culturais como forma de atenuar os impactos prolongados da pandemia. O Congresso também derrubou o veto.

- Bolsonaro e seus aliados perseguem os agentes culturais, como se pode observar em relatório do Movimento Brasileiro Integrado pela Liberdade de Expressão Artística (Mobile). Segundo o Mapa da Censura, entre o início de 2019 e março de 2022, foram registrados 211 casos de censura a projetos culturais, desmonte institucional da cultura e autoritarismo contra o setor artístico, e grande parte dessas ações (72%) teve origem no Poder Executivo Federal.

Com o projeto político de Jair Bolsonaro de destruir o fomento à cultura e à arte brasileiras, nós, alunos, alunas e alunes de graduação e pós-graduação do Centro Universitário Belas Artes, na maioria estudantes e profissionais dos setores artísticos e criativos, não podemos nos silenciar diante do posicionamento senhor Paulo Cardim e da instituição.

No texto, o reitor defende a reeleição de Jair Bolsonaro sob argumentos, no mínimo, fantasiosos de que o país teria se desenvolvido em sua gestão. Fantasiosos porque, depois de oito anos fora do Mapa da Fome, o Brasil voltou a fazer parte do grupo de países com elevada insegurança alimentar. Dados divulgados este ano apontam que o país contabilizou 61,3 milhões de pessoas nessa condição entre 2019 e 2021.

Também é publicamente sabido que Jair Bolsonaro foi negligente com a gestão da pandemia, atrasou a compra de vacinas e desestimulou a população a se vacinar. Ele só se preocupou em garantir uma política pública de subsistência às pessoas mais vulneráveis na crise socioeconômica decorrente após pressão pública e a manteve com interesses eleitorais, além de deixar os profissionais da cultura totalmente desamparados antes e depois da pandemia.

Falas feitas pelo reitor como “o Brasil está superando a crise provocada pelo "vírus chinês” não são toleradas: xenofobia é crime pela Lei nº 9.459/1997. Solicitamos ao Conselho Universitário do Centro Universitário Belas Artes que revise, em retroativo, todo o conteúdo publicado no Blog da Reitoria e avalie juridicamente cada fala do reitor da instituição que fere a existência da comunidade estudantil e da sociedade civil.

Com a publicação de tantos argumentos vergonhosos feitos pelo reitor, nós viemos publicamente nos manifestar de que o senhor Paulo Cardim, seu posicionamento político e sua fala xenofóbica não nos representam. Não representam o quadro discente da Belas Artes, que busca formas cotidianas de driblar os desmandos da gestão Bolsonaro contra artistas, produtores e profissionais da economia criativa, e não representam parte do quadro docente, que, sabemos, tem espaço restrito para se manifestar politicamente. Com isso, requeremos uma resposta oficial da Reitoria e da PróReitoria Acadêmica do Centro Universitário Belas Artes sobre o posicionamento da instituição em relação ao referido artigo.

Nós, da comunidade acadêmica da Belas Artes que aqui nos manifestamos, defendemos o Estado Democrático de Direito e as culturas – cujo acesso é direito humano e constitucional – como riqueza social, como ferramenta de educação, formação crítica, conhecimento, geração de emprego e renda e inclusão socioeconômica, como legado da diversidade de pessoas que formam este país. E, por esses e tantos outros motivos, afirmamos a nossa preocupação com a reeleição de Jair Bolsonaro para o bem-estar da população brasileira e o desenvolvimento do país.

Contamos com esta comunidade acadêmica, os agentes culturais e a classe artística para nos mobilizarmos e elegermos Luiz Inácio Lula da Silva presidente do Brasil no próximo dia 30 de outubro.

Artista não vota em fascista!

Assinam essa carta estudantes do Centro Cultural Belas Artes, da União Estadual dos Estudantes de São Paulo e da União Nacional dos Estudantes"