Na última segunda-feira (11), o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a questionar o sistema eleitoral brasileiro e ainda incitou seus apoiadores a cercarem seções eleitorais no dia da votação do segundo turno, em uma clara tentativa golpista de intimidar a apuração do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e tumultuar o pleito.
"No próximo dia 30, de verde e amarelo, vamos votar. E mais do que isso. Vamos permanecer na região da seção eleitoral até a apuração do resultado", disparou o mandatário, sob os gritos de "mito, mito" de uma plateia em Pelotas (RS).
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"Tenho certeza que o resultado será aquele que todos nós esperamos. Até porque o outro lado não consegue reunir ninguém. Todos nós desconfiamos. Como pode aquele cara ter tantos votos se o povo não está ao lado do mesmo?", disse ainda, se referindo ao seu adversário nos segundo turno, o ex-presidente Lula (PT).
Em seu ímpeto golpista de questionar o sistema eleitoral, Bolsonaro, ao logo de toda a campanha, condicionou a aceitação do resultado das urnas a uma chancela das Forças Armadas. Recorrentemente se referindo aos militares como "meu Exército", o presidente os envolveu no processo eleitoral a ponto de impor um "teste das urnas" feito por eles, autorizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) após pressão.
Os "testes" foram realizados no primeiro turno das eleições e não foi encontrado nenhum erro. Apesar do relatório com o resultado desses testes não ter sido divulgado, ele foi encaminhado a Bolsonaro que, sem elementos para tumultuar ainda mais o pleito, mandou esconder o documento.
Pouco mais de uma semana após a lisura do sistema eleitoral ser mais uma vez certificada, Bolsonaro fez a convocatória para que seus apoiadores cerquem as seções eleitorais. Caso os bolsonaristas atendam ao chamado e a apuração do TSE não dê vitória a Bolsonaro no segundo turno, a ser realizado em 30 de outubro, o presidente contará com o apoio das Forças Armadas em seu ímpeto golpista de não aceitar a derrota?
Para o historiador, professor e cientista político piauiense Manuel Domingos Neto, considerado um dos maiores especialistas da questão militar no Brasil, os militares não devem encapar "intervenções à moda clássica".
Neto, que acaba de lançar o livro "Comentários a um delírio militarista", que trata do projeto de poder dos militares em curso no Brasil, concedeu entrevista a jornalistas da mídia alternativa, incluindo a Fórum, nesta quinta-feira (13), e fez análise de qual deve ser a atuação das Forças Armadas durante e após as eleições.
Intervenção, não; pressão, sim
Questionado sobre as chances dos militares apoiarem Bolsonaro em uma tentativa de tumultuar a proclamação do resultado das eleições, Manuel Domingos Neto afirmou que "instituições operam em grande escala e abertamente com respaldo popular".
"Não acredito que haja possibilidade de intervenções à moda clássica. Agora, a 'família militar' como ator político é das preponderantes, e acho que o jogo da guerra híbrida continua. Ou seja, o condicionamento da sociedade, através de operações psicológicas, isso persistirá", avalia.
Segundo o professor, "não é um ambiente tranquilo", mas ele pondera afirmando que não enxerga chances de um confronto institucional das Forças Armadas com o TSE após o segundo turno.
"Não é de interesse dos comandos. Isso não significa que o ativismo político não esteja em pleno curso, e nem que operações psicológicas, pressões institucionais, não devam ocorrer", pontua.
Domingos Neto exemplifica a "pressão institucional" com o fato ocorrido às vésperas da eleição de 2018, mais especificamente antes de um julgamento de habeas corpus envolvendo Lula no Supremo Tribunal Federal (STF), pouco antes do petista ser preso e retirado do pleito daquele ano.
Trata-se do tuíte do general Eduardo Villas Bôas, à época comandante do Exército, que escreveu que sua instituição (as Forças Armadas) “julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade", que o Exército defende o “respeito à Constituição, à paz social e à Democracia”, e que “se mantém atenta às suas missões institucionais”. A postagem foi interpretada como uma ameaça ao Supremo para não conceder liberdade a Lula, que liderava as pesquisas de intenções de voto.
"Nas últimas eleições tivemos exemplo claro disso. Comandante do Exército se manifestando, interferindo abertamente. Ao longo de todo esse processo tivemos a presença forte da instituição militar como ator político claro, evidente. Agora, pretexto de ruptura eles podem fabricar, mas agir na ruptura não acredito. Não acredito que os setores militares acompanhem essa coisa [o golpismo de Bolsonaro] agora", comenta Domingos Neto.
Militares e o desafio de Lula
Manuel Domingos Neto avaliou ainda, na mesma entrevista, que um dos maiores desafios de um eventual novo governo de Lula será comandar as Forças Armadas.
Perguntado pela jornalista Cristina Serra se os militares, com Lula eventualmente eleito, "vão voltar para os quartéis", o professor disse que "a condição de um governo do ex-presidente será a de exercer efetivamente o comando". "Se não exercer, se não falar como comandante, creio que vai ficar incontornável, vamos viver um período de tumulto", adverte.
"Sobre voltar ao quartel... Fazer o que no quartel? Tramar golpes? Continuar jogando em operações psicológicas, condicionando o pensamento social? Continuar controlando a vida dos brasileiros, a intimidade, os segredos de cada um? Operando programas que não libertam o Brasil do sistema dominante no Ocidente?", questiona ainda Domingos Neto.
"Temo para que Lula não tome atitudes precipitadas. Ninguém pode tomar atitudes precipitadas com relação às Forças Armadas porque isso pode gerar tumulto. Não dá, é reconhecer que eles têm grande capacidade de interferir na vida brasileira. E são máquinas muito complexas, você mexe em um parafuso e ela pode degringolar. Tem que ser muito estudado e tocado com a devida calma", aconselha o professor.
Assista a íntegra da entrevista