RELIGIÃO E BOLSONARISMO

Igreja Anglicana se manifesta contra “denominações cristãs” que coagem eleitores

Sede no Brasil do grupo religioso inglês tradicional repudiou “fundamentalismos políticos e declarações antidemocráticas que sufocam a liberdade de consciência e sacralizam ideologias extremistas”. Veja a nota

Créditos: Igreja Anglicana de São Paulo
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A Catedral Anglicana da Santíssima Trindade, representação máxima da Igreja Anglicana (denominação tradicional da Inglaterra) no Brasil, se manifestou nesta quinta-feira (30) contra as “igrejas cristãs” que vem coagindo seus fiéis a votarem em Jair Bolsonaro (PL) com base no que chamou de “fundamentalismos políticos e declarações antidemocráticas que sufocam a liberdade de consciência e sacralizam ideologias extremistas, demonizando os divergentes”.

Assinado por Cézar Fernandes Alves, bispo da Diocese Anglicana de São Paulo, e Arthur Cavalcante, deão da Catedral Anglicana da Santíssima Trindade, além de Beto de Jesus, da Junta Paroquial da Catedral, o comunicado ressalta que “esse assédio moral e espiritual aumenta a tensão própria das eleições, e provoca divisões nas comunidades e nas famílias, e traumas irreparáveis em indivíduos”.

O texto traz ainda uma extensa lista enumerada com todas as barbaridades defendidas pelo extremista que tenta a reeleição e por seus fanáticos seguidores que seriam contrários à vocação cristã.

Leia a íntegra do documento:

MENSAGEM PASTORAL 01/2022

Uma casa de oração para todas as pessoas

“Nossa maturidade será julgada por quão bem somos capazes de concordar em discordar e ainda assim continuar a amar umas às outras, estimar uns aos outros, cuidarmo-nos mutuamente e buscarmos o bem maior do próximo”. Desmond Tutu, Arcebispo Anglicano

“Mas, por que julgas tua irmã ou teu irmão? Ou, também, por que o desprezas? Pois todos compareceremos ante o tribunal de Deus”. Romanos 14.10

São Paulo, 13 de outubro de 2022

A Catedral Anglicana da Santíssima Trindade tem visto com grande preocupação e perplexidade a postura e a atitude que alguns líderes e denominações cristãos têm adotado com relação às Eleições de 2022. Em nosso dever profético perante Deus e perante a sociedade paulista e brasileira às quais servimos, nos posicionamos em defesa da democracia e da laicidade do Estado, reiterando nosso profundo respeito e zelo pela liberdade religiosa, de culto e de livre associação asseguradas a todas as pessoas pelas leis e pela Constituição. Como Jesus no deserto, a Igreja é sempre tentada pelo desejo de dominar os “reinos do mundo” (Mt 4.8-9). Por isso é tempo de redobrar a vigilância e de usar a sabedoria e o discernimento (1Co 12.8-10), dons que o Espírito concede ao Corpo de Cristo. Mas, alguns políticos e lideranças religiosas, sedentos de poder, têm causado feridas profundas no Corpo de Cristo. A História nos ensina: sempre que o Estado ou governo se confundiu com a religião, o resultado foi destrutivo. Por isso cabe lembrar que igrejas não são legendas partidárias e candidatos não são Messias.

No cenário brasileiro, há igrejas pregando fundamentalismos políticos, fazendo declarações antidemocráticas e sufocando a liberdade de consciência das pessoas de fé, constrangendo-as a sacralizar ideologias extremistas e a demonizar o que for divergente.

Esse assédio moral e espiritual aumenta a tensão própria das eleições, e provoca divisões nas comunidades e nas famílias, e traumas irreparáveis em indivíduos. Em preparação para o 2º Turno, algumas instituições religiosas já reforçaram a promessa de punir membros e líderes que manifestarem preferência contrária às indicações oficiais. Tais atitudes, a nosso ver, violam diretamente as liberdades religiosa, política e de expressão.

Além de praticar o “voto de cabresto”, os mesmos grupos político-religiosos disseminam medos, preconceitos e fake news que DISTORCEM OS FATOS E A VERDADE:

1. Desprezam as famílias brasileiras por não reconhecerem as diversidades e reafirmarem modelos anacrônicos de família. Ou seja, lares adotivos, mães ou pais solo, casais sem filhos, uniões LGBTQIA+, órfãs, solteiros, viúvas, pessoas em segundo ou terceiro casamento e até as famílias da Bíblia – inclusive a de Jesus – não seriam consideradas famílias de verdade;

2. Combatem a igualdade de direitos promovendo retrocessos em prol da manutenção das desigualdades e dos privilégios de poucos. Ameaçam conquistas trabalhistas, sociais, políticas, econômicas, bem como na saúde e na educação da sociedade brasileira;

3. Pregam intolerância e discriminação, contra religião, gênero, raça, cultura, sexualidade não normativas, isto é, incitam direta ou indiretamente várias formas de violência;

4. Rotulam as iniciativas de inclusão e respeito às diversidades como se fossem uma “ideologia de gênero”, tentando estigmatizar e silenciar o tema. Assim, atingem principalmente minorias, crianças e mulheres – que são maioria nas igrejas e, antes de tudo, imagem de Deus;

5. Fazem parecer que direitos reprodutivos são mera apologia à interrupção da gravidez. Não mencionam políticas públicas como: saúde integral e sexual, métodos contraceptivos e alternativos ao aborto, abandono parental, nem a autonomia da mulher – por séculos tratada como subalterna e à serviço do patriarcado;

6. Censuram professoras e professores, numa espécie de caça a inimigos imaginários, fazendo patrulha ideológica. Reivindicam uma “escola sem partido”, mas tomam eles mesmos partido ao relativizar a ditadura militar, o racismo, os direitos das mulheres, a justiça social, a crise climática, a importância da vacinação e da ciência;

7. Silenciam as discussões de gênero e a educação sexual, impedindo a conscientização pelo respeito, equidade, a prevenção de abusos, inclusive os que acontecem dentro de casa e das igrejas;

8. Negligenciam a Criação: florestas, águas, animais, bem como os direitos de povos indígenas, fazendo parecer normal – e sinal de progresso – as queimadas, desmatamentos, exploração dos recursos naturais e a flexibilização das leis de proteção ambiental;

9. Transformam o tema da segurança pública em guerra e terror para, assim, poderem facilitar o acesso às armas de fogo, criminalizar pessoas pretas, pobres e periféricas e justificar a violência policial;

10. Falam de drogas como crime ou problema moral, ignorando a dimensão da saúde, das vulnerabilidades, da falta de legislação adequada e até das possibilidades do uso medicinal.

A IGREJA DEVE SER UM LUGAR SEGURO, de cura e que não faz acepção de pessoas (At 10.34; Tg 2.9), onde se possa experimentar o amor de Deus por toda a gente: crianças, mulheres, jovens, pessoas dosas ou vulneráveis, socorrendo as vítimas e responsabilizando os agressores. Deve ser sinônimo de esperança, comunhão e paz, e não de opressão.

Por isso, estendemos nossa SOLIDARIEDADE E ORAÇÕES às pessoas que, nesses tempos sombrios, foram colocadas à margem de suas comunidades de fé, e se encontram carentes de acolhimento pastoral e de comunhão fraterna.

“Cristo é como um corpo, o qual tem muitas partes. E todas as partes, mesmo sendo muitas, formam um só corpo. Assim Deus colocou cada parte diferente do corpo conforme ele quis”. 1Co 12.12, 18

Beto de Jesus – Pela Junta Paroquial da Catedral (Primeiro Guardião)

Revmo. Arthur P. Cavalcante - Deão da Catedral Anglicana da Santíssima Trindade

Revmo. Cézar Fernandes Alves - Bispo da Diocese Anglicana de São Paulo