São Paulo – “O Congresso e os poderes estão no limite da paciência com Bolsonaro”, resume Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), para quem a realidade de um impeachment nunca esteve mais próxima do presidente do que atualmente. “O governo perdeu base de modo consistente. Antes, era uma questão de democracia ou ditadura, o que é muito relevante, claro, mas para o conjunto do povo isso não influencia. Agora, as pessoas perdem parentes e percebem que, se houvesse medidas efetivas de governo, isso poderia ser evitado”, observa. “Conheço vários ex-bolsonaristas para os quais o apoio ao presidente ficou insustentável. É uma coisa objetiva: a perda de vidas por uma opção governamental”.
Diante do agravamento da crise sanitária provocada pela pandemia de covid-19 e a inoperância do governo federal, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), se reuniu hoje (26) pela primeira vez com os governadores após a criação do “comitê de crise”, por Jair Bolsonaro, esta semana. O colegiado é composto pelo presidente da República, além do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o próprio Pacheco e um representante que será indicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os governadores não fazem parte do colegiado. Além de debater a crise, a reunião serviu para propor soluções concretas. Pacheco ficou encarregado de levar as demandas dos estados, principalmente mais vacinas, ao Palácio do Planalto. Mais emblemático, pediram ao presidente do Congresso que interceda por ajuda ao Brasil junto ao secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres.
No entanto, a postura do governo continua a dificultar enormemente a implementação dessas medidas. O “chanceler” Ernesto Araújo, por exemplo, que hostilizou países, principalmente a China, cuja parceria é fundamental, foi muito criticado pelos governadores na reunião de hoje. Mas Bolsonaro reluta em trocar o ministro olavista. O chefe de governo até tenta melhorar sua imagem, ao dar uma guinada – verbal – em relação à vacina, que sempre boicotou, agora dizendo ser importante. “Mas em relação a distanciamento, uso de máscaras, lockdown, continua o mesmo. Assim como não abre mão de tratamento precoce”, observa o diretor do Diap. Nesta sexta, o país bateu novo recorde de mortes em 24 horas (3.650) e Bolsonaro baixou medidas que dificultam o acesso a kit de intubação
Ampla perda de apoio
A perda de apoio ao presidente negacionista é abrangente. Vai dos lavajatistas – que já entenderam que o compromisso com combate à corrupção só existe na retórica – a setores que percebem incapacidade em Bolsonaro de uma gestão eficiente da crise. “A economia está derretendo, tanto pela visão fiscalista extremada quanto pela inexistência de interlocução com o setor produtivo. Hoje, o apoio a Bolsonaro é restrito ao que há de mais desqualificado no Brasil”, diz Queiroz. Esses setores estão em uma parte da base militar (incluindo as PMs), um pequeno segmento da área empresarial, os defensores de armamento e evangélicos fundamentalistas.
Até mesmo o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, dá sinais de que sua paciência está no fim. Na quinta-feira (25), declarou a jornalistas que a situação do país “ultrapassou o limite do bom senso”, ao comentar os mais de 300 mil mortos pela covid-19. No mesmo dia, o governador do Maranhão, Flávio Dino, afirmou não ter “dúvida de que Mourão teria mais condições para liderar o país neste momento”.
No contexto já conhecido, o fato novo esta semana foi o discurso de Arthur Lira, na quarta-feira, falando em “remédios amargos”, alguns deles “fatais”, segundo o deputado, sugerindo um eventual impeachment de Bolsonaro. A pressão nas bases de deputados e senadores é intensa. Essa é uma ameaça que pode abalar gravemente as estruturas da aliança com o Centrão, pela qual Lira foi eleito presidente da Câmara.
A situação de Brasília é gravíssima. Ontem, a ocupação de leitos para adultos no Distrito Federal atingiu 100%. “Em São Paulo, o pulmão econômico do país, estão morrendo mil pessoas por dia. Mas a equipe econômica fundamentalista (de Paulo Guedes), do ponto de vista fiscal, não aceita ajudar em nada.”
Comitê de crise: armadilha
Os governadores perceberam que, se participassem do comitê criado pelo governo, poderiam cair numa armadilha, na avaliação de Queiroz. Bolsonaro poderia “terceirizar responsabilidades” mais à frente, e os chefes de executivos estaduais, como membros, ficariam rendidos. A culpa pela tragédia seria mais uma vez atribuída a eles. Os governadores preferiram ficar de fora.
Mas o comitê pode se transformar numa armadilha para o próprio Bolsonaro – e mais uma razão para o seu impeachment. “Ali podem ser fornecidos elementos para um eventual crime de responsabilidade, se o governo não cumprir a parte dele”, diz o analista. Em outras palavras, as lideranças parlamentares têm consciência de que estão levando a demanda da sociedade e o governo tenta aproveitar para devolver as responsabilidades ao Congresso.