A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia mudou de posição e votou, em julgamento da Segunda Turma da Corte nesta terça-feira (23), a favor do habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Lula que pede o reconhecimento da suspeição do ex-juiz no processo do triplex do Guarujá que levou o petista à prisão.
Com o voto de Cármen Lúcia, o placar ficou em 3x2 pelo reconhecimento da parcialidade de Moro, o que leva à anulação de todo o processo, desde a fase de coleta de provas e depoimentos. Com isso, a elegibilidade de Lula, que já havia sido retomada com a anulação do processo por incompetência de vara determinada pelo ministro Edson Fachin, é confirmada. Votaram contra o HC os ministro Edson Fachin e Nunes Marques e, a favor, além de Cármen Lúcia, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Ao proferir seu voto, Cármen Lúcia disse que mudou de posição pois "outros dados que foram anexados aos autos levaram a uma combinação para mim diferente", reforçando que "houve parcialidade" por parte de Moro na condução do processo e que todo mundo tem direito a "um julgamento justo". "Impõe, portanto, o reconhecimento do que aqui é divulgado como suspeição", declarou.
A ministra seguiu, basicamente, o que disse anteriormente o ministro Gilmar Mendes, que afirmou que sequer considerou, em seu voto, as mensagens entre Moro e procuradores da Lava Jato obtidas pela operação Spoofing. Ela citou fatos que já estavam nos autos antes da divulgação das mensagens, como a condução coercitiva de Lula determinada por Moro.
Cármen Lúcia frisou, ainda, que ao defender a concessão do HC a Lula, ela está tratando de um caso em específico que não deve atingir outros procedimentos da Lava Jato. “Tenho para mim que estamos julgando um habeas corpus de um paciente que comprovou haver estar numa situação específica. Não acho que o procedimento se estenda a quem quer que seja, que a imparcialidade se estenda a quem quer que seja ou atinja outros procedimentos. Porque aqui estou tomando em consideração algo que foi comprovado pelo impetrante relativo a este paciente, nesta condição. Essa peculiar e exclusiva situação do paciente neste habeas corpus faz com que eu me atenha a este julgamento, a esta singular condição demonstrada relativamente ao comportamento do juiz processante em relação a este paciente”, disse.
O julgamento da suspeição de Moro teve início em novembro de 2018.
Gilmar Mendes
Na sessão do mesmo julgamento da suspeição de Moro no dia 9 de março, Gilmar Mendes, ao votar pela parcialidade do ex-juiz, afirmou: "O magistrado [Sergio Moro] gerenciava os efeitos da exposição midiática dos acusados. A opção por provocar e não esperar ser provado garantia que o juiz estivesse na dianteira de uma narrativa que culminaria na consagração de um verdadeiro projeto de poder que passava pela deslegitimação política do Partido dos Trabalhadores, em especial o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, a fim de afastá-lo do jogo eleitoral".
O ministro também reconheceu que o julgamento se trata do “maior escândalo judicial da nossa historia” e leu trechos das mensagens obtidas através da Operação Spoofing, que recuperou os dados acessados pelos hackers que invadiram os celulares funcionais de Moro e procuradores da Lava Jato.
Já nesta terça-feira (23), ao rebater o ministro Nunes Marques, que votou contra a suspeição de Moro, Mendes chegou a chamar o colega de "covarde".
“Por trás da técnica de não reconhecimento de habeas corpus se esconde um covarde. Um bom ladrão salvou-se, mas não há salvação de um juiz covarde”, disparou
O ministro ainda apontou que as conversas entre Moro e procuradores da Lava Jato obtidas pela Operação Spoofing mostram que “houve um consórcio, um conluio com a mídia”. “Tanto é que hoje escondem tanto quanto possível essas divulgações, porque o constrangimento é explicável”, disse.
Mendes repetiu o que disse em seu voto em 9 de março, quando afirmou que se os diálogos não são verdadeiros, Delgatti era um ficcionista do nível de Gabriel Garcia Marques. “Não se trata de áudios nem de hackers é o que está no autos.”
“O tribunal de Curitiba é conhecido hoje como tribunal de exceção e nos envergonha. A desmoralização da justiça já ocorreu, alguém aqui compraria um carro de Moro, de Dallagnol? São pessoas de confiança? Alguém os contrataria como advogados nestas circunstâncias, tendo agido dessa forma?”, questionou.
Lewandowski
Terceiro ministro, além de Gilmar e Cármen Lúcia, que votou pela suspeição de Moro, Ricardo Lewandowski também deu grande ênfase às mensagens ao proferir seu voto na sessão do último dia 9. Relator do recurso apresentado pela defesa de Lula que pedia o acesso aos arquivos da Spoofing, o magistrado destacou a autenticidade do material, apontando o reconhecimento por perícias realizadas. Isso desmonta a tese de Moro e procuradores sobre possíveis alterações promovidas pelos hackers.
“O cuidadoso trabalho pericial infirma a versão veiculada pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores com os quais manteve interlocuação de que a autenticidade das mensagens não poderia ser atestada”, disse.
Para o ministro, o material garante “plena credibilidade à existência das conversas para combinar estratégias processuais” e que a mensagens servem como “reforço argumentativo do que já se mostrava óbvio: o paciente foi submetido a um verdadeiro simulacro de ação penal cuja nulidade salta os olhos”.
Lewandowski e Mendes deram destaque também à condução coercitiva do ex-presidente Lula. “Nem animais para matadouro são levados como foi levado um ex-presidente da República”, disse o ministro.
O que acontece agora
No início de março, o ministro Edson Fachin havia determinado a anulação dos processos conduzidos por Sérgio Moro contra o ex-presidente Lula, alegando incompetência da Vara Federal de Curitiba para julgar os casos da Lava Jato envolvendo o petista.
Com isso, Lula já tinha reconquistado seus direitos políticos. A decisão de Fachin determinou, ainda, que os processos do petista deveriam voltar à estaca zero na Justiça Federal de Brasília, que é a vara competente para julgar os casos.
Com o reconhecimento de suspeição de Moro por parte do STF, no entanto, a Justiça de Brasília, caso retome a análise dos processos, não poderá utilizar as provas, depoimentos e recebimentos de denúncias colhidos por Moro, já que esses atos foram invalidados com a concessão do habeas corpus a Lula.
A procuradoria-geral da República (PGR) recorreu da decisão de Fachin que anulou os processos de Lula e o recurso deve ser julgado pela Segunda Turma da Corte.
Por hora, Lula segue com seus processos anulados e seus direitos políticos restabelecidos.