Ação sobre suposta ameaça de Heleno ao STF é arquivada: "Liberdade de expressão"

Em maio de 2020, general soltou nota falando em "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional" caso o STF mandasse apreender o celular de Bolsonaro

General Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI (Foto: Alan Santos/PR)
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A Comissão de Ética Pública da Presidência da República informou, em despacho acessado pela Fórum, publicado nesta quinta-feira (12), que uma ação contra o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, por suposta ameaça ao Supremo Tribunal Federal (STF), foi arquivada.

A representação, movida pelo deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), foi motivada por uma nota publicada por Heleno, em maio de 2020, em que critica a possibilidade de apreensão do celular de Jair Bolsonaro por parte do STF e fala em "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional".

À época, o ex-ministro do STF, Celso de Mello, havia pedido de que Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestasse sobre notícias-crime protocoladas por partidos de oposição que pediam a apreensão do celular do presidente, no âmbito da investigação sobre suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, denunciada pelo ex-ministro Sérgio Moro.

“Caso se efetivasse, seria uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro poder, na privacidade do presidente da República e na segurança institucional do país", dizia um trecho da nota de Heleno, intitulada "Nota à Nação Brasileira", sobre o fato.

"Tal atitude é uma tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional", escreveu ainda o ministro.

https://twitter.com/gen_heleno/status/1263896941349535746

O "recado" de Heleno ao STF gerou forte repercussão à época e foi interpretado por políticos de oposição como uma ameaça.

“A nota do general Heleno constitui inaceitável ameaça ao Supremo Tribunal Federal. Na República, nenhuma autoridade está imune a investigações ou acima da Lei. E na democracia não existe tutela militar sobre os Poderes constitucionais", havia dito, por exemplo, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB).

Foi com essa alegação de que Heleno ameaçou a autonomia dos Poderes que Ivan Valente entrou com a representação contra o general, mas a Comissão de Ética da Presidência da República arquivou o processo com o argumento de que o general exerceu a "liberdade de expressão".

A representação

Na ação encaminhada à Comissão de Ética da Presidência da República, Ivan Valente acusava Heleno de ter cometido infração ética na suposta ameaça ao Poder Judiciário com sua "Nota à Nação Brasileira".

"A nota de autoria do Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional tem o claro objetivo de interferir em outro poder, ameaçando a harmonia entre eles e a própria estabilidade institucional", escreveu o parlamentar.

Na ação, o deputado argumentou ainda que "o uso de ameaça pública para impedir o prosseguimento de investigação contra quem quer que seja não é condizente com o decoro e a integridade exigidos para o exercício de qualquer cargo público".

"Não se pode admitir de qualquer servidor o uso de suas competências para ameaçar quem quer que seja para o atendimento de interesses pessoais ou de terceiros. A gravidade da conduta mostra-se ainda mais relevante quando verificamos que tal ameaça foi direcionada ao Supremo Tribunal Federal", pontuou ainda.

"Liberdade de expressão"

A Comissão de Ética da Presidência, então, notificou Heleno sobre a representação, ao que o general pediu o arquivamento da ação argumentando que é seu papel como ministro "acompanhar diuturnamente situações de vida cotidiana do Brasil, que tenham o condão de pôr em risco a estabilidade do país".

Ele ainda alegou que, caso o STF apreendesse o celular de Bolsonaro, estaria extrapolando suas competências constitucionais e que sua nota corresponderia "à compreensão pessoal" e estaria amparada "no direito constitucional de livre manifestação de pensamento".

Após análise, o conselheiro relator da ação, Edson Leonardo Dalescio Sá Teles acatou os argumentos do ministro, informando que Heleno, em sua manifestação, "não teve o condão de interferir indevidamente no poder Judiciário ou mesmo de ameaçar a estabilidade institucional".

"Uma vez que a postagem do representado não imputou acusações objetivamente a alguém que atingissem o decoro exigido pelas regras deontológicas éticas, mas sim por ter abordado supostos efeitos de uma hipotética determinação judicial, entendo que o documento 'Nota à Nação Brasileira' buscou trazer as impressões pessoais do representado sobre uma fictícia (mas não realizada) determinação judicial de apreensão de bem pessoal (telefone celular) do Presidente da República, dentro dos limites assegurados pelo direito fundamental da liberdade de expressão", sentenciou Teles.

"Tempos sombrios"

Ivan Valente reagiu ao receber a informação sobre o arquivamento se sua representação contra o general Heleno.

"Ao minimizar a tentativa de intimidação do General Heleno ao Supremo Tribunal Federal, a Comissão de Ética Pública parece não querer ter a autonomia e a isenção que a Constituição lhe assegura para atuar", disse o deputado à Fórum.

"Ao decidir que uma alta autoridade da República pode intimidar outro poder, a Comissão de Ética Pública soma-se aqueles que ameaçam o Estado Democrático de Direito, sonhando com o retorno de tempos sombrios que tanto mal fez ao nosso país; tempos sombrios da ditadura militar", completou.

"Saia de 64"

À época da nota de Heleno, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, reagiu relacionando a manifestação do ministro à ditadura militar.

“As instituições democráticas rechaçam o anacronismo de sua nota. Saia de 64 e tente contribuir com 2020, se puder. Se não puder, #ficaemcasa”, havia escrito Santa Cruz.

O presidente da OAB se referiu a 1964, em sua crítica, pois trata-se do ano em que foi dado o golpe de estado no Brasil que culminou na ditadura civil-militar, em que os militares, como Heleno, tinham tutela sob os poderes da República.