A aprovação na Câmara da admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição que restringe as possibilidades de prisão de parlamentares, chamada PEC da Imunidade (PEC 3/2021), provocou reação contrária nos deputados da oposição.
A razão principal foi a forma rápida, sem debates e atropelando os ritos pela qual a PEC foi aprovada. Além disso, o texto entrou em pauta cerca de uma semana após a casa autorizar a prisão do deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O novo líder da bancada do PT, Bonhn Gass (RS), diz que “parlamentares precisam de imunidade e não de impunidade”. Paulo Pimenta (PT-RS) classifica a PEC como “inadequada, inoportuna, inaceitável e deve ser derrotada”.
A nova líder do PSOL na Câmara, Talíria Petrone (RJ), acredita que o debate sobre o fortalecimento das prerrogativas dos congressistas, criando barreiras contra eventuais interferências do Poder Judiciário ao exercício da atividade parlamentar, é fundamental para a democracia.
“No entanto, não podemos fazer o debate a toque de caixa. O tema da PEC que muda o texto sobre imunidade parlamentar e prisão de parlamentares é uma discussão que precisa ser feita, de forma mais ampla, inclusive com a sociedade civil. A Câmara nunca se debruçou com tamanha ênfase e rapidez sobre um debate de garantias, e quer fazer agora de forma revanchista um debate que é profundo e estrutural. A pretexto de combater um superpoder, não podemos criar outro”, argumenta.
Paulo Teixeira (PT-SP), afirmou que o texto contém inconstitucionalidades, especialmente em dispositivos do artigo 53, que diz que deputados e senadores são invioláveis civil e penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos – isso está correto -, cabendo exclusivamente a responsabilização ético-parlamentar por procedimento incompatível com decoro parlamentar.
“Se o parlamentar faz como o atual presidente da República fez com a deputada Maria do Rosário (PT-RS), ele teria que responder criminal e civilmente, e não só na Comissão de Ética. É por isso, que nós afirmamos a inconstitucionalidade desse artigo”, alega.
Maria do Rosário (PT-RS) vai na mesma linha. “Eu considero que não poderia ser admitido o dispositivo que está proposto para o artigo 53. Quando está colocado que o parlamentar não estará mais afeto à jurisdição do STF, trazendo exclusivamente a responsabilidade ético-disciplinar por procedimento incompatível ao decoro parlamentar para a Câmara dos Deputados o único espaço onde o parlamentar poderá ser responsabilizado, nós estamos ferindo dois princípios constitucionais, parte deles, princípio pétreo”.
Sâmia Bomfim (PSOL-SP) também se posicionou contra a PEC. “Ela torna os parlamentares uma casta inimputável. Com ela, o fascista Daniel Silveira, por exemplo, não teria sido preso. Além disso, não é possível admitir uma alteração constitucional tão profunda feita no afogadilho, em dois dias. Vejo a PEC como uma resposta de alguns, desconfortáveis com a prisão de Daniel”.
Fernanda Melchionna (PSOL-RS) achou um desrespeito com o povo que a Câmara tenha colocado a PEC em votação logo depois da prisão de Daniel Silveira. “Se a PEC estivesse valendo, ele não estaria preso. Casos como o de Flordelis teriam ainda mais dificuldade para responsabilização. Que vergonha”, resume.
Precedente perigoso
O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também acha que houve precipitação em relação à apresentação da proposta.
“Temos um problema grave: o rito que foi adotado. Realmente, uma emenda constitucional não passar por uma discussão mais ampla e pelas comissões internas da casa legislativa, pode criar um precedente perigoso”, analisa.
“Eu penso que essa emenda constitucional, no mérito, tem muitos pontos positivos, mas nós temos de entrar numa discussão sobre o rito. Entendo que uma PEC que seja votada com muita rapidez, especialmente sem passar pelas comissões responsáveis para fazer uma análise da constitucionalidade, comporta críticas. Se você passa essa PEC neste momento, ela abre caminho para que os ritos sejam abandonados. No processo legislativo, há de se cumprir os ritos, até porque é uma exigência constitucional”.
No entanto, Kakay observa a PEC como positiva, do ponto de vista jurídico. “Considero que tem uma série de avanços. A Constituição brasileira sempre proibiu a prisão preventiva do deputado. Sempre que foi possível, vigorava a prisão em flagrante por crime inafiançável. A PEC dá um avanço em relação a isso. Ela prevê que a prisão continua sendo possível apenas em flagrante, especifica com mais detalhes o que significa flagrante e, por outro lado, prevê que a casa tenha o direito de determinar a soltura do deputado”, explica.
“Porém, se a Câmara determinar a continuação da prisão, se aprovar a prisão, a partir desse momento, passa a valer o rito normal, o rito processual para qualquer cidadão. Ou seja, poderá haver nesse caso, inclusive, a prisão preventiva. Acho a PEC, no mérito, criteriosa”, resume.
Segundo o advogado, “há certa má vontade, porque ela foi feita logo após a votação específica do deputado Daniel, o que seria uma resposta ao STF. Eu, sinceramente, não considero. Na realidade, a prisão do Daniel, juridicamente, comporta uma série de questionamentos”, argumenta.
“Historicamente, a prisão foi importante, porque comprova que estão ocorrendo cada vez mais excessos, inclusive, financiados por grupos internacionais, como disse o ministro Toffoli, contra o Supremo, contra a estabilidade democrática”, diz.
Porém, ainda segundo Kakay, a prisão do deputado deveria ter sido feita com outra fundamentação. “Foi baseada na tese do flagrante permanente, ou seja, que um vídeo pode ser usado como sustentação para a prisão durante o tempo em que ele estiver na internet. O que defendo é que deveria ter sido mantido o flagrante, pois a prisão se deu logo após o vídeo ter sido produzido e colocado na internet”.