"A balança do poder está com os militares", afirma autor de livro sobre o 'Partido Fardado'

Para Pedro Marin, saída dos comandantes das Forças Armadas deu um recado claro sobre o enfraquecimento do apoio dos militares a Bolsonaro

Jair Bolsonaro, Hamilton Mourão e integrantes das Forças Armadas (Foto: Marcos Corrêa/PR)
Escrito en POLÍTICA el

A reforma ministerial que empurrou o general Fernando Azevedo e Silva para fora do governo de Jair Bolsonaro e forçou a renúncia dos comandantes das três Forças Armadas recolocou os militares no centro do tabuleiro político às vésperas do aniversário do golpe de 1964.

Leia também: “Forças Armadas sabem que estado de sítio duraria menos que a promoção de ovo de páscoa”, aponta antropóloga Jacqueline Muniz

Após a demissão de Azevedo e Silva da Defesa, Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Moretti Bermudez (Aeronáutica) entregaram seus cargos. Ainda não estão claras as motivações e nem se a demissão partiu dos próprios generais ou foi solicitada por Bolsonaro.

Para Pedro Marin, editor-chefe e fundador da Revista Opera, autor do livro “Golpe é Guerra – Teses para enterrar 2016” e co-autor de “Carta no Coturno – A volta do Partido Fardado no Brasil", "a balança do poder está com os militares" no momento, mas não há uma sinalização clara do que pode acontecer.

No entanto, ele enxerga a saída do comando militar como "um recado claro" das Forças Armadas ao presidente. "Não há dúvidas de que esse é, no mínimo, o recado que ficou dado com essa ação; quer dizer, é o que os comandantes quiseram dizer com sua saída. O problema é que nessa relação Bolsonaro-militares, sempre considerei que estes últimos eram os que tinham o domínio, e continuo crendo. Então há duas possibilidades: ou com a saída buscarão expandir mais seu controle dentro do governo, vender a proteção ao Bolsonaro por um preço ainda mais caro, ou realmente isso indica um começo de um desembarque. Até o momento não está claro qual das duas alternativas é a escolhida", declarou.

Marin afirma que os militares sempre buscaram uma saída própria para o comando do país e que Bolsonaro foi como um "bilhete dourado" ou um "cavalo". "Tenho usado muito a metáfora de um cavalo, já que este era o apelido do capitão: quando alguém vai à guerra montado em um cavalo, não necessariamente o cavalo quer ir; talvez o cavalo se assuste com os tiros, talvez relinche, talvez tente mudar de rota, talvez se desespere e tente derrubar quem está montando. Mas mesmo assim há alguém montando e alguém sendo montado: o cavalo está no cabresto", apontou.

"Nessa crise que estamos vendo há uma coisa muito perigosa, que remete ao tuíte do Villas Bôas: os militares se lançam para uma posição em que eles são vistos como os moderados, os democráticos, os confiáveis, ou os que 'têm limites'; Bolsonaro é o irascível, o golpista, o desgovernado; e nesse jogo ficamos numa situação em que até pessoas progressistas, de esquerda, tendem a tolerar o Partido Fardado como um 'mal menor'. O que tenho perguntado, desde sempre, é o seguinte: os militares, esses homens da arte da guerra, preparadores, leitores de estratégia, não tinham percebido até agora a natureza do capitão? Embarcaram nesse projeto sem saber quem era o homem que a trinta anos faz trambiques e espetáculos? É muito difícil acreditar nisso", avaliou.

"Hoje, o tabuleiro parece estar de outro jeito; os militares estariam posicionados não por um estado de sítio, mas 'contra o autoritarismo'. O que não é só irônico ou paradoxal: é perigoso. É como aquela piada do sujeito que tortura o outro enquanto grita que ele é autoritário, por isso está sendo torturado", afirmou.

"A balança do poder está com os militares; no governo, no campo político-institucional (na relação com outros Poderes, na perspectiva de um impeachment) e, de certo, no campo militar. Um perigo é que absolutamente nada do que os militares estejam sinalizando seja sua real intenção; isto é, que nem queiram tutelar o capitão dentro do governo, nem queiram tomar o governo para si, e que topassem embarcar nesse tipo de ação e descartar o presidente no processo. Mas hoje acho um caminho muito custoso e distante para quem tem a janela do poder aberta logo à frente, os banqueiros já pressionam Bolsonaro, os grandes meios pressionam Bolsonaro, o STF pressiona Bolsonaro, até o Centrão se meteu a pressioná-lo. Seria um dispêndio de energia e imagem muito grande ir contra todos esses fatores em defesa de um capitão enfraquecido; melhor ir contra ele, ganhar poder e ainda ser aplaudido", analisou.

Confira a entrevista completa:

Fórum: A saída dos três comandantes das Forças Armadas representa um enfraquecimento do apoio dos militares ao presidente Jair Bolsonaro?

Pedro Marin: Não há dúvidas de que esse é, no mínimo, o recado que ficou dado com essa ação; quer dizer, é o que os comandantes quiseram dizer com sua saída. O problema é que nessa relação Bolsonaro-militares, sempre considerei que estes últimos eram os que tinham o domínio, e continuo crendo. Então há duas possibilidades: ou com a saída buscarão expandir mais seu controle dentro do governo, vender a proteção ao Bolsonaro por um preço ainda mais caro, ou realmente isso indica um começo de um desembarque. Até o momento não está claro qual das duas alternativas é a escolhida.

Essa decisão pode indicar que o "Partido Fardado" pode buscar uma saída própria para crise? Um golpe?

Minha avaliação é que sempre buscaram uma saída própria; o Bolsonaro foi um caminho para eles, não um fim, e de certo não foram eles o caminho dele. Naturalmente, Bolsonaro serviu como uma espécie de bilhete dourado deles para o governo. Por outro lado, estes serviam como retaguarda para o Bolsonaro que, sempre que pressionado, lembrava da presença dos militares em seu governo, do fato de que seu vice é um general, etc. A questão é: essa relação era de comum acordo? Ambos se manteriam sempre nessa relação? A minha avaliação, já no livro que escrevi, é que não; que essa era uma unidade com contradições, o Partido Fardado tentaria expandir seu poder e o presidente poderia aceitar e ser absolutamente tutelado ou poderia tentar resistir – mas em última instância estaria derrotado, porque não tem poder próprio e se cercou de quem tem muito. Tenho usado muito a metáfora de um cavalo, já que este era o apelido do capitão: quando alguém vai à guerra montado em um cavalo, não necessariamente o cavalo quer ir; talvez o cavalo se assuste com os tiros, talvez relinche, talvez tente mudar de rota, talvez se desespere e tente derrubar quem está montando. Mas mesmo assim há alguém montando e alguém sendo montado: o cavalo está no cabresto.

É bom lembrar que essa militarização dos governos já está presente no governo Temer; ali, além de ocuparem postos, fazem uma série de movimentos para se consolidarem como atores políticos aceitáveis e criam uma certa estrutura própria de poder (por exemplo com a centralização no GSI). O que quero chamar à atenção com isso é que os militares não são um fenômeno bolsonarista; é Bolsonaro quem é um fenômeno deles.

Quando diziam, por exemplo, que o tuíte do Villas Boas pressionando o STF era na verdade uma tentativa de acalmar os ânimos de supostas tropas raivosas dentro do Exército, este sempre foi meu argumento: não importa com qual fim, o Villas Bôas está, com essa mensagem, se consolidando como um ator político; e é aqui que mora o perigo.

Nessa crise que estamos vendo há uma coisa muito perigosa, que remete ao tuíte do Villas Bôas: os militares se lançam para uma posição em que eles são vistos como os moderados, os democráticos, os confiáveis, ou os que “têm limites”; Bolsonaro é o irascível, o golpista, o desgovernado; e nesse jogo ficamos numa situação em que até pessoas progressistas, de esquerda, tendem a tolerar o Partido Fardado como um “mal menor”. O que tenho perguntado, desde sempre, é o seguinte: os militares, esses homens da arte da guerra, preparadores, leitores de estratégia, não tinham percebido até agora a natureza do capitão? Embarcaram nesse projeto sem saber quem era o homem que a trinta anos faz trambiques e espetáculos? É muito difícil acreditar nisso.

Outro cenário que tem sido comentado é a de que o comandante do Exército renunciou por discordar do desejo de Bolsonaro em decretar um estado de Sítio. Como avalia essa possibilidade e como enxerga a alçada de Braga Netto ao Ministério da Defesa?

Sim, bom, há várias versões; há quem fale que seja por máscaras e vacinas, por Pujol ter extendido o cotovelo e não a mão, etc. Ainda não está claro o que ocorreu, somente de fato se Azevedo ou Pujol se pronunciassem nós poderíamos saber. A possibilidade de alguma medida desse tipo – estado de sítio, defesa, uma tentativa golpista mais clara – sempre esteve no horizonte. Chamo a atenção para o fato de que uma parte considerável da direita regional, como a do Chile e a da Bolívia, usou da pandemia para aplicar precisamente esse tipo de medida. Bolsonaro não seguiu sequer esse ensinamentos; é um sujeito caótico de fato. Agora, esse tipo de medida só seria tomada com a anuência do Exército e com a perspectiva deste se beneficiar.

Hoje, o tabuleiro parece estar de outro jeito; os militares estariam posicionados não por um estado de sítio, mas “contra o autoritarismo”. O que não é só irônico ou paradoxal: é perigoso. É como aquela piada do sujeito que tortura o outro enquanto grita que ele é autoritário, por isso está sendo torturado.

Quanto ao Braga Netto, como bem lembrou o professor Piero Leirner em uma conversa que tive com ele hoje, ele foi o interventor federal na Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro durante o governo Temer. É de se esperar que ele saiba de muitas coisas que ocorreram naquele período. Também indico que ele não é tão próximo de Bolsonaro como o relato midiático tem feito crer.

Enquanto o comando abandona o posto, parlamentares ligados ao presidente tentam insuflar as bases militares contra governadores. Como vê essa movimentação? Acredita que há uma possibilidade de levante de baixas patentes em favor de Bolsonaro?

Esse levante pode acontecer, sim. No entanto, só pode consolidar algum poder se tiver a anuência do Exército. Muitas pessoas dizem que o contingente das PMs é maior do que a das Forças Armadas, e isso é verdade. No entanto, chamo a atenção para três fatos: 1 – as policias são forças auxiliares das Forças Armadas, hierarquicamente submetidas a elas; 2 – o contingente total de todas as polícias é superior, mas dificilmente Bolsonaro conseguiria um apoio de todas as polícias, de cada Estado, para uma aventura – especialmente sem o apoio das Forças Armadas; 3 – em um cenário de confronto de fato, as polícias, mesmo com seu efetivo total, não teriam condições de estender um combate com as Forças Armadas, por uma questão de superioridade bélica. A não ser que o que Bolsonaro deseje seja uma guerrilha, uma Guerra Prolongada, não há chances de isso levar a algum resultado.

A balança do poder está com os militares; no governo, no campo político-institucional (na relação com outros Poderes, na perspectiva de um impeachment) e, de certo, no campo militar. Um perigo é que absolutamente nada do que os militares estejam sinalizando seja sua real intenção; isto é, que nem queiram tutelar o capitão dentro do governo, nem queiram tomar o governo para si, e que topassem embarcar nesse tipo de ação e descartar o presidente no processo. Mas hoje acho um caminho muito custoso e distante para quem tem a janela do poder aberta logo à frente, os banqueiros já pressionam Bolsonaro, os grandes meios pressionam Bolsonaro, o STF pressiona Bolsonaro, até o Centrão se meteu a pressioná-lo. Seria um dispêndio de energia e imagem muito grande ir contra todos esses fatores em defesa de um capitão enfraquecido; melhor ir contra ele, ganhar poder e ainda ser aplaudido.